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Romero Jucá: “Insistir em Dilma é colocar o país em uma aventura”

Senador, presidente interino do PMDB, tenta convencer Renan Calheiros a votar pelo impeachment

Romero Jucá em comissão do Senado.
Romero Jucá em comissão do Senado.Fabio Pozzebom (Ag. Brasil)

Circulando pelo Senado há 21 anos, o pernambucano Romero Jucá (PMDB) é um dos que mais conhece os bastidores da Casa onde se concentram parte dos mais experientes políticos brasileiros. Nos últimos dias, seu gabinete, escondido no subsolo da ala Afonso Arinos, é um dos mais disputados por políticos de sua base eleitoral e de fora dela, por articuladores e por jornalistas. É difícil até achar lugar para se sentar na sala de espera.

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Senador pelo Estado de Roraima desde 1995, o economista Jucá já passou por três partidos: o extinto PPR, o PSDB e o PMDB. Também foi líder de três Governos distintos, do tucano Fernando Henrique Cardoso e dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (este por um ano só, como gosta de ressaltar). Escalado para ser o paredão que protege o vice-presidente Michel Temer, Jucá assumiu interinamente a presidência do PMDB e tem articulado para que o seu partido herde a cadeira de Rousseff. Sua próxima missão é convencer o presidente do Senado e seu correligionário, Renan Calheiros, a mudar para o outro lado da trincheira. Calheiros ainda é uma das esperanças do Governo petista para se manter vivo.

A conversa com o senador, que é investigados no escândalo da Lava Jato, ocorreu em dois momentos desta semana, na segunda e na terça-feira, para tentar acompanhar o ritmo da crise política. Antes de começar, uma pergunta se faz necessária após a divulgação do áudio "por acidente" por Temer. "Posso gravar? Pergunto para que não digam que divulgou sem querer... " "Eu não falo por engano (risos)."

Pergunta. Como responde a acusação do PT de que Michel Temer é "golpista"?

Resposta. Como o PT e o Governo não tem como se explicar, tentaram fazer um jogo midiático, tentaram voltar para a eleição de 2014. O que o marqueteiro João Santana fez na eleição com Marina Silva e Aécio Neves de colar uma imagem ruim para poder salvar a Dilma, não funcionou agora. O processo é muito claro. O Michel na presidência do PMDB ficava impedido de ficar rebatendo. Não podia se expor. Eu como presidente tenho a tribuna do Senado para usar e vou falar sempre que precisar.

P.  Nesta terça, depois do áudio vazado do Temer em que ele fala praticamente como presidente, foi a presidenta que o chamou de "golpista"...

"Lamento que a presidente Dilma esteja perdendo a serenidade e esteja tentando culpar outras pessoas pelo desacerto de seu próprio Governo"

R. Lamento que a presidente Dilma esteja perdendo a serenidade e esteja tentando culpar outras pessoas pelo desacerto de seu próprio Governo. Se ela quer procurar pessoas que atrapalharam o Governo, ela deve olhar para dentro do Governo. O Governo está pagando pelos erros que cometeu. Não é Michel Temer, nenhum membro do Congresso está fazendo qualquer ação deliberada. O que o Congresso está fazendo é fazer com que a Constituição possa ser validada e efetivamente uma ação de impeachment possa ser votada e possa cumprir o desejo da maioria do Congresso. Lamento que a presidente Dilma esteja perdendo o equilíbrio, e mais do que isso, apelando para um enredo já ultrapassado. Falar em golpe é o que falou o presidente Fernando Collor há muitos anos atrás. Acho que o Governo deveria fazer uma autocrítica e reconhecer a difícil situação em que colocou o país

P. A presidenta disse que o que há é uma farsa e um "gabinete do golpe".

R. É um tipo de apelação e perda de equilíbrio. Primeiro, os autores da denúncia de impeachment são juristas reconhecidos. O Eduardo Cunha, como presidente da Câmara, deu apenas prosseguimento ao fato. O processo teve o aval do STF. Os crimes do Governo é que levaram ao processo do impeachment. Não foi alguém fora do Governo que obrigou o Governo a fazer o que ele fez. É melhor que a presidenta tivesse um pouco mais de equilíbrio e análise de suas próprias limitações e de seus erros.

