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Apple apoia que comissão de especialistas estude limites para criptografia

Empresa pede que o Governo retire a exigência de acesso ao iPhone do atirador de San Bernardino

Silvia Ayuso
Imagem de um iPhone diante do logotipo da Apple.
Imagem de um iPhone diante do logotipo da Apple.PHILIPPE HUGUEN (AFP)
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A Apple se mantém firme na queda-de-braço com as autoridades norte-americanas que pedem que a empresa desbloqueie o iPhone do atirador de San Bernardino. Mas se mostra disposta a um compromisso. Segundo anunciou nesta segunda-feira, a empresa aceitaria colaborar com uma comissão de especialistas em tecnologia e segurança, mas também em liberdades fundamentais, que estude o alcance e os limites da criptografia e as possibilidades de um acesso regulamentado a equipamentos eletrônicos como os que ela produz. Isso, sob a condição de que o Governo abra mão de lhe pedir que abra a porta de seu sistema de criptografia.

“Nosso país sempre foi mais forte quando nos unimos”, afirma a Apple em seu site na internet.

“Entendemos que a melhor solução seria que o Governo retirasse os seus pedidos e que, tal como foi proposto por alguns membros do Congresso, se crie uma comissão ou grupo de especialistas em inteligência, tecnologia e liberdades civis que discutam as implicações legais, para a segurança nacional, a privacidade e as liberdades pessoais”, acrescenta o texto da empresa, que complementa: “A Apple teria prazer em participar de um esforço como esse”.

Esse grupo de especialistas ainda não existe, mas vários parlamentares norte-americanos propõem a sua criação há várias semanas — antes mesmo do surgimento da disputa entre a Apple e o FBI —, e a expectativa é que seus detalhes sejam revelados nesta quarta-feira em Washington. Segundo afirmou, em meados de janeiro, um dos promotores da iniciativa, o congressista republicano Michael McCaul, trata-se de buscar uma fórmula que permita vigiar as comunicações criptografadas de supostos terroristas sem que se obrigue as empresas a criar “portas de trás” em seus equipamentos.

“Acredito que exista uma solução tecnológica para que se proteja a privacidade ao mesmo tempo em que se proporcione segurança quando estivermos diante de uma causa que justifique uma ordem judicial” para ter acesso às comunicações de um suspeito, disse o presidente do Comitê de Segurança nacional da Câmara dos Representantes. Segundo antecipou em uma palestra em um think tank em Washington, a proposta de lei que está sendo preparada juntamente com o senador democrata Mark Warner prevê a criação dessa comissão de especialistas para que esta faça um relatório ao Congresso, tal como ocorreu no caso da Comissão do 11 de Setembro, para “possibilitar uma solução tecnológica para o problema”. Pois esse problema, destacou, é que hoje em dia o Vale do Silício e os agentes do FBI, da NSA ou do Departamento de Segurança Nacional “não estão falando entre eles” para buscar uma solução pactuada.

Na semana passada, a Apple se recusou a cumprir a sentença de uma juíza que ordenava à empresa que colaborasse com o FBI a desbloquear e ter acesso ao aparelho iPhone usado por um dos autores do massacre de San Bernardino (Califórnia), que deixou 14 mortos em dezembro. Os investigadores acreditam que o iPhone contém informações que podem ser essenciais para as investigações. A empresa se opõe a essa determinação, que, na sua visão, “significa um passo sem precedentes” e que seria “uma ameaça para a segurança” de seus usuários. Depois da negativa da empresa, o Departamento de Justiça acusou a Apple de se negar a colaborar por uma questão de “marketing”.

Um precedente “muito perigoso”

O diretor do FBI, James Comey, afirmou no domingo que o único objetivo da agência federal é fazer justiça para as vítimas de San Bernardino. “Queremos ter apenas a possibilidade, com uma ordem de registro, de tentar descobrir o código de acesso do terrorista sem que o seu telefone se autodestrua e sem que levemos dez anos para chegar à senha correta. Apenas isso. Não queremos desvendar a criptografia de ninguém nem deixar livre uma chave-mestra”, destacou ele em artigo publicado no blog do FBI.

