_
_
_
_
_

Começa a operação do ‘homem árvore’

Hospital de Bangladesh inicia cirurgia para devolver a mobilidade a Abul Bajadam

Abul Bajadam mostra suas mãos afetadas: "quero poder abraçar minha filha".
Abul Bajadam mostra suas mãos afetadas: "quero poder abraçar minha filha".Zigor Aldama

Abul Bajandar quer abraçar sua filha. Nunca pôde abraçá-la desde que a menina nasceu há três anos, e se não fosse por um complexo procedimento cirúrgico custeado pelo governo de Bangladesh, não poderia nunca abraçá-la. A razão está na epidermodisplasia verruciforme que Bajandar começou a sofrer há uma década, quando tinha 15 anos. Ele se tornou o terceiro caso conhecido no mundo, e logo descobriu que sua vida iria se tornar um drama. "As verrugas começaram a sair no pé direito. No começo não dei muita importância, mas começaram a ganhar tamanho e se reproduziram em um joelho. Então eu me preocupei", lembra no quarto que ocupa no Hospital Universitário da capital de Bangladesh, Dacca.

Halima arregaça a manga da camisa de seu marido, que não pode fazer praticamente nada sem ajuda. Ele deseja sentir o toque de sua filha de três anos.
Halima arregaça a manga da camisa de seu marido, que não pode fazer praticamente nada sem ajuda. Ele deseja sentir o toque de sua filha de três anos.Z.A.

Aos poucos essa pele endurecida e ocre foi comendo os pés e as mãos. No fim, Bajandar perdeu a mobilidade nos dedos e ganhou o apelido de homem árvore no pequeno povoado de Pai Gasa, localizada no distrito de Khulna, no sul. A razão para essa alcunha que não o anima em nada salta à vista: as verrugas cobriram suas mãos quase que por completo e se estenderam até ficarem parecidas com as raízes de uma árvore. Pesam seis quilos e dificultam demais a vida dele. Só levantar já é um calvário. Seus pés tiveram melhor sorte e Bajandar pode andar, mas não sem dificuldade. Para tudo mais precisa de ajuda.

"No começo fui a um curandeiro que me receitou remédios homeopáticos, mas não tiveram resultado. Então, como não podia trabalhar e na minha família só o meu pai está empregado -é motorista de um triciclo motorizado que serve como táxi-, eu tive que começar a mendigar para buscar tratamento". Procedente de uma família humilde, em que só entram 3.000 takas (156 reais) por mês, Bajandar soube que sua doença necessitava de uma assistência médica mais avançada. Então decidiu aproveitar a curiosidade que suas raízes causavam e começou a viajar para a Índia com os ganhos. "Lá eu fiquei tomando medicação prescrita por um médico por três anos". Um período em que as verrugas não pararam de crescer.

Abul Bajandar é o terceiro caso conhecido do mundo de epidermodisplasia verruciforme, que começou a sofrer há uma década, quando tinha 15 anos.
Abul Bajandar é o terceiro caso conhecido do mundo de epidermodisplasia verruciforme, que começou a sofrer há uma década, quando tinha 15 anos.Z.A.

Dessa forma, não é surpreendente que Bajandar, em um acesso de desespero, tenha tentado cortá-las por sua própria conta. "Me frustrei muito um dia em que eu não consegui vestir minha camisa. E como não tenho sensibilidade nas verrugas, achei que seria capaz de cortá-las por minha própria conta". Mas então descobriu que sentia dor "mais para dentro", e não pôde continuar com sua própria amputação. "No fim, o médico me disse que a única saída era a cirurgia, um processo que não poderia pagar nem vivendo várias vidas. Só me confortava o fato de que as verrugas não se espalhavam para outras partes do corpo, mas a cada dia eu olhava no espelho com medo de ver uma no rosto".

Felizmente, nem tudo foi negativo na vida de Bajandar. Mesmo depois de sofrer sua estranha doença. De fato, quando as verrugas já tinham o transformado em chacota das pessoas, e em objeto de pesadelos das crianças, Bajandar conheceu Halima. "No começo eu admito que senti pena dele. Talvez isso me levou a ter certa amizade, mas a verdade é que, no final, nos apaixonamos", diz ela, sentada ao lado dele e sempre atenta ao que precisam tanto ele como sua filha. Em um país onde a maioria dos casamentos é arranjada, o de Abul e Halima foi por amor e tem resistido "ao que muitos nunca seriam capazes de suportar".