P. O ministro Jaques Wagner [Gabinete Pessoal] disse que, se o impeachment não passar, o Temer deveria renunciar.

R. Querer propor a renúncia do Michel Temer é querer imolar alguém que não tem culpa no cartório. Se ele quiser propor a renúncia de alguém, era melhor propor a renúncia da presidente Dilma. Não sei se vai conseguir convencê-la. O presidente Michel não tem nenhum motivo para renunciar, é um político respeitado e pode ser muito importante nesse momento que o país precisa redefinir o seu rumo.

P. No Senado, o senhor foi líder dos Governos FHC, Lula e Dilma. Quais as diferenças entre eles?

R. Da Dilma, fui só um ano. São pessoas muito diferentes. O Fernando Henrique pegou um país que tinha que formatar uma nova direção, com a lei de responsabilidade fiscal, as privatizações. Ele é um estadista, um pensador. Um político com bagagem intelectual muito grande que avançou numa direção muito importante. O Lula continuou na mesma direção. O que era medo e uma expectativa negativa mudou. Mudou com a Carta ao Povo Brasileiro, com a escolha do José de Alencar para seu vice, com o Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, com o Henrique Meirelles no Banco Central, você tem uma continuidade de política econômica até com certo aprofundamento do rigor. Posso dizer que tudo que defendi no Governo Lula manteve a mesma coerência. Como líder do Lula não tive que mudar a linha que segui no Governo do Fernando Henrique. Para mim foi uma ampliação de uma estrada correta que o Brasil construiu. O presidente Lula é um político de muita sensibilidade, com história muito forte, ampliou programas sociais, tinha uma linha de atuação mais social e teve a sorte de pegar um momento promissor na economia mundial, com o mercado consumidor em crescimento, com os BRICs.

P. E Dilma?

"Um presidente não cai por um motivo específico. O Governo perde condição e cai. É como se fosse um fruto. Apodrece e cai."

R. Fiquei no cargo só um ano. A gente tinha uma forma diferente de pensar. O Governo começou a ter uma postura mais intervencionista e isso gerou insegurança jurídica, criou algumas ações de sobrecarga do Tesouro Nacional. O Governo desonerou impostos de uma forma que não previu a queda de arrecadação, portanto gerou o déficit. Dos três, infelizmente, a presidente Dilma não continuou na mesma direção.

P. O senhor  notou isso no primeiro ano de Governo?

R. Sim, no primeiro ano. Tanto que eu explicitei isso e não votei nela em 2014. Anunciei ao Michel [Temer] que não votaria. Parte do PMDB também foi contra a aliança com ela: 40% do PMDB não queria se aliar ao PT. Eu fui um deles. Abertamente, discutimos isso. Quando ela ganhou, eu continuei ajudando. Fui eu que ajudei a mudar o superávit no último ano dela. Fui o relator. Em nenhum momento eu boicotei ou agi contra o Governo. Agimos a favor. Ajudei a aprovar a Agenda Brasil, ajudei a aprovar os mecanismos que o Joaquim Levy [ex-ministro da Fazenda] propôs. O tempo todo fui crítico dizendo que aquilo só não ajudaria. E chegamos nessa situação que, na minha avaliação, é gravíssima.

