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O falso feminismo que ‘Game of Thrones’ esconde

Vitimas de estupros, manipuladoras, prostitutas, dependentes de homens que as salvem…A série da HBO castiga as mulheres pelo mero fato de assim serem?

Nunca antes uma obra de ficção teve tantos defensores de teses opostas como os que defendem que Game of Thrones é feminista e os que a tacham de machista. O excesso de nudez e violência, especialmente na temporada passada, reavivou esse debate. A senadora dos Estados Unidos Claire McCaskill e o blog feminista The Mary Sue se queixaram publicamente dos estupros da Sansa e Cersei, criadas exclusivamente para a ficção televisiva. O blog, que já escreveu extensivamente sobre Game of Thrones, retirou o seu apoio à série acusando os roteiristas da perseguição gratuita contra as mulheres.

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George R. R. Martin tem defendido os roteiristas da HBO argumentando que se basearam na Idade Média e definindo-a como uma época violenta e machista. Cita o exemplo de Joana d'Arc, que foi queimada na fogueira por se vestir como um homem, explica o autor. A guerra, diz ele, tem sido violenta desde os sumérios até hoje, especialmente com as mulheres, por isso é mostrada exatamente como é. The Mary Sue chegou a questionar esse argumento do autor, colocando em dúvida se esse período da história realmente era como vemos agora. Apesar de ter focado a série nos tempos medievais, Game of Thrones é, acima de tudo, uma obra de fantasia com dragões, zumbis e magia e, portanto, poderia ter se desenvolvido em outro tipo de sociedade, mas seria crível?

Tendo em conta que em roteiro e narrativa se segue a norma: crível versus verdade, é preciso dizer que isso se consegue com personagens e mundos reconhecíveis pelo público. Ou seja, o que conhecemos. Temos mais informações para reconhecer criaturas e mundos fantásticos, pois estiveram presentes ao longo da história em contos, lendas e filmes, do que uma sociedade igualitária, sobre a qual não temos dados e, portanto, acreditamos antes que existem dragões.

No entanto, a série mostra que suas mulheres, oprimidas por serem mulheres, querem deixar de ser assim. Por esse motivo gerou-se o debate de se é ou não é feminista, e isso depende do nosso próprio ponto de vista. Enquanto algumas argumentam que Daenerys é uma mulher empoderada que cria o seu exército e controla a sua sexualidade, outros afirmam que, após ter sido vendida por um homem e estuprada por outro, consegue ressurgir das cinzas sempre protegida por homens.

'Game of Thrones' castiga as mulheres que tentam se libertar e mostra que fracassam por seus ‘erros femininos’

Também se apresenta a maternidade como o atributo mais importante quando acontece. Daenerys torna-se Mãe de Dragões. Cersei perderá o respeito dos poderosos por sua debilidade materna frente a Joffrey, e só assim pode ocupar o poder, como uma mãe. Como tal admite seu papel e instrui Sansa para perpetuar seu papel na sombra de um marido cruel e como mãe de um rei, da mesma forma que se educa filhas e filhos perpetuando o sexismo. Seu polêmico estupro parece um castigo, como acontece na realidade quando se culpa a vítima de um estupro. Outra mãe, Catelyn Stark provoca o massacre dos seus ao escolher salvar suas filhas, o que uma mãe faria, em vez de ganhar a guerra, que é o que se espera de um homem.

Game of Thrones castiga as mulheres que tentam se libertar e mostra que fracassam por causa de seus "erros femininos". Quando conseguem ganhar poder são manipuladoras, masculinas ou sexualizadas, de forma que são punidas ou precisam de homens para atingir seus objetivos. Melissandre é uma bruxa manipuladora, Daenerys traz a desgraça aos dothraki e à pequena Shireen Stannis, que acaba na fogueira, em uma das cenas mais cruéis da série. Arya é salva por Syrio, Jaqen e o Cão. Gilly, vítima de incesto, é salva por Sam, e Brienne é fiel a um rei e salva por Jaime.

A sororidade, tão feminista, necessária e incomum na ficção, também une Catelyn e Brienne e Shae e Ros para ajudar Sansa.

Perante essa realidade, Lady Olenna deixa evidente a necessidade de colaboração entre as mulheres, oferecendo ajuda para Sansa em troca de informações. Essa irmandade, sisterhood em inglês, ou sororidade, tão feminista, necessária e incomum na ficção, também une Catelyn e Brienne e Shae e Ros para ajudar Sansa, punindo Ros a morrer torturada por Joffrey.

Até agora a série mostra um mundo medieval reconhecível por seu obscurantismo sexista e por sua violência, onde as mulheres sofrem mais opressão do que os homens. Sobrevivem com a sua inteligência, como Margaery, pegando em armas, como Brienne, Yara e as Serpentes de Areia, ou unindo-se por um bem comum, como fazem Olenna e Catelyn.

A Real Academia Espanhola define feminismo como: "Ideologia que defende que as mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens". Tendo em conta essa definição e sem saber o que está por vir na próxima temporada, a única concessão feminista até agora está relacionada com a irmandade e o empoderamento das personagens mulheres, sendo Ygritte, apesar de ser secundária a um homem, a mulher mais livre, poderosa e feminista.

O debate dessa guerra dos sexos está aberto novamente.

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