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Após deslizes de Moro, STF redobra cuidados com a Lava Jato

Magistrados revelam preocupação para que operação não seja prejudicada por ultrapassar limites legais

O ministro Teori Zavascki no último dia 31.
O ministro Teori Zavascki no último dia 31.Andressa Anholete (AFP)

Um atento espectador que acompanhou a sessão da última quinta-feira do Supremo Tribunal Federal poderia imaginar que estava assistindo a uma aula de filosofia. Primeiro, coube ao advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, recorrer o filósofo francês Montesquieu: “Só o poder limita o poder e até a virtude precisa de limites”. Depois, foi o decano da Corte, Celso de Mello, quem citou o filósofo e político romano Cícero: “Somos todos servos da lei. Para que livres possamos ser”.

As duas citações que perpassam por mais de dois milênios da História transcendiam as razões daquela sessão, marcada para decidir qual foro deveria julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas alertavam sobre os cuidados que os operadores do direito precisam ter daqui para frente com os rumos da operação Lava Jato. O recado foi dado principalmente ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o responsável por julgar essa midiática e relevante operação anticorrupção que já recuperou 570 milhões de reais que teriam sido pagos como propina no esquema de desvio de recursos da Petrobras. Neste momento, policiais e procuradores investigam nessa ação 51 políticos com foro privilegiado, além de dezenas de empreiteiros, empresários, doleiros e lobistas.

Uma série de puxões de orelha no magistrado começou com uma decisão do discretíssimo ministro Teori Zavascki, o relator da mesma operação na Suprema Corte. Em ao menos duas ocasiões ele alterou decisões de Moro que não teria respeitado a prerrogativa de foro de alguns dos investigados. A primeira delas foi em outubro do ano passado no caso de suspeita de pagamentos de propinas na Eletronuclear, caso que é um dos desdobramentos da Lava Jato. Neste processo, um dos suspeitos de irregularidades é o senador e ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). “A simples menção de envolvimento de qualquer agente político nos fatos delituosos apontados já seria robusto indicativo para alteração da competência”, afirmou o ministro em seu despacho.

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A segunda “dura” dada por Zavascki em Moro foi no caso em que uma interceptação telefônica flagrou Lula conversando com a presidenta Dilma Rousseff (PT). Tanto o senador Lobão como a presidenta gozam de foro especial devido aos cargos que ocupam. Por essa razão, só poderiam ser investigados pelo STF. “Temos que investigar, sim. Temos que processar, sim. Mas temos de fazer isso dentro da Constituição, que assegura o devido processo legal, com o amplo direito de defesa, com os recursos pertinentes. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal”, ponderou Zavascki na quinta-feira.

O temor da Corte é que todo o trabalho de Moro – elogiado até por quem é indiretamente afetado por ele, como o advogado-geral da União – se perca por conta de erros processuais ou pelo afobamento em tomar algumas decisões. “O dever de proteção representa um encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode abdicar. Mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas”, assinalou Celso de Mello no mesmo julgamento do caso Lula. No limite, se houver excessos, a própria Lava Jato pode ser questionada por um exército de advogados bem pagos que hoje defendem empresários e políticos, e Moro acabaria jogando contra a própria operação. Foi o que aconteceu com a operação Satiagraha (de 2008), que investigaram o banqueiro Daniel Dantas, e com a operação Castelo de Areia (de 2009), que investigava corrupção da empreiteira Camargo Corrêa, foram paralisadas por incorrer em excessos, conforme a leitura do próprio Supremo.

O próprio juiz admitiu, recentemente, que errou e pediu desculpas ao tribunal. Os “escorregões” de Moro resultaram em dois movimentos que podem mexer com o Judiciário brasileiro. O primeiro é aumento da pressão política. De um lado, Zavascki foi hostilizado por movimentos pró-impeachment da presidenta. Do outro lado, deputados do PT e do PCdoB aliados ao Governo Rousseff apresentaram nesta sexta-feira uma representação contra Moro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo que fosse punido pelos seus erros. Não há prazo para qualquer definição, mas, conforme o EL PAÍS apurou junto a pessoas com trânsito no CNJ, dificilmente a reclamação vai prosperar porque não querem que toda a Lava Jato seja desconsiderada.

O segundo movimento é o julgamento de uma proposta de súmula vinculante no STF assinada pelo presidente da Corte, Ricardo Lewandovski, e que prevê um maior rigor na investigação de autoridades. Diz o texto sugerido para a súmula: “surgindo indícios do envolvimento de autoridade que tenha prerrogativa de foro, a investigação ou ação penal em curso deverá ser imediatamente remetida ao Tribunal competente para as providências cabíveis”. Como precedente, o ministro cita 11 decisões que seguiram nessa mesma linha.

Segundo Lewandovski, essa súmula, que tem o poder de interferir em todos os casos envolvendo políticos com foro privilegiado, serviria para conter os “múltiplos abusos de juízes de primeiro grau”. Uma curiosidade é que ela começou a ser julgada em novembro do ano passado, mas não teve andamento porque o próprio relator da Lava Jato, Zavascki, pediu vistas do processo e ainda não o liberou para retornar à pauta do STF.

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