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É mais saudável ser vegetariano?

Cada vez mais pessoas põem em prática alguma das infinitas variantes do vegetarianismo

Juan Revenga
Incluir mais 'verde' no prato faz bem.
Incluir mais 'verde' no prato faz bem.

“Se alguém disparasse e matasse um vegetariano e um carnívoro (onívoro), o cadáver do primeiro levaria de duas a três vezes mais tempo do que o do segundo para se tornar asquerosamente um fedorento fruto de sua decomposição.” Esse era um dos descontextualizados argumentos que Sylvester Graham lançava, sem grande esforço, para colocar em evidência as teorias vegetarianas que começavam a fazer furor nos Estados Unidos no início do século XIX, razões que nem se sabe se chegaram a ser objeto de estudo em algum momento. Desde essa época muito foi descoberto, o vegetarianismo é uma das tendências alimentares em alta e, felizmente, como corrente de nutrição ganhou pontos na solidez de sua argumentação. Mas, em que consistem as múltiplas formas de entender esse tipo de alimentação? É mais saudável ser vegetariano do que onívoro?

A consultoria de análises de mercado Euromonitor previu isso não faz muito tempo, quando publicou seu relatório das dez tendências de consumo alimentar. Nele, se destacavam o interesse geral em reduzir o uso de carnes e aumentar o dos produtos de origem vegetal. Duas previsões que se cumpriram amplamente.

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Vegetarianismo e saúde

Com a ciência à mão, podemos afirmar que, tal como defende a Associação Norte-Americana de Dietética num documento de posicionamento, “as dietas vegetarianas adequadamente planejadas, incluindo as dietas totalmente vegetarianas ou veganas, são saudáveis, nutricionalmente adequadas e podem proporcionar benefícios para a saúde na prevenção e no tratamento de certas doenças. As dietas vegetarianas bem planejadas são apropriadas para todas as etapas do ciclo vital, incluindo a gravidez, a lactação, a infância e a adolescência, assim como para os atletas”.

É importante destacar que, apesar de existirem certos nutrientes fundamentais que precisam ser objeto de especial atenção nas dietas vegetarianas –por exemplo, ácidos graxos ômega-3, ferro, zinco, iodo, cálcio, vitaminas D e B12 –, tão somente a última representa um autêntico desafio na hora de alcançar os níveis adequados. Para isso, além de um adequado planejamento, é preciso realizar um aporte extra dessa vitamina independentemente do estilo de vegetarianismo que se adote. Esse aporte pode ser feito com o uso de alimentos ricos nessa vitamina, o uso de suplementos de B12 (comprimidos) ou mediante uma injeção periódica.

Mesmo estando clara a questão da segurança (com atenção sempre para a carência da vitamina B12), a de sua eficácia não está tão nítida. Eu me refiro a uma eficácia baseada, por exemplo, na mortalidade, em saber se essa dieta reduz a mortalidade ou contribui para uma maior longevidade para esses usuários em comparação com os não vegetarianos. Nesse terreno não há um consenso claro: embora haja importantes e recentes estudos que de fato constatam uma menor mortalidade decorrente de doenças do coração e de câncer entre os vegetarianos, outros não encontram maiores diferenças entre ser vegetariano ou não no que se refere à mortalidade por essas mesmas causas ou outras. O pior nesse sentido seriam as afirmações categóricas, e defender com rigor qualquer das possibilidades, já que nos dias de hoje há argumentos tanto para um como para o outro.

Origens e lendas do vegetarianismo

Não existe uma origem específica sobre as práticas vegetarianas. Algumas culturas, muitas vezes influenciadas por preceitos religiosos, e com base neles, evoluíram de forma independente até alguma forma de vegetarianismo, cada uma com as próprias nuances e explicações particulares. No entanto, somente no primeiro quarto do século XIX esse tipo de opção alimentar começou a ser aceito pelo povo e a ser mais ou menos conhecido.

Ovo-lacto-vegetarianos, flexitarianos, peixetarianos, veganos, pollatarians, crudívoros, frutívoros... São muitas as linhas do vegetarianismo

Os primeiros rebentos encontramos no mundo anglo-germânico, e eles acabaram influindo em alguns norte-americanos que já nessa época demonstraram uma estranha forma de estabelecer relações casuais. Sem ir mais longe, o já mencionado Sylvester Graham, inventor da farinha, pão e crackers que levam seu nome, foi um dos primeiros defensores dessa opção dietética (na realidade, ovo-lacta). Esse homem observava o vegetarianismo como um elemento que reduzia “o risco” do onanismo, uma prática que agravava a possibilidade de sofrer cegueira.

Pois, de fato, foi esse fanático senhor puritano que trouxe à tona –e propagou– o boato da relação entre a masturbação e a cegueira. E como solução para esse e outros “males” propunha uma dieta em essência vegetariana, supomos que por ser espartana e distanciada da luxúria. Mas não foi o único a fazer recomendações despropositadas. Também se destaca o doutor John Harvey Kellogg (sim, o dos cereais), que não sei se ficou atrás na hora de postular absurdos promovendo dietas vegetarianas, enemas e outras práticas como solução para uma porção de males, que, segundo ele, provinham de uma moral relaxada, facilitada pela presença de carne na dieta.

