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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Considerações em torno do tema da corrupção

A corrupção não é privilégio de país algum, ou de região alguma. Nos dias atuais é mais freqüente, porém, em países menos desenvolvidos do que em países desenvolvidos

Manifestante durante ato contra o Governo Dilma Rousseff, neste domingo em Brasília.
Manifestante durante ato contra o Governo Dilma Rousseff, neste domingo em Brasília.UESLEI MARCELINO (REUTERS)
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O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente. A História está repleta de exemplos que comprovam a famosa máxima enunciada pelo Historiador britânico Lord Acton.

A corrupção não é privilégio de país algum, ou de região alguma. Nos dias atuais é mais frequente, porém, em países menos desenvolvidos do que em países desenvolvidos. Estes dispõem de estruturas de controle mais eficazes e são capazes de reagir mais prontamente em casos de ação fraudulenta ou corrupção de agentes governamentais. Aqueles, frequentemente dirigidos por políticos menos ilustrados ou menos convencidos da imperatividade absoluta da honestidade ou, ainda, menos habilitados em termos de instituições administrativas, policiais e penais, estão mais sujeitos a atividades de corrupção por parte de políticos que se creem acima da lei, de dirigentes de empresas públicas e de empresários com interesses em grandes contratos públicos.

A leniência com a corrupção (ou mesmo a corrupção ativa) é muitas vezes "justificada" por objetivos ideológicos. Os fins justificariam os meios. Em nome de um projeto político, rouba-se para fortalecer a caixa do Partido no poder em cumplicidade com empresas públicas ou privadas prestadoras de serviços. E o que é ainda mais danoso, administrando as empresas estatais com objetivos partidários. E, no caminho, dirigentes políticos guardam uns "trocados" ou utilizam-se de favores, "porque ninguém é de ferro e cada qual deve precaver-se para assegurar o futuro da sua família".

Daí a importância, sobretudo em países não tão dispostos ou adequadamente preparados para prevenir e punir casos de corrupção, de que os mandatos sejam curtos, e de reeleição limitada. E, sobretudo, que sejam fiscalizadas mais diretamente e em tempo real as condições de financiamento das campanhas políticas, fator comumente associado às práticas de corrupção em muitos países do mundo.

A tentação é grande. E os dirigentes, habituados ao prolongado exercício do poder, passam a acreditar que tudo lhes é devido: "o que é uma bobagem de um favor empresarial, diante de tudo o que eu fiz ou estou fazendo pelo meu povo?". E o povo, frequentemente alheio ao que se passa pelos desvãos do poder, resigna-se: "todo mundo rouba. Este rouba também. Mas pelo menos faz! Rouba só dos ricos e me protege!"

São muitos os casos conhecidos na História. Lembremo-nos de tres. O primeiro na Roma antiga, senatorial: Catilina, tão fustigado pelo grande Cícero. Nomeado Governador na África, rouba tanto que ao retornar é processado. Faz suas tramóias ao abrigo das instituições ainda imperfeitas de Roma. Batido por Cícero nas eleições para Cônsul em 63 e 62 (AC), só lhe resta a conspiração. Acaba morto em Pistóia. Não sem antes ouvir a conhecida exortação de Cícero em suas célebres Catilinárias: "Até quando Catilina abusarás de nossa paciência?".

A leniência com a corrupção é muitas vezes "justificada" por objetivos ideológicos. Os fins justificariam os meios

Outro caso famoso de corrupção deu-se na França do Século XVII, sob Luis XIV. Oriundo de uma família plebéia, o Intendente Fouquet galgou os degraus da Corte até tornar-se Procurador-Geral do Parlamento e Superintendente de Finanças. Os tempos eram difíceis. Fouquet precaveu-se e compactuou com práticas ilícitas. Com sua mulher, na propriedade de Fontainebleau, recebia os meios financeiros e artísticos da França. Queria por força ser Primeiro Ministro. De trambique em trambique, acumulou uma grande fortuna. Construiu um suntuoso castelo em Vaux le Vicomte, muito acima do que seria possível esperar de uma pessoa sem título de nobreza. Achando-se à prova de qualquer acusação, cometeu o erro de convidar o Rei para a inauguração do seu novo castelo.

Dias depois, convencido das tramóias de Fouquet e invejoso da sua ostentação, o Rei mandou-o para a cadeia. Posto em julgamento, Fouquet defendeu-se acusando seus acusadores. Não teve êxito. Morreu esquecido anos depois.

Na História do Brasil, o caso mais trágico foi o que vitimou Getúlio Vargas. Cercado pelo que se denominava então de "mar de lama", Getúlio não viu remédio senão suicidar-se. Não tinha como controlar a corrupção e o abuso de poder que se formara à sua volta.

Outros casos semelhantes ocorreram, ocorrem e ocorrerão mundo afora. A motivação é quase sempre a mesma. Até que a ambição e a ostentação assumam proporções exageradas e o corrupto caia. A defesa costuma ser a de acusar os outros de crimes iguais ou piores.

Hoje não temos monarcas absolutos. É à justiça que compete zelar pela observância das leis. É às autoridades policiais que compete fazê-las efetivas.

Mas no Brasil, como em muitos países do mundo, é muitas vezes difícil que algum homem público se sinta capaz de atirar a primeira pedra. Cada qual tem seus próprios esqueletos nos seus armários. Os processos são normalmente lentos. As instâncias se sucedem e a corrupção permanece. Tão antiga quanto a Humanidade. O importante é não ceder a impulsos de tolerância. Toda corrupção deve ser combatida, desmascarada e punida peremptoriamente. Sem tréguas. Venha de onde vier.

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