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“Ontem me mataram”, a carta em memória das duas viajantes assassinadas no Equador

Dois homens confessaram ter matado as argentinas Marina Menegazzo e María José Coni Texto viral estimula a levantar a voz contra a violência contra as mulheres

As turistas argentinas Marina Menegazzo e María José Coni sumiram em Montañita (Equador) no fim de fevereiro. O Equador e a Argentina assistiram horrorizados, primeiro, ao desaparecimento das jovens, depois à descoberta dos cadáveres, e finalmente à confissão de dois homens que asseguraram ter matado as mulheres com golpes.

Guadalupe Acosta, uma estudante de Comunicação do Paraguai, expressou a indignação de muitos com uma carta aberta que viralizou nas redes sociais.

Está escrita em primeira pessoa, apesar de não falar por ela. Ayer me mataron (Ontem me mataram) foi compartilhada mais de meio milhão de vezes pelo menos desde terça-feira, dia 1o. O texto convida a levantar a voz contra o machismo e a violência contra as mulheres:

Ontem me mataram.

Neguei-me a deixar que me tocassem e com um pau arrebentaram meu crânio. Me deram uma facada e me deixaram morrer sangrando.

Como lixo, me colocaram em um saco de plástico preto, enrolada com fita adesiva, e fui jogada em uma praia, onde horas mais tarde me encontraram.

Mas, pior do que a morte, foi a humilhação que veio depois.

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A partir do momento que viram meu corpo inerte, ninguém se perguntou onde estava o filho da puta que acabou com meus sonhos, minhas esperanças, minha vida.

Não, preferiram começar a me fazer perguntas inúteis. A mim, podem imaginar? Uma morta, que não pode falar, que não pode se defender.

Que roupa estava usando?

Por que estava sozinha?

Como uma mulher quer viajar sem companhia?

Você se enfiou em um bairro perigoso. Esperava o quê?

Questionaram meus pais, por me darem asas, por deixarem que eu fosse independente, como qualquer ser humano. Disseram a eles que com certeza estávamos drogadas e procuramos, que alguma coisa fizemos, que deviam ter nos vigiado.

E só morta entendi que para o mundo eu não sou igual um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser. Enquanto que se o título dissesse foram mortos dois jovens viajantes as pessoas estariam oferecendo suas condolências e, com seu falso e hipócrita discurso de falsa moral, pediriam pena maior para os assassinos.

Mas, por ser mulher, é minimizado. Torna-se menos grave porque, claro, eu procurei. Fazendo o que queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar em casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e por muito mais, me condenaram.

E sofri, porque já não estou aqui. Mas você está. E é mulher. E tem de aguentar que continuem esfregando em você o mesmo discurso de fazer-se respeitar, de que é culpa sua que gritem que querem pegar/lamber/chupar algum de seus genitais na rua por usar um short com 40 graus de calor, de que se viaja sozinha é uma louca e muito seguramente se aconteceu alguma coisa, se pisotearam seus direitos, você é que procurou.

Peço a você que por mim e por todas as mulheres que foram caladas, silenciadas, que tiveram sua vida e seus sonhos ferrados, levante a voz. Vamos brigar, eu ao seu lado, em espírito, e prometo que um dia seremos tantas que não haverá uma quantidade de sacos plásticos suficiente para nos calar.

Esta outra publicação, da página do Facebook Mujer al Volante, também questiona o tratamento midiático da notícia de que as duas mochileiras viajavam “sozinhas”. Foi compartilhada mais de 42.000 vezes: 

A indignação pelo ocorrido está se expandindo para vários países da América Latina, enquanto os familiares das vítimas colocam em dúvida a versão oficial das autoridades equatorianas, segundo a qual os dois detidos pelo crime as conheceram e as levaram a uma casa onde supostamente cometeram os crimes. O presidente do Equador, Rafael Correa, afirmou que, se a lei permitir e se for o desejo das famílias, o país aceitará a possibilidade de que médicos legais da Argentina investiguem o assassinato das duas turistas daquele país.

Ontem me mataram denuncia a culpabilização da mulher por ser vítima de violência de gênero: “Questionaram meus pais, por me darem asas, por deixarem que eu fosse independente, como qualquer ser humano. Ao ser mulher, (o crime) é minimizado. Torna-se menos grave, porque, claro, eu procurei. Fazendo o que queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar em casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos”, denuncia.

Em seu perfil na rede social, Guadalupe Acosta também promove um evento do Facebook que convoca as pessoas a se manifestarem no centro de Assunção (Paraguai) pedindo “verdade e justiça” para as turistas argentinas e denunciar a violência contra as mulheres.

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