P. Em que momento o senhor se decidiu que seria favorável ao impeachment dela?

R. Um presidente não cai por um motivo específico. O Governo perde condição e cai. É como se fosse um fruto. Apodrece e cai. Ela cometeu o crime fiscal, contábil, financeiro, desequilibrou, colocou em risco a economia, as questões sociais. Houve um desarranjo no país que ficou comprovado no último ano. Ela colocou o Levy na Fazenda e não apoiou o que ele defendia. Uma hora estava do lado dele, outra hora estava do outro lado. Começou a dar sinais trocados para a economia e o Brasil não aguenta esse processo até 2018. Você tem um motivo jurídico, mas o julgamento é jurídico e político. Essa motivação política construída e sedimentada foi construída pelos erros do próprio Governo. Chega uma hora e você diz: o país está em risco. Insistir em Dilma é colocar o país em uma aventura. Se no domingo ela conseguir 172 votos, não será uma vitória dela nem do Brasil, é uma derrota para o país e ela vai continuar na mesma situação. Ela não governa com 172 votos. Você vai ter uma decepção econômica, uma recessão aprofundada. Se ela tiver os votos, o Brasil perde.

P. O senhor fala na questão jurídica-política,  mas essa é uma das defesas do Governo, de que não há crime.

R. O que não é verdade. As pessoas falam em pedalada porque é uma coisa simpática porque andar de bicicleta é simpático. O que tem ali não é nada de simpático, tem crime fiscal, crime financeiro, crime contábil. O Governo se apropriou de recursos sem autorização legislativa. Fez empréstimo por vias transversas, o que é proibido. Sem falar em todo o processo de corrupção que nem é o motivo dessa ação, mas é o pano de fundo para esse contexto da confiança, da credibilidade do Governo, da segurança jurídica. Apesar de não estar nos autos, o contexto influencia os julgadores.

P. Michel Temer, do seu partido, também tem um pedido de impeachment com essa questão dos decretos de créditos suplementares. Por que o dele não é crime?

"Acho que teremos um 58 ou 60 [senadores] a favor do impeachment."

R. Porque ele não tem cadeia de comando. Já há jurisprudência sobre isso. Um vice-prefeito que assina um cheque de pagamento dentro de uma licitação fraudada por um prefeito que tem um secretário da Fazenda, um secretário de Obras, não tem culpa. Um eventual substituto dar prosseguimento a um ato administrativo é diferente quem tem a cadeia de comando e tem as prerrogativas da decisão. O Michel, eventualmente, se ele assinou um decreto, não foi ele quem mandou fazer, não foi negociado com ele, o entendimento não foi dele, os ministros não seguiam o seu comando. É um processo diferente.

P. Pelo que o senhor está falando, ele apenas estava na hora errada, no lugar errado, então.

R. Não é isso. Ele teve um ato puramente administrativo sem efeito de decisão. Não ia chegar e dizer: “Não assino”.

P. O PMDB já pensou em fazer um mea-culpa por estar tanto tempo nesse Governo, com até sete ministérios e milhares de cargos, e só abandoná-lo agora, à beira do precipício?

R. Não. Volto a dizer, em 2014 quase a metade do PMDB já achava que esse Governo não tinha condição. Eu fui ao presidente Lula, em março de 2014 dizer que não dava para seguir com a Dilma e que ele tinha a autorização do PMDB de dizer que só faríamos a coligação se ele fosse o candidato a presidente. Isso estava explícito. Esses 40% viraram 82% agora. O PMDB foi setorial, ocupou ministérios setoriais, mas qual é o âmago da destruição do Governo? A política econômica e a condução política. Nenhuma delas teve a condução do PMDB. As duas questões basilares nas quais  o Governo falhou não foram tocadas pelo PMDB. E o Michel não era ouvido neste processo.

P. Mas, por um tempo, Temer foi o articulador político.

R. Ele tentou fazer um esforço, trabalhou e depois de três meses ele saiu porque não tinha condições de trabalhar. Não tinha carta branca da presidente.

P. Quando o senhor fez o seu primeiro discurso como presidente do PMDB, o senador Renan Calheiros se incomodou com alguns tópicos. Mas vocês ainda são próximos. Renan se opondo a Jucá é um jogo de cartas marcadas?

