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DE MAR A Mar
Coluna
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O Brasil, a região e a encruzilhada da Venezuela

EUA, Colômbia e Argentina observam crise brasileira, mas estão muito atentos para a possibilidade de uma tempestade ainda mais perigosa, a venezuelana

O presidente interino, Michel Temer, no último dia 13, em Brasília.
O presidente interino, Michel Temer, no último dia 13, em Brasília. Eraldo Peres (AP)

O Brasil passa pela sua mais profunda crise desde a restauração da democracia no país. A ascensão de Michel Temer significa uma virada copernicana, semelhante à que Mauricio Macri representa na Argentina. Mas essa mudança abriga duas esquisitices. Ela se realizou sem a mediação de eleições. E quem a lidera é o vice-presidente do Governo afastado. A legalidade do afastamento de Dilma Rousseff deveria estar fora de questão. O impeachment seguiu os ritos constitucionais e foi avalizado pelo Supremo Tribunal Federal. A legitimidade da nova ordem está, por outro lado, em construção. E houve um movimento inesperado. A principal rejeição não veio das ruas. Veio de fora. O primeiro desafio de Temer é, assim, conseguir obter apoio na região.

Os Governos bolivarianos da Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia e Nicarágua denunciaram a consumação de um golpe de Estado em Brasília. Nicolás Maduro classificou a retirada de Rousseff como “uma canalhice contra ela, contra a democracia e contra o povo brasileiro”. Comunicou, também, ter convocado a Caracas o seu embaixador no Brasil, Alberto Castellar. Soube-se, depois, que Castellar já estava na Venezuela quando Maduro fez esse anúncio.

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O Chile e o Uruguai não falaram em golpe. Mas também não deram seu aval a Temer. Michelle Bachelet e Tabaré Vázquez são amigos de Dilma. E, além disso, estão limitados por suas alianças internas. Bachelet está atrelada ao Partido Comunista, que se alinha com o chavismo. E Vázquez precisa se ajustar aos posicionamentos de seu antecessor, José Mujica, que milita no terreno bolivariano.

No último dia 23 de abril, houve um ensaio-geral desse protesto. Nesse dia, em Quito, reuniram-se os ministros das Relações Exteriores da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Pelo Brasil, esteve presente o chanceler, Mauro Vieira. Mas também estava presente Marco Aurélio Garcia, o assessor de Rousseff para assuntos internacionais. Garcia foi em busca de uma condenação ao impeachment, algo que Vieira não se dispunha a administrar. Essa divergência interna no Governo brasileiro se resolveu graças a duas aliadas de Vieira: a argentina Susana Malcorra e a colombiana Maria Ángela Holguín. Ambas esgrimiram um argumento diante do qual, no Brasil, todos se rendem: a discussão traria danos à imagem do país. Havia, também, um risco importante. Se Rousseff pressionasse Vieira excessivamente para que denunciasse a existência de um golpe, demissões em massa poderiam ocorre no Itamaraty, a chancelaria brasileira. Um detalhe que chama a atenção: o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, manteve a equipe de seu antecessor.

No entanto, a diplomacia de Garcia e daquele foi chanceler de Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim, continuou atuante nos bastidores. Ela está por trás dos comunicados de condenação, aos quais se somou o de Ernesto Samper, o secretário-geral do Unasul. O seu colega da OEA, Luis Almagro, ex-ministro das Relações Exteriores do Uruguai na gestão Mujica, informou que solicitará um parecer técnico à Corte Interamericana de Direitos humanos.

O novo Governo brasileiro tem três aliados principais na região: Paraguai, Colômbia e, sobretudo, a Argentina

A resposta brasileira teve o tom temperamental de Serra, o novo chanceler. Figura de destaque do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, Serra desfez qualquer dúvida quanto ao seu alinhamento exterior em dezembro de 2014. Diante de uma consulta sobre o Foro de São Paulo, integrado por várias organizações simpatizantes do chavismo, ele respondeu: “O Brasil não tem de estar aí, pois não é um país cucaracha”. Comparadas com essa definição, as respostas dadas pelo Itamaraty ao repúdio a Temer foram até bastante protocolares. Serra afirmou que o Brasil vive sob uma democracia, que respeita a legalidade. Em comunicado especial, repudiou as críticas de Samper. Mas não mencionou Almagro.

O novo Governo brasileiro tem três aliados importantes na região: Paraguai, Colômbia e, principalmente, Argentina. Para o Governo paraguaio, o argumento do golpismo, que se constrói a favor de Dilma, é o mesmo que, com a Venezuela à frente, se levantou quando o presidente Fernando Lugo foi afastado. Naquele momento, o Paraguai foi suspenso pelo Mercosul. No caso do Brasil, ninguém se anima a pedir algo nesse sentido.

O colombiano Juan Manuel Santos é amigo de Cardoso e sofreu o idílio por parte do PT, com Hugo Chávez e Maduro.

O caso de Macri é bastante claro. Não apenas tem afinidade explícita com os dirigentes do PSDB, como FHC e Aécio Neves, como também teve de aguentar a campanha que Lula fez em 2015 em favor do candidato kirchnerista Daniel Scioli. Nunca um Governo brasileiro havia promovido uma intervenção tão direta na política argentina.

Macri criou uma fórmula para dar apoio a Temer: “O Brasil possui instituições sólidas capazes de processar a sua crise”. Quando Barack Obama visitou Buenos Aires, ele procurou lhe explicar os detalhes da ebulição em curso no Brasil. Antes de fazer isso, Macri conversou com Fernando Henrique Cardoso. Não deve causar espanto, portanto, a visita que Serra fará a Buenos Aires na semana que vem.

Obama também optou por um discurso institucional. Assim como Macri, ele tem motivos de ordem pessoal para nutrir simpatia por Temer. Irritou-se muito com Lula quando o Governo brasileiro defendeu o plano nuclear do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. E teve se engolir a indignação de Dilma Rousseff no episódio da espionagem realizada pela Agência Nacional de Segurança.

Além de seu apoio ao Brasil, os EUA, a Argentina e a Colômbia esperam que a divisão não aumente ainda mais na região. Os três países estão muito atentos para a possibilidade de uma tempestade ainda mais perigosa: a venezuelana. Maduro levantou a voz contra Temer em defesa de si mesmo. Ele suspeita que qualquer negociação interna se realizaria à custa da sua própria cabeça. Todos os olhos se voltam para o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, que já está quase ficando sem voz de tanto jurar lealdade ao presidente venezuelano.

A negociação já começou, e dela participam a Colômbia, a Argentina e o Vaticano. Enquanto isso, Washington dá o seu aval, à distância. Obama tem um único objetivo: deixar o Governo carregando o mérito de ter deixado a região sem conflitos. Festeja o reencontro com Cuba. E espera que, dentro de semanas, a paz seja consumada na Colômbia. Lamentaria muito, no entanto, que Brasília ou a Venezuela o impedissem de protagonizar esse final.

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