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A cultura se compromete com os refugiados

Vários projetos artísticos dão um grito de alarme sobre a crise dos migrantes

Álex Vicente
O artista Ai Weiwei (à direita) assiste à apresentação de piano da síria Nour Al Khizam no campo de refugiados situado na fronteira da Grécia com a Macedônia em 12 de março.
O artista Ai Weiwei (à direita) assiste à apresentação de piano da síria Nour Al Khizam no campo de refugiados situado na fronteira da Grécia com a Macedônia em 12 de março.Yannis Kolesidis (EFE)

Na entrada do ateliê berlinense de Olafur Eliasson, uma antiga cervejaria na fronteira norte do centro da cidade, brilha uma poderosa luz verde. Ela vem da luminária Green Light, que o artista dinamarquês projetou em solidariedade aos refugiados que atravessam a Europa. “É uma luz metafórica. Meu projeto visa iniciar um processo de transformação cívica”, afirma Eliasson. A partir deste fim de semana, a luminária é vendida por 300 euros (cerca de 1.220 reais) no TBA21, o centro de arte contemporânea que a Fundação Thyssen Bornemisza tem em Viena, que convidou os próprios refugiados a entrar no museu. Os lucros irão para organizações como Cruz Vermelha e Cáritas. “Para mim, a cultura não é um anexo supérfluo, mas o centro da sociedade. E, como tal, deve adotar um papel ativo”, diz o artista.

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É apenas o mais recente de vários projetos que os artistas europeus lançaram para apoiar a causa. Na Alemanha, onde o debate continua onipresente diante da chegada de um milhão de requerentes de asilo, os criadores se fazem especialmente notar. O artista chinês Ai Weiwei, radicado em Berlim desde que o regime devolveu seu passaporte, foi o mais obstinado em sua denúncia. Abriu um estúdio em Lesbos, onde quer desenvolver vários projetos que atestem essa crise, além de erguer um memorial “para suscitar uma tomada de consciência”, e depois organizou uma marcha em Londres com seu amigo Anish Kapoor, exigindo “respostas humanas e não apenas políticas”.

Mas Ai Weiwei também foi o nome mais criticado. Pouco depois de sua polêmica reprodução da fotografia do menino sírio Aylan, ele voltou a provocar escândalo na cerimônia do Cinema for Peace, que aconteceu durante a última Berlinale. O artista subiu ao palco e pediu ao público para se cobrir com cobertores térmicos para fazer uma foto coletiva. Na plateia estavam a atriz Charlize Theron e as integrantes do grupo Pussy Riot. “Esse é o cobertor com o qual algumas pessoas se cobrem antes de morrer. São dados aos ricos que os colocam sobre seus smokings enquanto comem seu jantar de cinco pratos. É a imagem mais obscena de todo o festival”, denunciou o diretor da Berlinale, Dieter Kosslick. O próprio evento se viu impregnado pelo clima social e político. Muitos dos filmes apresentados falavam dessa crise ou permitiam encontrar subtextos relacionados a ela. No final, pareceu lógico que ganhador do Urso de Ouro fosse o documentário italiano Fuocoammare, filmado na ilha de Lampedusa, porta de entrada de milhares de refugiados ao continente europeu.

Alguns quilômetros a leste, o Teatro Gorki continua a representar The Situation, uma peça de sucesso protagonizada por cinco atores recém-chegados a Berlim que estão em um curso de alemão: um sírio, dois palestinos e dois israelenses –um árabe e outro judeu. Também na capital alemã, a Filarmônica de Berlim fez na semana passada um concerto gratuito para os refugiados e os voluntários que trabalham com eles.

Homem cobre com uma prancha de madeira o grafite de Banksy diante da Embaixada de França em Londres.
Homem cobre com uma prancha de madeira o grafite de Banksy diante da Embaixada de França em Londres.Yui Mok (AP)

Iniciativas semelhantes se multiplicam em todo o continente. No Reino Unido, Banksy multiplicou os gritos de alarme. Durante o outono, cedeu o material que usou para construir o parque de diversões Dismaland para erguer várias barracas e abrigos na chamada selva de Calais. Depois, dedicou uma de suas obras a Cosette, a menina explorada que é salva por Jean Valjean em Os Miseráveis. Só que dessa vez ela aparecia envolta em gás lacrimogêneo, em referência à intervenção da polícia francesa no campo de refugiados no início do ano. No final de fevereiro, também passou por lá o ator Jude Law. “Eu queria ver isso com meus próprios olhos”, disse Law, membro de uma plataforma que apadrinha crianças que vivem sozinhas no campo de refugiados esperando poder se reencontrar com seus familiares no Reino Unido, ao lado de personalidades como o ator Benedict Cumberbatch ou o músico Brian Eno.

Na França, 800 artistas e escritores liderados pelos cineastas Laurent Cantet, Pascale Ferran e Céline Sciamma lançaram há quatro meses uma petição instando as autoridades a encontrar uma solução. Na segunda-feira, publicaram um segundo texto no jornal Libération, dirigido ao Governo francês, que começou a desmantelar o acampamento de Calais. “Não existe outra solução a não ser constatar que nosso chamamento fracassou. Tentamos nos fazer ouvir e vocês permaneceram surdos. Pior ainda: usaram a força. O fracasso é total”, dizia o texto.

Nessa cidade do norte da França, a artista Annette Messager, grande figura da arte contemporânea francesa, que nasceu a poucos quilômetros da selva, acaba de inaugurar uma exposição no Museu de Belas Artes de Calais. Nela ressoam ecos do que acontece no exterior. “Todo artista está fazendo a mesma pergunta: como fazer arte em Calais? O que dizer, o que fazer, o que ensinar diante desse naufrágio?”, pergunta Messager. “Essa é minha resposta: fazer entrar o abatimento do mundo no museu. Expor em Nova York é fácil. Em Calais, não. E é precisamente aqui onde a cultura é mais necessária”.

Refugiados que mudaram a arte

O ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) juntou-se à mobilização publicando uma lista de 200 refugiados célebres. Nela figuram artistas e escritores como:

- O pintor Marc Chagall, que escapou dos bolcheviques e dos nazistas, e viveu na França e nos Estados Unidos.

- O compositor Béla Bartók, que deixou sua Hungria natal em 1940 e residiu nos Estados Unidos.

- O escritor Chinua Achebe, que fugiu da guerra civil na Biafra e lecionou em universidades norte-americanas.

- O fotógrafo Robert Capa, que fugiu de sua Hungria natal aos 17 anos, escapando do regime fascista do almirante Horthy, e viveu em Berlim e Paris.

- A atriz Marlene Dietrich, que fugiu do regime de Hitler e obteve a nacionalidade norte-americana.

- O pintor Lucian Freud, que chegou a Londres em 1933 fugindo da perseguição nazista.

- O músico Freddie Mercury, que deixou a ilha de Zanzibar em 1964 durante a revolução.

- A escritora Isabel Allende, que deixou o Chile depois do golpe de Pinochet e do assassinato de seu tio, Salvador Allende. Exilou-se na Venezuela e, em seguida, na Califórnia.

- O dramaturgo Tom Stoppard, que deixou a Tchecoslováquia depois da ocupação quando era menino, em direção ao Reino Unido.

- A cantora M.I.A., que fugiu com a família da guerra civil no Sri Lanka para se estabelecer em Londres.

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