R. Não. O Renan tem uma posição diferente da minha. Ele acha que é possível salvar a Dilma e ela conduzir o Governo com outra roupa. Eu acho difícil mudar o eixo político e econômico do Governo presidido por Dilma e com o PT como maior apoiador. Não combina com o que se tem de fazer com o Brasil. Eu e o Renan somos amigos, mas vamos discordar e provavelmente teremos outros embates aqui até o fim desse processo.

P. O impeachment passa pela Câmara?

R. Acho que sim. E passando lá, passa aqui no Senado.

P. Os senadores não mudariam esse entendimento da Câmara?

R. Acho difícil. A pressão vai ser maior.

P. O senhor consegue chutar um placar na Câmara?

"As duas questões basilares, que o Governo falhou, não foram tocadas pelo PMDB"

R. Lá eu conheço pouco. É difícil dizer.

P. E no Senado?

R. Acho que teremos um 58 ou 60 a favor do impeachment. Com trabalho de convencimento. Mas ainda é muito cedo para dizer. Ninguém viu o processo ainda.

P. O PMDB vai fechar questão entorno do impeachment?

R. Vamos discutir com os senadores e deputados de nossa bancada ainda. Queremos estar o mais unido possível. Se pudermos demover o Renan, por exemplo, vamos fazer. Queremos convencer de que há um caminho melhor, vamos tentar convencer os parlamentares com argumentos, não na força.

P. O senhor ou algum membro do PMDB negocia cargos em um eventual Governo Temer?

R. Não. O PMDB não negocia com ninguém. Ainda não há Governo e não se pode abrir uma negociação nesse momento. Seria usar o mesmo tipo de arma que o Governo está usando e nós condenamos.

P. Mas o senhor participa de reuniões frequentes com opositores.

R. Eu, como presidente do PMDB, discuto quadros, discuto o futuro. Discutimos os riscos políticos desse processo. Não discutimos nenhum cargo.

P. Havendo Governo Michel Temer, quais partidos farão parte?

R. Se houver, vai precisar se construir uma base sólida e grande o bastante para aprovar emendas constitucionais, para fazer um ajuste no rumo da economia e da gestão pública. É uma tarefa que deverá ser feita rapidamente. Um governo Michel Temer será muito curto e a cobrança virá muito rápida. O quadro de desagregação da economia é muito forte. É preciso haver base política.

P. Ele está disposto a não concorrer à reeleição, caso assuma?

R. Ele tem dito isso. Já ouvi da boca dele que, se assumir a presidência, sua tarefa seria ter um governo de transformação nacional, portanto não seria candidato a nada.

P. E como o PMDB vai lidar com a Lava Jato, se for Governo e sendo um dos principais investigados? O senhor, por exemplo, é um dos investigados.

R. Eu apoio a Lava Jato. Acho que ela tem de ser rápida. A ação do juiz Sergio Moro e da equipe da Lava Jato vai mudar o paradigma das eleições, o que é positivo. Sou favorável a qualquer tipo de investigação. Qualquer um em uma democracia pode ser investigado. Não há demérito em ser investigado, só há em ser condenado. Existem algumas pessoas do PMDB que foram mencionadas. Eu fui só porque estava em um almoço e porque recebi doação de uma empresa legal. Se eu tivesse algum tipo de receio, não teria assumido a presidência do PMDB para fazer o embate porque eu sabia que seria atacado. Se alguém do PMDB tiver algum tipo de culpa será punido. O PMDB não está envolvido na Lava Jato.

P. Foi citado várias vezes, assim como o PT.

R. A situação do PMDB e do PT são diferentes. O CNPJ, a pessoa jurídica do PT está envolvida nessa questão. Tem tesoureiro preso, dirigente preso e tudo mais. O PMDB, não. É pessoa física. Há menções a algumas pessoas. Então, tem que se aguardar a investigação e espero que quanto mais rápido melhor. Eu tenho cobrado o procurador-geral.

P. Cobrado como?

R. Mandei requerimento pedindo para fazer logo meu depoimento. Também já botei meus sigilos há disposição.

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