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Coluna
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À espera do ‘milagre’ de março

Que neste domingo o Brasil seja o país privilegiado que nunca sofreu uma guerra civil entre irmãos

Juan Arias
Manifestantes contrários ao Governo petista protestam em frente ao Palácio do Planalto, no dia 4 de março.
Manifestantes contrários ao Governo petista protestam em frente ao Palácio do Planalto, no dia 4 de março. ANDRESSA ANHOLETE (AFP)

Março é o mês dedicado ao deus mitológico da guerra. O milagre deste março brasileiro seria conseguir que se desenvolva, sem violência, a anunciada manifestação nacional de protesto contra o Governo do dia 13.

Uma manifestação deveria se tornar uma festa da cidadania para que as crianças lembrem quando forem adultas que a paz não se impõe ou se concede, é conquistada.

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Quando eu tinha cinco anos, em plena a Guerra Civil Espanhola (que deixou um milhão de mortos), minha mãe fechava as venezianas da casa que davam para a estrada para que eu não visse as execuções sumárias de comunistas ou nacionalistas.

Eu vivi na ditadura até meus 40 anos. Não sabia o que era votar, e menos ainda o que era a liberdade. Já jornalista, meus artigos passavam por um censor do Governo espanhol que às vezes ficava no jornal.

Talvez por isso eu deseje para os brasileiros esse milagre de março para que este país não volte a sofrer sobressaltos autoritários. E para que continue mantendo a liberdade de se informar e se expressar. Todos os ditadores odeiam os meios de comunicação.

Os brasileiros demoraram a se indignar com o poder corrupto, mas quando o fizeram, como nas últimas manifestações de protesto no ano passado, sempre deram um exemplo de democracia, sem que a violência roçasse as manifestações, nas quais ofereceram flores à polícia em vez de pontapés.

Desde então, a multiplicação dos rios da corrupção política e administrativa e a entrada abrupta de Luiz Inácio Lula da Silva na operação anticorrupção Lava Jato fez com que a temperatura social se exacerbasse.

Hoje existe incerteza e preocupação de que a manifestação de domingo possa se turvar com violência entre grupos a favor ou contra o Governo da presidenta Dilma Rousseff, ou de Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT).

Hoje existe a preocupação de que a manifestação de domingo possa se turvar com violência entre grupos a favor ou contra o Governo Dilma

Meu medo é o que os psicólogos chamam de “profecia autorrealizável”. Essa profecia antecipada de que a manifestação será manchada pela violência. Esse alerta foi feito até pelos militares que hoje, felizmente, se movimentam na democracia.

Como romper essa profecia? Protestando com gestos criativos, mas sem sangue. Exigindo um país menos corrupto, com políticos mais dignos, mas sem ódios. Um protesto do qual possam participar sem perigo crianças e adultos, juntos.

Preparem cartazes e flores como únicas armas.

É verdade que não existem manifestações inocentes. Qualquer protesto político ou social é um gesto de rebeldia. Mas ao longo da história, sempre houve quem conseguisse quebrar os clichês para apostar no impossível: defender as liberdades e as próprias ideias sem se render à violência.

Eles nos lembram todos aqueles que lutaram e morreram no mundo apostando pela paz como a melhor arma contra a tirania. Como Gandhi, na Índia, em favor dos párias; Martin Luther King, nos Estados Unidos, em sua cruzada pela igualdade entre brancos e negros, ou Nelson Mandela na África do Sul, combatendo com o perdão a violência do apartheid.

Como fizeram os jovens universitários pacifistas na China, desafiando sem armas os tanques de guerra contra os quais jogavam flores. Ou os revolucionários do maio francês que proclamavam: “Seja realista, exija o impossível”. O impossível era o protesto sem violência.

Como romper essa profecia? Exigindo um país menos corrupto, com políticos mais dignos, mas sem ódios

Há um ditado que diz: “Quem semeia ventos colhe tempestades”. Melhor não provocar a fera do ódio ou do nós contra eles. A responsabilidade é sempre de quem atiça o fogo.

Hoje somos melhores do que ontem. Poucos já se orgulham das guerras. Pais e mães de família já não se sentem, como antes, felizes de ver seus filhos ganharem medalhas nas batalhas.

Que no domingo o Brasil seja apenas o Brasil, esse país que teve a sorte de nunca ter sofrido uma guerra civil entre irmãos.

Eu a vivi e a sofri. Sei o que dói e como suas sombras me perseguiram sempre.

Feliz protesto brasileiro do março guerreiro, sem violências nem vinganças!

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