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Coluna
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Um Brasil à deriva

Dilma Rousseff não está em condições de governar. Mas encontrar um esquema de substituição capaz de restaurar a estabilidade é um problema de difícil solução

Carlos Pagni
Dilma Rousseff, dia 1 de abril.
Dilma Rousseff, dia 1 de abril.Andressa Anholete (AFP)
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O Brasil é hoje um navio à deriva. Falta uma âncora ao poder: a legitimidade. Apesar de ter ganhado as eleições 17 meses atrás, Dilma Rousseff não está hoje em condições de governar. Mas encontrar um esquema de substituição capaz de restaurar a estabilidade é um problema de difícil solução.

Rousseff não pode administrar o país. Sobretudo desde terça-feira passada, quando o PMDB, o partido com mais deputados no Congresso, rompeu sua aliança com o PT. O líder do PMDB é Michel Temer, o vice-presidente do Brasil. Temer, às sombras, está montando seu gabinete. Calcula que assumiria em maio, com o compromisso de não se candidatar em 2018. A incógnita principal é quem será o ministro da Fazenda. O nome mais recorrente é Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central com Lula da Silva. Mas Meirelles procede do sistema financeiro e ameaça impor uma política ortodoxa. São dois inconvenientes. O sucessor de Rousseff deve demonstrar que não veio para ajustar os programas sociais do PT.

Temer busca o número mágico do impeachment. Para substituir Dilma, precisa dos votos de 342 dos 513 deputados que integram a Câmara. O governo teria 130 assegurados. A oposição, 310, dos quais 261 já manifestam seu apoio a Temer. O partido depende, então, de 70 indecisos. O PT oferece trocar votos por cargos num futuro gabinete. O desespero aumenta o desprestígio. Ainda por cima, Lula já não está mais disponível para compor esse consenso. Cada vez menos gente aceita suas ligações, por temor de que a conversa esteja sendo gravada por um juiz.

Dilma denuncia um golpe. O argumento pode ser um álibi. Ou uma regressão ao guevarismo da sua adolescência, para o qual a liturgia parlamentar é uma patranha da classe dominante. Ela aproveita que está sendo julgada por ter manipulado a contabilidade fiscal – uma prática que é difícil de apresentar como um crime a uma opinião pública acostumada à eterna má gestão das contas do Estado. É sua única vantagem.

As ruas não atribuem a saída de Rousseff a formalidades de tesouraria. Entendem que a derrubam por ser inepta. Ou corrupta. As notícias continuam alimentando essa percepção. Enquanto o PT procura reter lealdades no Congresso, Otávio Pessoa, ex-gerente Petrobras nos EUA, revelou que mandou avisar Dilma sobre o escandaloso superfaturamento de uma refinaria em Pasadena, na época em que ela presidia o Conselho de Administração da companhia.

Na sexta-feira passada, a Operação Lava Jato produziu nefastas novidades. Foram detidos o ex-secretário do PT Silvio Pereira, conhecido como Silvio Land Rover por causa de um veículo que aceitou como presente de uma empresa, e o ex-tesoureiro partidário Delúbio Soares. Pereira foi acusado em 2005 de ser o gerente da distribuição de subornos do governo Lula no Senado, o famoso Mensalão. Soares, que foi duas vezes chefe de campanha de Lula, foi condenado em consequência desse escândalo.

Agora, Pereira e Soares são acusados de cobrar um suborno cujo valor teria sido embolsado por Ronan Maria Pinto, um empresário do transporte e dos meios de comunicação em Santo André, na Grande São Paulo. Ronan Pinto, que também foi preso, teria recebido para evitar a divulgação de detalhes sobre a morte de Celso Daniel, prefeito de Santo André assassinado em 2002. A deplorável saga do PT vai passando das fraudes financeiras para os crimes de sangue.

Como se os tribunais brasileiros não fossem uma fonte suficiente de infortúnios, durante o fim de semana surgiram os 'Panama Papers'. Lá figuram duas centenas de sociedades offshore que poderiam ter vinculação com a lavagem de dinheiro dos subornos da Petrobras.

Dilma corre dois riscos. O mais óbvio é ser derrubada pelo impeachment. O outro é ganhar a votação. Teria então de governar com uma minoria legislativa e com 80% da opinião pública que consideram que ela deveria sair.

Para a oposição, também seria um desafio complicado. Ela teria de se concentrar numa ação que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, na qual se investiga se a última campanha eleitoral de Rousseff foi financiada com doações ilegais. O problema é que esse delito também tiraria Temer do poder. O Governo ficaria nas mãos de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, um dirigente do PMDB que está envolvido no escândalo da Petrobras.

As principais entidades empresariais pedem o impeachment. Argumentam que Rousseff não conseguirá recompor as condições de governabilidade. Mas seria isso possível num Governo presidido por Temer, organizado ao redor do PMDB e saído de um Congresso no qual dezenas de legisladores estão sendo investigados por corrupção? Eis aí o paradoxo: para que o poder no Brasil encontre a âncora da legitimidade, seria necessária uma eleição antecipada. Mas a chave dessa eleição está nas mãos de Dilma Rousseff. É a sua renúncia. Ela se nega a apresentá-la: “Pedem-me isso os que querem lavar a culpa de me remover com um método ilegítimo”, defende-se. Por este labirinto circular navega o barco do Brasil.

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