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Sebastián Piñera: “As reformas de Bachelet foram um erro”

Ex-presidente chileno não descarta se candidatar a um novo mandato. “Decidirei no ano que vem”

Cecilia Ballesteros
Sebastián Piñera, ontem em Madri.
Sebastián Piñera, ontem em Madri.Samuel Sánchez

O ex-presidente chileno Sebastián Piñera (Santiago, 1949), em visita a Madri para, entre outros compromissos, participar de uma homenagem a Mario Vargas Llosa por seu 80º aniversário, repassa a situação atual na América Latina. Entre brincadeiras e declarações sérias, o empresário e político de centro-direita não descarta se candidatar novamente à presidência, e, apesar de criticar a sua sucessora, Michelle Bachelet, manifesta “esperança” quanto ao futuro do Chile.

Pergunta. O ciclone Obama acaba de passar por Cuba e pela Argentina. Que leitura faz da visita dele à região?

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Resposta. O presidente Obama está inovando na relação entre os Estados Unidos e a América Latina, com muita força e vontade. Pena que já no final do seu mandato, mas eu diria que a região está passando por um momento muito difícil. Na segunda década deste século, a América Latina entrou novamente em crise, e é neste contexto que essa visita deveria ser vista. Acredito que os cubanos colocam toda a ênfase em suspender o bloqueio econômico, mas há outra coisa igualmente importante, e talvez ainda mais: que Cuba recupere a sua liberdade, seu Estado de direito, os direitos humanos, e até agora eles não avançaram praticamente nada rumo a uma verdadeira democracia. Com relação à Argentina, acredito que o peronismo, que foi um movimento muito popular, acabou empobrecendo o país. Sinto que o Governo de Mauricio Macri representa uma grande esperança de mudança e de que a Argentina afinal recupere o caminho do progresso e do bem-estar.

P. O Brasil vive uma crise política e econômica, além de uma contínua espiral de escândalos. Como vê a situação?

R. O Brasil vive uma crise total, política, econômica, moral e social. Política porque hoje em dia o Brasil não tem Governo, a presidenta Dilma Rousseff está preocupada essencialmente em que não a destituam, e o ex-presidente Lula está preocupado em não ir para a cadeia. Em segundo lugar, uma tremenda crise econômica, e, em terceiro lugar, uma tremenda crise social – o grau de descontentamento e de violência nas ruas do Brasil é gigantesco –, e finalmente uma grande crise moral, com toda esta corrupção… O fato de terem aproveitado a Petrobras como caixa de pagamentos para favores políticos… A crise vinha sendo incubada desde o segundo Governo de Lula e o primeiro de Rousseff. A única coisa que o Brasil fez foi acumular desequilíbrios, viver além dos seus meios. Agora os desequilíbrios passaram a fatura.

P. Que evolução vê no caso venezuelano?

R. Se o caso brasileiro é difícil, sombrio e complexo, o da Venezuela é simplesmente desesperador e desesperado. Durante o boom petroleiro, a Venezuela arrecadava mais de 100 bilhões de dólares por ano com o petróleo. Deveria ter aproveitado esses 10 anos de bonança para se industrializar, construir infraestrutura, criar as bases do desenvolvimento. E, entretanto, os Governos de Chávez e Maduro atrapalharam isso com uma irresponsabilidade e uma demagogia gigantescas. A crise é quase terminal porque há uma crise política, uma falta de respeito pela separação de poderes e pelos direitos humanos, caos, presos políticos. Pelo terceiro ano, está em recessão, e provavelmente às portas de um default da sua dívida externa. E, no aspecto social, o desabastecimento, a angústia da população, a violência, a insegurança…

P. Também parece que o modelo chileno está em crise.

R. Desde que o Chile recuperou a democracia, tivemos 23 anos extraordinariamente luminosos. O país não só recuperou sua democracia de forma exemplar, como também nesse período conseguiu passar do sétimo para o primeiro lugar na América Latina em termos de renda per capita. Até 2014 conseguimos reduzir a pobreza de 40% para 8%, passamos de ser um país de classe muito precária a um de classe média, temos tratados de livre comércio com Europa, Estados Unidos, China, Índia, Japão e Coreia [do Sul]. Entretanto, por alguma razão o Governo de Michelle Bachelet decidiu fazer uma mudança de rumo. Começou a implementar um conjunto de reformas tributárias, trabalhistas, educacionais, e agora a constitucional, baseadas em uma ideologia socialista. Parece-me um tremendo erro, e os resultados de dois anos estão à vista: a taxa de crescimento se reduziu a menos da metade, a capacidade de geração de emprego e de melhora dos salários diminuiu a menos da metade, o investimento e a produtividade estão caindo, temos graves problemas de segurança pública e saúde. Quando terminou o Governo que eu presidi, quatro de cada cinco chilenos achavam que o Chile estava num bom caminho; hoje, quatro de cada cinco acham que vai num mau caminho. Estou absolutamente convencido de que ainda estamos a tempo de corrigir erros e recuperar o rumo.

P. Há quem diga que o Chile poderia ser terreno fértil para um fenômeno similar ao Podemos espanhol...

R. Não acredito. A democracia chilena sempre se baseou em partidos políticos sérios, sólidos. Agora, é óbvio que o populismo é um risco que sempre está latente.

P. Tampouco o Chile se salvou da corrupção…

R. Houve, mas eu diria que, somando e subtraindo, continua sendo um país probo e honesto.

P. Descarta completamente disputar as eleições de 2017?

R. Não está nos meus planos hoje em dia, mas essa é uma decisão que eu terei que tomar no ano que vem, não neste.

P. Então não descarta?

R. Na vida não se pode descartar nada, as pessoas precisam estar abertas e dispostas a avaliar. Neste ano há também eleições municipais, depois virá a época das eleições parlamentares e presidenciais. Não é o momento oportuno nem conveniente para começar a pensar em candidaturas presidenciais.

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