Um raciocínio que não conseguiu convencer o Vale do Silício. Em seu texto, intitulado “Respostas às suas perguntas sobre a Apple e a segurança”, a empresa justifica sua recusa em abrir para o FBI uma “porta de trás” de acesso ao iPhone do atirador de San Bernardino. Embora afirme que “tecnicamente” é possível criar um sistema operacional como aquele que essa ordem judicial implica, a empresa defende que isso seria “perigoso demais”. Segundo sua alegação, isso teria duas consequências “importantes e perigosas”. Por um lado, explica, ao admitir isso, a Apple teria de criar “um sistema operacional totalmente novo para uso do Governo”. Em um mundo em que os usuários introduzem cada vez mais informações confidenciais em seus equipamentos eletrônicos, como o telefone celular, “seria um erro fragilizar intencionalmente os nossos produtos” por uma ordem do Governo. “Se perdermos o controle sobre os nossos dados, colocaremos em risco tanto a nossa privacidade quanto a nossa segurança”, adverte.

O segundo argumento é voltado mais para o futuro e para o “precedente legal” que a aceitação da ordem judicial abriria, “ampliando” os poderes do Governo. “Simplesmente não sabemos aonde isso nos levaria. Deveria ser permitido ao Governo que nos mande criar outras ferramentas de vigilância, como gravar conversas ou poder fazer um monitoramento de localização?”, pergunta a Apple. Sua resposta é categórica: “Isso abrira um precedente muito perigoso”.

Em um comunicado enviado também nesta segunda-feira aos seus funcionários, o presidente executivo da Apple, Tim Cook, também insistiu em que a disputa entre a empresa e as autoridades vai “muito além do que apenas um telefone ou uma só investigação”.

“O que está em jogo é a segurança dos dados de centenas de milhões de cidadãos que cumprem a lei e a abertura de um precedente perigoso que ameaça as liberdades civis de todos”, afirma Cook, segundo a agência Reuters.

Em Barcelona, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, reafirmou nesta segunda-feira o seu apoio à Apple nessa queda-de-braço legal. “Não acredito que as portas de trás para driblar a criptografia tornem o mundo mais seguro. Estamos muito próximos da Apple nesse aspecto”, disse Zuckerberg, segundo informa Rosa Jiménez Cano.

Norte-americanos apoiam o Governo contra a Apple

Pode ser que a Apple esteja disposta a se mostrar como protetora da privacidade na era dos dados globais. E pode ser que conte com o apoio do Vale do Silício. Mas na queda-de-braço que mantém neste momento com o FBI, recusando-se a desbloquear o acesso a um iPhone do terrorista de San Bernardino, a opinião pública está majoritariamente do lado das autoridades e não do gigante da tecnologia.

Segundo uma pesquisa do Pew Research center, 51% das pessoas consultadas avaliam que a Apple deveria desbloquear o iPhone em questão para ajudar na investigação do FBI sobre o massacre terrorista de dezembro que deixou 14 mortos. Apenas 38% dos entrevistados apoiaram a recusa da empresa e o seu argumento de que se nega a aceitar o pedido das autoridades para preservar as informações de seus usuários. Nem mesmo somando os 11% de indecisos a balança se equilibraria em favor da Apple.

A pesquisa foi realizada pelo Pew Center entre 18 e 21 de fevereiro com 1.002 adultos de todo o país. Os apoios variam quando se divide o levantamento por idade, nível escolar ou ideologia, mas não de uma forma suficientemente substancial para que se pudesse deduzir que a Apple poderia apelar a um setor específico da sociedade para defender o seu posicionamento.

Um dos dados mais significativos é que também entre os mais jovens, entre 18 e 29 anos de idade, são majoritários, embora de forma menos eloquente (47%), os que afirmam que a Apple deveria desbloquear o iPhone, ante 43% que são contra.

O apoio à posição do governo diante da empresa de ponta do Vale do Silício cresce conforme aumenta a idade dos entrevistados. O apoio a que a Apple desbloqueie o telefone aumenta de forma progressiva, de 51% a 54%, entre os adultos maiores de 30 anos.

O apoio ao argumento do governo é visível também em todos os níveis de formação, embora seja maior entre os que não possuem ensino superior (56%) do que entre os diplomados nas universidades (47%). Em termos de posição política, também são majoritários os republicanos (56%) e os democratas (55%) que avaliam que a Apple deveria ceder e desbloquear seu telefone.

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