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Os imigrantes norte-coreanos que oxigenam o regime no exterior

Cerca de 50.000 norte-coreanos trabalham no exterior em vários setores

Garçonete vestida com traje tradicional da Coreia do Norte, em 12 de abril num restaurante em Pequim.
Garçonete vestida com traje tradicional da Coreia do Norte, em 12 de abril num restaurante em Pequim.D. SAGOLJ (Reuters)

Vestida de uniforme vermelho e com um cartão no peito mostrando seu nome e a bandeira da Coreia do Norte, Kim é uma das seis garçonetes do restaurante “Prato de Jade”, na cidade fronteiriça chinesa de Dandong. Sua colega, vestida com o “hanbok”, ou traje tradicional coreano, empalideceu consideravelmente quando um pequeno grupo de ocidentais entrou no estabelecimento. Um grupo de mulheres norte-coreanas saiu precipitadamente ao vê-los entrar. Todas as mesas, cerca de uma dúzia, estão vazias.

- Você é da Coreia do Norte? Seu mandarim é muito bom.

- Sim, eu sou. Muito obrigado.

- Este lugar está sempre tão vazio? Não chegou ninguém em todo esse tempo.

- Tem mais gente, mas estão lá em cima.

- Eu gostaria de fazer compras. Como você mora aqui, poderia me recomendar alguma loja de roupas?

- Eu não conheço nenhuma. Eu uso esse uniforme e não preciso comprar nada.

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O nervosismo de Kim e de suas colegas é evidente e aumenta à medida que se sucedem as perguntas, que recebem as respostas mais breves possíveis. Um homem, ao que tudo indica o gerente do estabelecimento, aparece no salão. Ao contrário das garçonetes, ele tem presa à jaqueta a característica insígnia com o rosto de Kim Il-Sung ou Kim Jong-il, que ostentam, sem exceção, todos os norte-coreanos adultos. Alguém abre um biombo que impede aos clientes ver as garçonetes, que procuraram refúgio na área do bar. “Nada de fotos!”, adverte uma delas. O único entretenimento é proporcionado por uma tela de televisão, que apresenta o jornal da cadeia norte-coreana que narra as últimas andanças do líder supremo do país, Kim Jong-un.

O “Prato de Jade” é um dos muitos restaurantes de propriedade do Governo norte-coreano, que totalizam cerca de uma centena em toda a China e aproximadamente 130 em todo o mundo, de acordo com Seul. A tensão de seus empregados é previsível. No dia 8 de abril, o Ministério da Unificação sul-coreano anunciou a fuga de toda a equipe de um desses estabelecimentos, o “Ryungyong”, em Ningbo (no leste da China).

A fuga em massa, a maior de que se tem notícia desde a chegada ao poder de Kim Jong-un, em 2011, é ainda mais surpreendente porque abandonar a Coreia do Norte para buscar refúgio em outro país tornou-se cada vez mais difícil durante o mandato do líder supremo. Em 2014, 1.396 pessoas escaparam, o menor número em nove anos.

Os trabalhadores do restaurante “saíram da China legalmente”, conforme afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores deste país, Hong Lei.

Para a Coreia do Norte, esses restaurantes, que oferecem pratos tradicionais do país, como macarrão frio ou o kimchi – uma couve macerada e picante – são uma preciosa fonte de divisas. De acordo com estimativas da Coreia do Sul, geram cerca de 10 milhões de dólares (cerca de 36 milhões de reais) por ano, soma nada desprezível para esse país que sofre várias sanções internacionais.

Suas garçonetes, esbeltas, bonitas e versadas em culinária, música e dança, são universitárias cuidadosamente selecionadas entre as famílias mais leais ao regime. Ir para o exterior é considerado um grande privilégio.

Entretanto, uma vez no exterior, essas jovens vivem em grupo e desenvolvem uma vida estritamente vigiada. Em Pequim, algumas delas residem na própria embaixada, de onde saem para trabalhar e voltam sob o olhar atento de seus supervisores.

O negócio parece ter sofrido recentemente. Em fevereiro, o Governo sul-coreano pediu aos seus cidadãos que não visitassem esses estabelecimentos em suas viagens ao exterior, como parte de suas medidas de punição ao vizinho do Norte depois do teste nuclear de janeiro e do lançamento, em fevereiro, de um foguete que Seul acredita ser um teste disfarçado de um míssil balístico. Os sul-coreanos estavam entre os principais clientes desses restaurantes.

Como resultado, de acordo com a Rádio Free Asia, vários desses restaurantes na China enfrentam dificuldades financeiras. A agência sul-coreana de notícias Yonhap diz que pelo menos cinco foram fechados.

A cada ano, a Coreia do Norte envia dezenas de milhares de trabalhadores no estrangeiro. De acordo com o relator especial da ONU para os direitos humanos na Coreia do Norte, Marzuki Darusman, cerca de 50.000 norte-coreanos são empregados em países estrangeiros e fornecem ao regime uma renda de cerca de 2,2 bilhões de dólares em setores como mineração, construção ou têxtil. Esses trabalhadores – em situação muito pior do que garçonetes como Kim – chegam a trabalhar 20 horas por dia, com comida insuficiente, descanso apenas uma ou duas vezes por mês e salários em torno de 100 euros por mês.

“A exportação de trabalhadores norte-coreanos é organizada, administrada e supervisionada como uma questão de política de Estado”, afirmou em 2014 um relatório do Instituto Asan sul-coreano.

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