Vindo de uma família humilde em que só entram 3.000 takas (156 reais) por mês, Bajandar soube que sua doença exigia uma assistência médica mais avançada

E também recebeu carinho do povo de Bangladesh. Na verdade, centenas de pessoas o visitam todos os dias no hospital, onde seu quarto é guardado por dois policiais que apenas regulam o tráfego. Ainda que alguns só queiram tirar uma selfie mórbida com ele, e surpreende que Bajandar tenha uma paciência infinita para dar um sorriso e levantar as mãos, a maioria vai até o hospital para lhe desejar sorte e afirmar que vai rezar a Alá por sua pronta recuperação. Agora, depois que o Governo decidiu assumir o seu caso, começa uma nova etapa, cujo resultado é incerto. "Estou um pouco nervoso sobre o que pode acontecer, porque neste sábado vou ser operado pela primeira vez", diz Bajandar.

O médico Samanto Lal Sen mostra uma radiografia das mão de Bajandar: “Não é fácil lidar com os dedos, e temos que ter cuidado para não danificá-los”
O médico Samanto Lal Sen mostra uma radiografia das mão de Bajandar: “Não é fácil lidar com os dedos, e temos que ter cuidado para não danificá-los”Z.A.

O conselho de nove médicos especialistas que o hospital criou para determinar o que fazer no caso dele também não está totalmente cheio de confiança. "O primeiro passo consiste em tentar liberar o polegar e o indicador de uma mão, que são responsáveis por 60% de todos os movimentos que fazemos. Também são os menos afetados e nos ajudarão a ver melhor qual é a situação e decidir quais passos devemos dar", diz o chefe do conselho, doutor Samanto Lal Sen, apontando para uma radiografia das mãos de Bajandar. "Não é tão fácil lidar com os dedos, e temos de ter muito cuidado para não danificá-los". Assim, as operações vão levar cerca de seis meses, aos quais se somarão outros vários meses de fisioterapia. "Ele só usou as mãos por dez anos, de forma que seus dedos estão completamente atrofiados".

"No fim, o médico me disse que a única solução era a cirurgia, um processo que não poderia pagar nem vivendo várias vidas "

Em todo caso, os médicos dizem que sua intenção é dar um passo adiante. "Não basta remover as verrugas e conseguir que recupere a mobilidade, porque no resto dos casos estudados elas voltaram a aparecer. Temos de tentar descobrir o que causa a doença, que será o passo inicial de um projeto de cura permanente", diz Sen. E todos sabem que, se os médicos conseguirem, será um grande sucesso para o setor da saúde em Bangladesh, um país em desenvolvimento no qual basta dar uma volta pelo Hospital Universitário, onde Bajandar está há um mês, para perceber as graves carências médicas: as camas dos pacientes lotam quartos e corredores, familiares se espalham pelo chão, os medicamentos são escassos, e os médicos não dão conta da demanda.

"Temos que averiguar qual é a causa da doença, o que será o passo inicial no projeto de uma cura permanente "

A esse respeito, Bajandar teve sorte. Ele tem um quarto para ele e sua família, já que a imprensa local está cobrindo amplamente o caso, e recebe grande atenção médica. "No momento temos três hipóteses sobre a razão do que ele tem, mas nenhuma é conclusiva: poderia ser genético, mas ninguém na sua família tem; poderia ser uma doença de pele rara, mas sua raridade é assustadora; e poderia ser um vírus", afirma Sen. Coloca particular ênfase na última possibilidade, já que há alguns dias o médico fez uma revelação curiosa: "Encontramos uma vaca que tem o mesmo problema". Poderia ser um vírus animal que raramente sofre mutação para afetar os seres humanos?

De qualquer forma, a verdade é que Bajandar já começou a contagem regressiva para voltar a ver suas mãos. Em seu riso nervoso fica evidente algum receio, compartilhado também pela mulher, mas a esperança é muito mais poderosa. E ele está mais perto de realizar um sonho que repete uma vez atrás da outra, sempre que uma câmera é apontada para ele. "O que eu quero é abraçar minha filha, senti-la com as mãos".

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_