Para além das questões sexuais atribuídas às dietas vegetarianas, vale mencionar a falta de cabimento de associar esse tipo de dietas à não violência. Não me refiro à praticada com os animais na hora de sacrificá-los, mas àqueles que argumentam que o vegetarianismo é próprio ou característico de pessoas não violentas. Convém lembrar que o padrão dietético de Adolf Hitler foi qualificado em não poucas ocasiões de vegetariano, embora para alguns historiadores essa imagem tenha sido o resultado de uma ideia de seu ministro da propaganda, Göebbels.

Na realidade, sabendo um pouco da dieta desse genocida, eu a chamaria quando muito de flexitariana, já que era bem conhecida a paixão que ele sentia pelos leberknödel (uma bolinha de massa de fígado que se pode servir na sopa ou acompanhada de chucrute ou batatas), pomba refogada e outras iguarias que careciam de raízes, talo, folhas e frutos.

Comer mais vegetais fará bem a você, e também ao planeta

Felizmente as historinhas anteriores são apenas narrativas jocosas, mas cai bem tê-las à mão quando alguma pessoa começa a enaltecer os benefícios e justificativas das dietas vegetarianas, de qualquer ângulo. Para lá da questão de ser vegetariano estrito, vegano, ovo-lacto ou flexitariano, há realmente um conselho que tem cara de ser benéfico. Em geral, nós, consumidores, temos uma ingestão bem pequena de alimentos de origem vegetal e nossa saúde seria favorecida se trocássemos fontes alimentares que não são vegetais pelas que são.

As dietas vegetarianas, bem planejadas, são apropriadas para todas as etapas do ciclo vital

De fato, a OMS estabelece o objetivo da ingestão mínima de 400 gramas de vegetais por dia (frutas, verduras e hortaliças), algo de que os espanhóis ainda estão muito longe, mas em que coincidem muitas outras instituições de reconhecido prestígio. Mas isso, além do mais, não nos beneficiaria somente como indivíduos. Voltar os olhos para os vegetais (não é obrigatório pensar no veganismo) implicaria ao mesmo tempo uma gestão dos recursos planetários mais eficiente e sustentável. Essa é pelo menos uma das conclusões do interessante estudo publicado há pouco mais de um ano na prestigiada revista Nature. De modo que, o que quer que você faça com o resto da sua comida, pense com frequência no verde: o mundo –e a sua saúde– agradecerão.

Vegetarianismo e variações

No papel, ser vegetariano é fácil: por definição, trata-se de consumir alimentos de origem vegetal. Sem mais. Entretanto, a coisa se complica na hora de pôr isso em prática, dada a existência de uma importante quantidade de modalidades de vegetarianismo que contam com uma infinidade de nuances, fruto das religiões, da tradição e até mesmo das modas. De um ponto de vista formal, os vegetarianos estritos (aqueles que não fazem nenhuma concessão alimentar de origem animal) são conhecidos como veganos. Mas dentro desse saco do vegetarianismo podem ser encontradas diversas variantes que se permitem certas licenças animais. Do mais habitual ao mais exótico, podemos encontrar pessoas que, sendo vegetarianas, consomem determinados produtos de origem animal, tipicamente ovos e leite, dando origem aos ovo-vegetarianos, lacto-vegetarianos e ovo-lacto-vegetarianos (quando se somam as duas exceções).

A partir daqui a coisa se complica bastante, com numerosas facetas, dando lugar a diferentes tribos vegetarianas relativamente estrambóticas, fruto dessa mania de acreditar que colocar uma etiqueta em tudo que saia fora do habitual seja uma forma de normalizá-lo. Assim, são crudívoros aqueles que, partidários do veganismo e excluindo habitualmente os legumes –embora aceitem os germinados– , só incluem em sua dieta alimentos sem cozinhar, ou com uma escassa aplicação de temperatura. São chamados de frutívoros aqueles que só consomem partes vegetais que não acabem afetando o organismo vegetal do qual procede seu alimento (frutas, frutos secos, sementes, etc.).

Seguindo nessa espiral restritiva ou permissiva, seriam flexitarianos os que se alimentam principalmente de vegetais, mas em momentos pontuais –mais ou menos excepcionais, sem que haja um padrão claro– fazem incursões no mundo dos onívoros. Resumindo: uma espécie de vegetariano relaxado que pretende nadar e proteger a roupa, um “sim, mas não”, um “tantinho”,

Seriam peixetarianos aqueles que seguem um padrão alimentar em essência vegetal, mas se permitem o consumo de peixe e marisco com certa frequência, algo que parece estranho, mas está fazendo furor no Reino Unido. Por último, também há aqueles que em inglês são chamados de pollatarians ou pollotarians – não quero pensar em sua denominação castelhanizada, pelo uso de pollo [frango, em português]– , cuja alimentação é basicamente vegetal, mas têm uma ressalva que lhes permite comer frango (e provavelmente outras aves). Esses três últimos casos são facilmente elimináveis do vegetarianismo, algo que, no sentido estrito do termo, também se poderia aplicar aos ovo-lacto-vegetarianos.

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