_
_
_
_
_

Sanders e Donald Trump: a briga de dois nova-iorquinos de bairro

Senador democrata e magnata republicano se criaram no pós-guerra entre Queens e o Brooklyn

Amanda Mars
Bernie Sanders, ainda adolescente, num protesto contra a segregação racial na Universidade de Chicago, em janeiro de 1960.
Bernie Sanders, ainda adolescente, num protesto contra a segregação racial na Universidade de Chicago, em janeiro de 1960.CAMPANHA DE BERNIE SANDERS
Mais informações
Donald Trump transforma o Partido Republicano
Trump vence na Carolina do Sul e se fortalece como favorito republicano
Bernie Sanders, o ‘vovô viral’ que pode ser presidente dos EUA aos 74 anos
Obama: “Acho que Trump não será presidente. Isto aqui não é um ‘reality show’”

Quando Bernie Sanders nasceu, em 1941, as crianças do Brooklyn ainda trocavam figurinhas dos míticos Dodgers, o time de beisebol do bairro. A temporada de 1946, quando Bernie tinha cinco anos, é muito lembrada por ter sido o período em que Jackie Robinson entrou para a história como o primeiro negro a disputar a Major League, justamente pelos Dodgers. Nesse mesmo ano nasceu Donald Trump, no contíguo distrito do Queens. O Brooklyn tinha fama de ser um bairro duro; lá havia nascido, dois anos antes de Sanders, o gângster Henry Hill, que inspirou Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese.

Costuma-se dizer que Nova York, uma espécie de símbolo do capitalismo, da mestiçagem e do progressismo social, tem pouco a ver com o resto dos Estados Unidos. Mas, seja para atacá-la (pelo poder de Wall Street) ou para elogiá-la (pela heroica reação dos cidadãos após o 11 de Setembro), ela está no centro da campanha para a eleição presidencial norte-americana. Dois dos seus grandes protagonistas, além disso, são puramente nova-iorquinos, criados nos ambientes de bairro do pós-Segunda Guerra. Ambos são, nas palavras do historiador John Manbeck, que estudou no mesmo colégio que Sanders, “garotos do Brooklyn”.

Enquanto Sanders crescia num apartamento com aluguel tabelado, o pai de Trump construía casas para famílias proletárias do Brooklyn e do Queens, e assim começou seu império. Uma história muito conhecida sobre Fred Trump é que, depois da Segunda Guerra Mundial, ele escondia sua origem alemã e se apresentava como sueco, para não assustar moradores judeus, como a família de Sanders, cujo pai era um imigrante polonês.

A popular lanchonete Nathan’s, próxima à orla marítima de Coney Island (Brooklyn), num dia muito concorrido de agosto de 1954.
A popular lanchonete Nathan’s, próxima à orla marítima de Coney Island (Brooklyn), num dia muito concorrido de agosto de 1954.Bettmann/CORBIS

Trump e Sanders encarnam também dois personagens perenes em Nova York: o político radical e o negociante ardiloso. “Quando vejo Bernie Sanders, vejo a Nova York do pós-guerra, o legado dos anos do New Deal. Quando vejo Trump, vejo a Nova York dos anos setenta e oitenta”, diz Mason B. Williams, autor do livro City of Ambition (cidade da ambição), que aborda a criação da Nova York moderna, o papel do New Deal em seu desenvolvimento e os anos do legendário prefeito Fiorello La Guardia. Segundo ele, o hoje senador democrata por Vermont lhe parece um personagem do seu livro transferido para a vida real. “Seu estilo político e suas ideias sobre o papel do Governo são exatamente o progressismo nova-iorquino de meados do século XX”, acrescenta.

À sua maneira, Donald Trump também se propôs a revolucionar Nova York. Mudar-se em 1971 da periferia para um apartamento pouco luminoso em Manhattan foi, para o empresário, um momento mais emocionante do que quando se instalou, 15 anos depois, no topo da Trump Tower, na Quinta Avenida. “Vocês precisam entender: eu era um menino do Queens, e de repente tinha um apartamento no noroeste (de Nova York, uma zona nobre)”, relata ele numa autobiografia dos anos oitenta. “Virei um sujeito urbano, em vez de um menino de bairro. Estava preocupado, mas também era o melhor dos mundos. Era jovem e tinha muita energia, e morava em Manhattan, apesar de ir todo dia trabalhar no Brooklyn”, acrescenta.

Trump fotografa uma modelo da ‘Playboy’ num evento de aniversário da revista, em 1993.
Trump fotografa uma modelo da ‘Playboy’ num evento de aniversário da revista, em 1993.AFP

Nesses anos, Trump enxergou oportunidades numa cidade com uma perspectiva insegura, protagonizando uma espécie de ressurreição da Grande Maçã – com o hotel Commodore, na rua 42, como grande símbolo. Foi a época em que fizeram fortuna aqueles yuppies dos anos oitenta e noventa retratados por Tom Wolfe em A Fogueira das Vaidades.

Manbeck, que escreve sobre a história do Brooklyn, observa que tanto Sanders quanto Trump “encarnam esse caráter dos tipos durões do distrito”. “Mas esse caráter diferencial do Brooklyn já não existe mais, virou um lugar mais genérico”, ressalva.

Prefeitos e ‘valores de Nova York’

O republicano Ted Cruz acusou Donald Trump de encarnar os “valores [progressistas] de Nova York”. Para o escritor Mason B. Williams, “o sucesso de Trump em nível nacional implicou repudiar alguns valores-chaves” da Grande Maçã, como “o cosmopolitismo e a abertura a pessoas de diferentes etnias e religiões”.

Ao escutar o discurso da “proibição total” da imigração muçulmana, diz o escritor, vem à mente uma comparação com o ex-prefeito Michael Bloomberg, que defendia o direito de os muçulmanos abrirem um centro de orações perto do terreno do World Trade Center.

Bloomberg, aliás, cogita se lançar na disputa presidencial como candidato independente. E Trump encontrou em outro ex-prefeito, Rudolph Giuliani (1994-2001), um assessor de cabeceira. A campanha pode se tornar mais nova-iorquina ainda.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_