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Brasil vai repetir o tombo de 3,8% do PIB este ano, aponta relatório do FMI

Previsão replica tombo de 3,8% de 2015 e confirma “pior recessão do século” Fundo dedica boa parte do debate sobre Brasil à dívida pública nacional, a maior da região

Linha de produção automobilística da Volkswagen no Brasil, em fevereiro deste ano.
Linha de produção automobilística da Volkswagen no Brasil, em fevereiro deste ano.Divulgação/VW
Carla Jiménez

O desempenho desastroso da economia no Brasil em 2015 vai se repetir em 2016, confirmando dois anos seguidos de profunda recessão no país, segundo o relatório Perspectivas Econômicas, divulgado nesta quarta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A projeção do Fundo é de uma queda de 3,8% do Produto Interno Bruto em 2016, o mesmo resultado registrado no ano passado, quando pelo menos `1,5 milhão de brasileiros perderam seus empregos. É o terceiro pior resultado da região, atrás da Venezuela (-8%) e do Equador (-4,5%). A Argentina deve ter queda de -1%.

Em janeiro, a projeção do FMI para o Brasil era de uma queda de 3,5% da atividade econômica. Mas, a turbulência política se sobrepôs, e manteve a deterioração da economia brasileira, que hoje serve de pano de fundo do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, prestes a ser substituída pelo vicepresidente Michel Temer, caso o Senado confirme a sua destituição nas próximas semanas.

Em seu relatório voltado às Américas, o FMI dedica boa parte do capítulo referente ao Brasil para tratar da dívida pública nacional. Embora o Fundo mostre que o país foi afetado, a exemplo de outros países vizinhos, pela desaceleração da China, a queda dos preços de matérias-primas, e a volatilidade cambial, o endividamento confirma o descolamento brasileiro por erros cometidos internamente.

A dívida pública brasileira atual, de 73,7% do PIB (dado de 2015) é a maior do continente sulamericano, maior inclusive que a da Venezuela (48,8% do PIB) ou que a da Argentina (56,5%), países até pouco tempo atrás identificados como os ‘patinhos feios’ da região. O descontrole com os gastos públicos marcou o primeiro mandato da presidenta Dilma, algo que ficou mais nítido depois da sua reeleição em 2014. A dívida bruta no início de 2011, quando ela estreou na presidência, estava na casa dos 54% do PIB. A contínua concessão de isenções fiscais a empresas para evitar o desemprego em seus primeiros anos no poder foi comprometendo a arrecadação do Governo, o que contribuiu para aumentar o nível de endividamento do Brasil.

Ao final do primeiro mandato, em 2014, e no início do atual, em 2015, Dilma recorreu a manobras contábeis para fechar as contas, ao mesmo tempo em que alterou por diversas vezes as metas fiscais (economia para pagamento de dívidas) com as quais havia se comprometido. Para equilibrar as contas, ela tentou aprovar um ajuste fiscal junto ao Congresso em meio a uma queda de braço com os parlamentares que se estabeleceu logo no início de 2015. “A deterioração fiscal e a dinâmica da dívida pública incidiram na queda de confiança, especialmente porque as metas de ajuste fiscal formuladas no início de 2015 foram reduzidas repetidas vezes, o que gerou um aumento das taxas de juro no mercado”, descreve o relatório do FMI.

Foi esta mesma leitura que fez as agências de risco Standard&Poors, Fitch e Moody’s rebaixarem a nota de crédito do Brasil, tirando o grau de investimento do país. A primeira a rever a nota brasileira foi a S&P em setembro de 2015, seguida pela Moody’s em dezembro, e pela Fitch, em fevereiro deste ano.

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O FMI observa que a combinação de fragilidades macroeconômicas e problemas políticos marcam o Brasil atualmente. Com dois anos de queda significativa do PIB, não é à toa que os economistas no Brasil descrevem o quadro atual como a “pior recessão do século”. Na leitura do Fundo, a retração de consumo e investimentos se explica diante das incertezas do momento. “A atividade econômica se contrai diante da escassa confiança das empresas e consumidores, do elevado nível de incerteza a respeito da política interna, bem como da debilidade dos preços de exportações e do endurecimento das condições financeiras e escassa competitividade”, aponta o relatório.

O quadro descrito pelo FMI torna claro por que boa parte dos brasileiros, em especial os setores econômicos, apoiam o processo de impeachment da presidenta que está em curso –Dilma deve ter sua destituição confirmada pelo Senado brasileiro por volta do dia 11 de maio, quando será afastada por 180 dias até que os senadores concluam o procedimento.

O FMI reconhece que os indicadores brasileiros de solidez financeira parecem firmes, mas chama a atenção para o fato de que as permanentes tensões econômicas podem afetar o desempenho dos credores, ou seja, quem investe no Brasil e os agentes financeiros que concedem crédito. “É essencial no Brasil formular uma estratégia de consolidação voltada a restabelecer a sustentabilidade fiscal, bem como comunicá-la e executá-la de maneira sistemática”, alerta o Fundo, numa clara mensagem de que a maneira como a política econômica foi conduzida até aqui gerou essa leitura. O relatório do Fundo mostra que a continuar com o ritmo atual, a dívida brasileira pode superar os 90% do PIB em 2021.

Com espaço limitado para cortes – quase 90% do orçamento público brasileiro é engessado por despesas obrigatórias – o FMI entende que serão necessárias “medidas impositivas no curto prazo”, embora entenda que no longo prazo será necessário abordar a rigidez de gastos, incluindo os da Previdência Social. Esse é um debate que já estava presente no Governo Dilma, e que possivelmente será herdado pelo seu vicepresidente, Michel Temer, caso ele assuma o poder se o impeachment for confirmado em maio.

A preocupação com o Brasil é uma constante pelo seu peso na região e o potencial de contágio. Uma deterioração mais profunda da situação brasileira, observa o FMI, “poderia provocar mudanças repentinas na valorização dos ativos da região, e uma menor demanda de exportações entre os sócios comerciais [do Mercosul] (em particular no caso da Argentina, Paraguai e Uruguai)”, além de um aumento de notas de risco para o continente. A expectativa do Fundo é que a economia paraguaia avance 2,9% em 2016, e a do Uruguai, 1,4%. A Argentina deve registrar queda de 1%.

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