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Morre Naná Vasconcelos, mito brasileiro da percussão

Percussionista, que gravou com Miles Davis tocando berimbau, morreu de câncer em Recife aos 71 anos

O percussionista Naná Vasconcelos em janeiro deste ano.
O percussionista Naná Vasconcelos em janeiro deste ano.Alan Torres/PCR
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Morreu nesta quarta-feira, 9 de março, o percussionista Naná Vasconcelos, aos 71 anos, vítima de um câncer no pulmão. O músico pernambucano estava internado na UTI desde a semana passada em um hospital do Recife, onde sofreu por volta de 8h uma parada respiratória após complicações da doença.

Depois de diagnosticar o câncer em 2015, Naná fez pesados tratamentos de radioterapia e de quimioterapia. Depois das primeiras sessões, gravou um vídeo com uma mensagem poética sobre seu estado de saúde:

Estou com a cabeça plena de vidaO pensamento cheio de músicasMântricas, místicasPopular, eruditaE uma imensa correnteDe miscigenação, de féQue vem de diferentes ramificações religiosasDo bem, para o bemAmémAmei

Poesia era o que o Juvenal de Holanda Vasconcelos – apelidado de “Naná” pela avó – fazia. Com sua morte, o mundo se despede de um mito brasileiro da percussão, reconhecido internacionalmente como um dos maiores do jazz. Ele gravou com ícones do gênero, incluindo Miles Davis, Art Blakey, Tony Williams, Don Cherry e Oliver Nelson. O melhor? Usava instrumentos de percussão puramente nacionais, como o berimbau e a queixada de burro. “Eu e Airton Moreira, outro percussionista, introduzimos a percussão no jazz, que não tinha. Tinha o latin jazz. Quando nós, brasileiros, entramos na roda, bagunçou todo o coreto. Era pinico, caçarola, apito, grito... Isso mudou. Todo mundo queria os 'brazilian boys”, relatou ao Diário de Pernambuco.

No Brasil, são incontáveis os seus trabalhos de peso. No começo da carreira, tocou em apresentações de Gilberto Gil e Gal Costa. Mais adiante, no Rio de Janeiro, gravou dois discos com Milton Nascimento. Participou também de álbuns de Caetano Veloso, Marisa Monte e Mundo Livre S/A.

Chegou a viver um tempo fora do país. Afirmou, em uma entrevista em vídeo ao jornal pernambucano, que o Brasil sempre valorizou os cantores, porque “precisava da palavra” e que “se tivesse ficado aqui, nunca teria tido uma carreira como solista”.

Naná foi para Paris, onde em 1971 gravou Africadeus, seu primeiro trabalho solo. Nos Estados Unidos, onde morou por 10 anos (e dividiu moradia com o cineasta Glauber Rocha), o músico ganhou oito prêmios Grammy e foi eleito o melhor percussionista do mundo oito vezes pela revista americana de jazz Down Beat, que é publicada desde 1934. Fez trilhas sonoras de filmes como Procura-se Susan desesperadamente, protagonizado por Madonna, e Down by law, do diretor Jim Jarmusch. A última participação dele em trilhas foi na animação O menino e o mundo, do brasileiro Alê Abreu, que concorreu no Oscar 2016.

O percussionista, que nunca estudou música, espalhou música brasileira pelo mundo. Começou a tocar com o pai muito pequeno e, aos 12 anos, segundo ele mesmo contava, saía “na noite”, e se apresentava em “cabarés de mulheres”. Já era músico profissional nessa idade, e – afirmou – “nunca na vida procurou um emprego”. No ano passado, recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e comandou a abertura do Carnaval de Recife. Ele era responsável por abrir o Carnaval da capital pernambucana há 15 anos, regendo mais de 400 batuqueiros de maracatu.

Seu trabalho mais recente é o álbum Café no Bule, lançado no último mês de setembro por Naná Vasconcelos, Paulinho Lepetit e Zeca Baleiro. Ele inclui canções gravadas em parceria com outro grande da música brasileira, Itamar Assumpção, que em 2003 também morreu de câncer.

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