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Peru vota neste domingo em meio a uma grande frustração

Apesar do crescimento, o país passa um grande mal-estar que explica o sucesso de Keiko Fujimori

Carlos E. Cué
Trabalhadores da Oficina Eleitoral do Peru preparam o material para as eleições.
Trabalhadores da Oficina Eleitoral do Peru preparam o material para as eleições.MARTIN BERNETTI (AFP)

A imagem que o mundo tem do Peru é a de um país de sucesso, com grande crescimento econômico nos últimos anos. Mas em Lima, o ar está carregado com uma enorme frustração com o sistema político, o que pode levar os cidadãos a eleger Keiko Fujimori, filha do arquiteto do autogolpe de 1992, Alberto Fujimori, hoje em dia preso. Já é certeza que ela estará no segundo turno, em 5 de junho, já que aparece em todas as pesquisas em primeiro lugar, com uma distância de 15 ou 20 pontos sobre o segundo. No entanto, tudo indica que não conseguirá vencer no primeiro turno. O Peru decide neste domingo quem passará para o segundo turno e tentará impedir a sua vitória. Se será o veterano Pedro Pablo Kuczynski (Peruanos pela Mudança, centro-direita) ou a grande novidade, a esquerdista Verónika Mendoza (Frente Ampla).

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O Peru é um país imprevisível. Depois de afundar nos anos 70 e 80, houve uma comoção com Alberto Fujimori em 1990. Destruiu os sistemas de partidos, reinventou as bases da democracia, ocupou todo o poder, e 25 anos depois, o país, e principalmente sua política, ainda não se recuperaram. Para uma parte dos peruanos, essa é uma história obscura, que não deve se repetir. Para outros, Fujimori foi o homem forte que visitou as zonas mais pobres e anotava em um caderninho as necessidades de cada um. Poucos dias depois, chegavam a lavadora, os sapatos, o material escolar, os consertos da rua e da escola. “Um populismo de direita eficaz”, explica o cientista político Martín Tanaka.

“O Peru estava afundado nos anos 1990. Desde 1968, o PIB per capita caía todos os anos. Havia por volta de 60% de pobreza [hoje, está em 24%]. Também havia o Sendero Luminoso [grupo de guerrilha]. Desde 1990, o crescimento foi sustentável. O sucesso do fujimorismo explica-se porque resta a lembrança dessa melhora”, afirma o economista Juan Mendoza. Desde que se conseguiu tirar Fujimori do poder e colocá-lo na prisão por corrupção e atentados contra os direitos humanos, o Peru teve quatro presidentes democráticos. A economia cresce, agora em uma velocidade mais lenta, mas os peruanos estão muito insatisfeitos. “O país vem de um empobrecimento enorme. Isso explica o crescimento. Mas precisa resolver muita coisa. Há muita corrupção. Houve muita impunidade. O Estado não é um provedor eficaz de serviços. Há 10 milhões de pessoas sem água potável ou rede de esgotos no Peru. A insegurança do cidadão cresce. Isso explica a insatisfação”, completa Mendoza.

Basta passear pelos arredores de Lima para se comprovar que esse crescimento peruano do qual o mundo inteiro fala não chegou a todos os lugares. Quando alguém se afasta dos bairros ricos, San Isidro, Miraflores, Barranco, com suas cercas elétricas nas casas para impedir a entrada de ladrões, a dura realidade latino-americana causa impacto: casas inacabadas de madeira e tijolo, barracos, pequenos ônibus lotados nos quais os trabalhadores viajam como gado. “O peruano está mais satisfeito como consumidor do que como cidadão. Nesses anos, conseguiu comprar uma televisão nova, mas quando perguntamos por saúde ou educação, tudo muda”, explica Hernán Chaparro, diretor da GFK, uma das principais empresas de pesquisa do país. Para ele, como para a maioria dos analistas, o problema real é que o Peru “nunca teve uma sociedade civil madura”. “Há muita corrupção e desespero. Os dados indicam que muitos dos que pedem um punho de ferro e apostam em Fujimori na verdade querem justiça, é uma demanda republicana frustrada”, explica Chaparro.

O Peru parece um país desconfiado, infeliz, inacabado. “Passamos todos esses anos sem ouvir a espada de Damocles dos golpes de Estado e parece que não acreditamos nisso. Continua a suspeita absoluta do outro”, diz Max Hernández, psicanalista, um dos intelectuais mais respeitados do país. Hernández acredita que o Peru continua marcado por suas ditaduras e é disso que vem a frustração. “Quando se vive muito tempo sem democracia, a democracia ganha contornos quase mágicos, mas ela simplesmente permite que os conflitos tramitem em meios não violentos. Temos uma grande história de desconfiança. O país não conseguiu transformar o que ainda é vivido como o trauma da conquista que divide a sociedade”, reflete.

“Há uma cultura democrática pobre no Peru, com atavismos [reaparecimento de características que não estavam presentes em gerações anteriores]. Buscamos o homem forte. Viemos disso, desde os incas, os vice-reis. Há uma inércia até que o líder messiânico coloque o país em ordem. Sempre foi assim. Por isso, há mais caudilhos que partidos políticos”, sentencia o escritor Jeremías Gamboa.

Um país desconcertante, que chegou a ter 20 candidatos presidenciais – restam 10 –, que tirou da corrida um deles que tinha 21% de projeção de voto, Julio Guzmán, e que viu outro, Gregorio Santos, em prisão preventiva por corrupção, sair do presídio para participar de um debate presidencial semana passada, com a polícia esperando-o à porta para levá-lo para dormir em sua cela novamente quando terminasse a discussão.

Nesse magma de surpresas, alguns milhares de votos decidirão neste domingo quem passa ao segundo turno com Keiko Fujimori, a grande favorita. Se for Verónika Mendoza, de 35 anos, uma mulher de Cusco que fala quíchua e tem sido uma grande revelação política, o debate será direita-esquerda e se centrará no modelo econômico. Se for Pedro Pablo Kuczynski, de 71 anos, que foi ministro da Economia com Alejandro Toledo e tem vínculos estreitos com os EUA, onde passou boa parte da sua vida, não se falará de economia, mas de Fujimori. As últimas pesquisas desta semana mostram um empate técnico entre os dois segundos colocados, por volta dos 20%, com Keiko à frente, mas abaixo dos 40% e bem longe dos 50% que precisaria para ganhar a eleição no primeiro turno. Em qualquer um dos casos, ela será a grande protagonista. O Peru decide se entrega o poder novamente para a sua família.

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