Polêmica na Argentina pelos dados sobre desaparecidos na ditadura
Ministro da Cultura questiona que o total de vítimas tenha sido 30.000
A questão dos direitos humanos é bastante delicada na Argentina, onde ainda está muito presente a memória da terrível ditadura militar (1976-1983) que devastou o país com milhares de assassinatos, roubos de crianças e todo tipo de humilhação. O kirchnerismo tratou do tema como uma importante bandeira e agora Mauricio Macri afirma que a política referente a esse ponto não será alterada, mas muitos kirchneristas desconfiam disso, e cada gesto do novo Governo gera uma grande polêmica. A mais recente diz respeito aos dados sobre o número de desaparecidos.
O ministro da Cultura de Buenos Aires e diretor do Teatro Colón, Darío Lopérfido, próximo de Macri, afirmou o seguinte: “Não houve 30.000 desaparecidos na Argentina. Esse número foi acertado em uma mesa”. Lopérfido, que angariou respeito por sua gestão à frente de um dos teatros de ópera mais importantes do mundo, esclareceu depois que estava se referindo aos levantamentos feitos por Graciela Fernández Meijide, uma conhecida militante política e dirigente das organizações de direitos humanos, mãe de um desaparecido, que indicam que o número correto estaria mais próximo de 9.000 pessoas.
O questionamento do total de 30.000, reconhecido por todas as organizações de direitos humanos, foi visto imediatamente como uma provocação. Entre outros motivos, porque foi o próprio ditador Jorge Rafael Videla quem colocou em questão o dado dos 30.000 e falou em 8.000. Mas ninguém na Argentina acredita em Videla. Estela de Carlotto, líder das Avós da Praça de Maio, indignou-se: “Nós trabalhamos com esse dado de 30.000 porque os próprios genocidas falam em 45.000. Ainda continuamos a receber notícias de netos que nasceram em cativeiro, pois há pessoas que só agora decidiram contar a verdade. Que maldade começar agora a manipular números! Que ele nos mostre a lista dos que considera como desaparecidos, se é que a tem”, retrucou.
Processos pendentes
O Governo procura amenizar a polêmica sobre um tema tão sensível e que pode reacender todos os preconceitos contra Macri já existentes na esquerda argentina e que há um ano dificultavam bastante o seu crescimento na corrida eleitoral pela presidência do país. Macri sempre foi visto como um homem fortemente de direita. De dois anos para cá, o presidente, orientado pelo seu guru equatoriano Jaime Durán Barba, assessor político, fez um trabalho intenso para melhorar a sua imagem. E conseguiu vencer a eleição. Seu número dois, Marcos Peña, convocou Estela de Carlotto na quarta-feira para uma reunião na Casa Rosada para buscar uma aproximação. Carlotto, próxima ao kirchnerismo, foi bastante crítica em relação a Macri e o presidente, neste momento, não prevê recebê-la, mas o gesto de seu braço-direito é um chamamento ao diálogo.
Claudio Avruj, secretário de Direitos Humanos de Macri, que também deveria participar do encontro, procurou amenizar a polêmica em uma conversa com o EL PAÍS. “Os números não são o mais importante. 30.000 é o número estabelecido pela sociedade e é simbólico. É verdade que a CONADEP (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas) falou em 9.000, mas ainda há muitos processos pendentes. A questão dos desaparecidos deve ser vista com muita cautela, o Governo não quer criar nenhuma polêmica em torno dos números”, disse ele.
Avruj também comentou a preocupação existente entre os defensores dos direitos humanos com as demissões de funcionários públicos que têm algo a ver com esse setor, por exemplo no portal de notícias Infojus. “Estão ocorrendo demissões porque houve um superdimensionamento do Estado, e isso gera uma inquietação. Mas todos os projetos relacionados à questão da memória terão continuidade, não haverá nenhum tipo de corte. É falso afirmar que iremos mudar a política. Como o próprio presidente já disse, a política sobre direitos humanos e crimes contra a humanidade será mantida, assim como os processos, embora, para o bem de todos, especialmente das testemunhas, esperamos que estes não se prolonguem por muito tempo”, concluiu Avruj.