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O que alguns políticos, o PCC e a Cosa Nostra têm em comum? Uma offshore

Empresas em paraísos fiscais estão no coração do crime organizado transnacional, segundo especialistas

Protesto contra a lavagem de dinheiro em Viena.
Protesto contra a lavagem de dinheiro em Viena.CHRISTIAN BRUNA (EFE)
Gil Alessi

Existe um produto disponível no mercado financeiro global que coloca lado a lado traficantes internacionais de drogas, armas e pessoas, políticos e empresários. Oferecidas nos melhores paraísos fiscais ao redor do mundo, tratam-se das offshores, empresas abertas em países com poucas taxas e fiscalização. Ser titular de uma não quer dizer propriamente que se atua de maneira ilegal. Mas, as offshores permitem a entrada de empresas e negócios que vivem à margem da sociedade. Por isso, especialistas explicam que elas estão no coração do sistema global de lavagem de dinheiro e corrupção.

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Logo, se por um lado empresas são usadas dentro dos limites da lei, por oferecerem vantagens econômicas com relação ao pagamento de impostos e na aquisição de bens em outros países, por outro elas ajudam a costurar a logística criminosa de atividades ilícitas. Os tentáculos deste tipo de empresa dão a volta no globo.

Sem as offshores, a máfia Siciliana, conhecida como Cosa Nostra, não conseguiria lavar o dinheiro proveniente do comércio de heroína ou pagar seus fornecedores de droga na Ásia. Por sua vez, o Primeiro Comando da Capital não receberia os pagamentos da N’Drangheta (a máfia calabresa) por facilitar a chegada de cocaína da Bolívia aos mercados europeus via porto de Santos. Representantes do Cartel de Sinaloa, um dos mais sangrentos do México que tem como figura central o traficante El Chapo Guzmán, preso no ano passado, também precisam deste tipo de empresa para lavar o dinheiro do tráfico de cocaína e metanfetamina para os Estados Unidos. E não é só: a máfia russa, responsável pelo tráfico de mulheres das ex-repúblicas soviéticas que abastece o lucrativo mercado de prostituição na Europa, também depende das offshores para pagar propina às autoridades e aos sindicatos criminosos locais. E recentemente surgiram indícios de que até os piratas que agem na costa da Somália sequestrando navios cargueiros usam offshores operadas por banqueiros na Índia e em países do Oriente Médio para operar.

Sem uma empresa offshore aberta na Suíça ou no Panamá, Eduardo Cunha não conseguiria receber e esconder o dinheiro fruto do pagamento de propinas no esquema de corrupção da Petrobras, de acordo com a força-tarefa da operação Lava Jato. O parlamentar nega ser o titular das contas, apesar das autoridades suíças já terem divulgado documentos de abertura das empresas com sua assinatura. Empresas também recorrem a esse expediente para movimentar a roda de subornos longe dos olhares do fisco: de acordo com o Ministério Público Federal, a empreiteira Odebrecht mantinha várias offshores no exterior destinadas apenas ao pagamento de propinas para autoridades e diretores da Petrobras.

Jeffrey Robinson, especialista em crimes financeiros e autor do livro The Laundrymen (Os Lavadores, em tradução livre), explica que “o crime organizado transnacional age exatamente como uma empresa multinacional, utilizando a mesma infraestrutura global do mercado financeiro para resolver seus problemas corporativos”. Fazem parte desta cadeia de negócios escusos advogados, banqueiros, contadores e especialistas em criação de offshores. Algumas delas são estruturadas utilizando-se mecanismos complexos, com objetivo de tornar a identificação do seu real dono praticamente impossível. Nestes casos, um diretor de fachada que atua por procuração e geralmente é ligado à companhia responsável pela criação legal da empresa no paraíso fiscal (como a panamenha Mossack Fonseca, por exemplo), aparece como o responsável na documentação. Mas o verdadeiro dono da empresa é alguém que permanece nas sombras, e tem em seu poder as ações do empreendimento – única prova da titularidade da offshore.

Apesar das dezenas de exemplos de mau uso dessas empresas, de acordo com a legislação brasileira elas não são ilegais, desde que os recursos depositados no exterior sejam declarados à Receita Federal. Empresas de importação e exportação, com filiais em outros países e até famílias abastadas que querem menos burocracias para tratar de transmissão de heranças, por exemplo, são clientes de offshores. A compra de um imóvel no exterior pode exigir uma conta em offshore também.

Globalmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem cobrado de seus países membros a implementação de leis mais rígidas para coibir o uso de offshores pelo crime organizado e por corruptos. Entre as medidas propostas estão a adoção da política know your client (ou conheça seus clientes), mais transparência nas transações e a colaboração entre autoridades internacionais para troca de informações fiscais sobre os suspeitos. O acordo, do qual o Brasil é signatário, começa a valer nos segundo semestre de 2017.

Para o jurista Walter Maierovitch, também é preciso levar em conta o papel que as instituições financeiras “onshore”, ou seja, os grandes bancos legalmente estabelecidos, tem na lavagem de dinheiro e no uso de offshores. “Você vai verificar que se lava mais dinheiro nas instituições bancárias onshore do que fora, e além disso estes bancos também estão presentes offshore: muitas vezes o cérebro de uma operação está em um Banco do Brasil, por exemplo, mas as transações ocorrem em algum paraíso fiscal”, afirma. Em palestra para autoridades do setor de segurança pública em 2009, o escritor Misha Glenny, autor de McMáfia (Companhia das Letras) e especialista em crimes organizados globais, disse que “se os Governos querem fazer algo a respeito da evasão fiscal, crime organizado transnacional e lavagem de dinheiro, precisam se livrar das offshores”. De acordo com ele, "você não precisa dormir com prostitutas ou usar drogas para ter uma relação com o crime organizado: ele afeta nossas contas bancárias, fundos de pensão, comunicações e nosso Governo".

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