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Coluna
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As eleições como catarse coletiva

As eleições antecipadas poderiam, neste momento, aliviar tensões e até mesmo nos libertar dos nossos demônios interiores. O Brasil poderia voltar a respirar

Juan Arias
Manifestante contrária ao Governo Dilma protesta no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira.
Manifestante contrária ao Governo Dilma protesta no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira.CHRISTOPHE SIMON (AFP)

Começa a ganhar campo a ideia de que, diante da impossibilidade de continuar a governar um país tão importante e cada vez mais afundado em uma grave crise política, ética e econômica, Dilma Rousseff deveria convocar novas eleições.

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Hoje haveriam duas saídas. Uma seria jurídica, através do processo que corre pelo Tribunal Superior Eleitoral que questiona as contas de campanha da presidenta. A outra, seria por um processo político de iniciativa popular que pudesse pressionar o Congresso a convocar uma assembleia constituinte, por demandar uma emenda à constituição vigente. Essa, porém, seria uma ideia improvável, uma vez que os parlamentares teriam de votar um projeto que abreviaria inclusive o mandato deles, caso fossem convocadas novas eleições gerais.

Nesse caso, estaríamos diante de uma catarse coletiva. A sociedade brasileira está vivendo, com efeito, uma espécie de tragédia grega que tem galvanizado, dentro e fora do país, o interesse de estudiosos, chargistas e pessoas comuns por meio das redes sociais.

Em sua última coluna na Folha de S.Paulo, o humorista José Simão afirma, com ironia: “O Brasil precisa de uma intervenção psiquiátrica”. Aristóteles, em sua obra Poetica, analisa a catarse como uma purificação obtida por intermédio da representação teatral de uma tragédia.

As eleições antecipadas, com seu ritual de comparecimento às urnas para que os eleitores decidam com liberdade, soberanamente, poderia significar, neste momento de alta tensão política e emocional, esse espetáculo teatral de que falava Aristóteles, capaz de aliviar tensões acumuladas e até mesmo de nos libertar dos nossos demônios interiores.

Na psicanálise, a catarse pode se transformar em uma terapia que ajuda o paciente a entender melhor e controlar suas emoções. Nas tragédias gregas, o motivo de todas as desgraças era a hybris, o orgulho ilimitado que leva os mortais a se acharem superiores aos deuses.

Esse sentimento de superioridade, seja dos políticos, seja de seus seguidores, é o que tantas vezes leva a um embate de ideias em que cada um considera que a sua ideia é a melhor, quando não a única digna desse nome.

Daí a sensação de se estar vivendo uma guerra civil entre irmãos, que chega a opor membros de uma mesma família e ao confronto entre amigos de toda a vida.

É uma guerra de emoções na qual descarregamos, também, todo o peso dos nossos demônios interiores.

Psicólogos alertaram nos últimos dias para o risco e a dificuldade com que a sociedade brasileira estaria se deparando para resolver esse enfrentamento entre os seguidores de um ou outro líder ou partido político, cada vez mais agudo, sem que se veja uma saída capaz de derrubar os muros que estão sendo erguidos como trincheiras de guerra.

Se Dilma, diante das dificuldades que encontra para continuar governando, optasse por convocar eleições, estaria dando um exemplo de responsabilidade republicana

Essa saída poderia ser, sem dúvida, a realização de eleições antecipadas, que permitiriam que a sociedade fosse às urnas para escolher quem considera o melhor ou a melhor para, na expressão de Lula, colocar nos trilhos um “Brasil descarrilhado”.

Um movimento que se expressou nas ruas defende “Todos fora”, o que significa que os brasileiros não aceitam mais os políticos corruptos, de qualquer partido que seja.

As eleições seriam uma oportunidade para que a sociedade, unida, afaste da política aqueles personagens que, mesmo tendo dezenas de processos judiciais nas costas, acabam se eternizando no poder.

A política brasileira precisa de sangue novo. Se fosse dada à sociedade a chance de ir hoje às urnas, poderíamos estar diante de uma das eleições mais importantes de sua democracia.

A experiência mostra que nos momentos cruciais de crise e de risco de uma retração autoritária, a sociedade brasileira, como um todo, tem sabido responder com responsabilidade à altura de seus desafios.

Se Dilma, diante das dificuldades que encontra para continuar governando, optasse por convocar eleições, estaria dando um exemplo de responsabilidade republicana e de amor pelo país. O Brasil poderia voltar a respirar. E a sociedade, mais uma vez unida e pacificada, por meio dessa catarse coletiva, poderia começar a vislumbrar horizontes menos ameaçadores. Tudo será melhor do que a sociedade continuar travada por essa luta inútil e perigosa de “uns contra os outros”, que não deixará outra coisa que não feridas difíceis de cicatrizar.

A responsabilidade maior, em todas as tragédias, é de quem detém a maior parcela de poder. Os romanos já diziam: “Corruptio optimi, pessima est”. A pior corrupção é a daqueles que sempre acham estar acima dos demais.

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