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Irã cumpre pacto nuclear e EUA anulam as sanções

Seis meses após o acordo, chanceleres dos dois países voltaram a Viena para o momento decisivo

Ángeles Espinosa
John Kerry e o chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif em reunião em Viena.
John Kerry e o chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif em reunião em Viena.Kevin Lamarque (AP)

A Agência Internacional da Energia Atômica (AIEA) confirmou na noite deste  sábado que o Irã reduziu seu programa nuclear, como se comprometeu no acordo assinado em julho com os EUA e outras cinco grandes potências. Esse anúncio, que foi precedido por uma inesperada troca de presos entre Teerã e Washington, permitirá a suspensão imediata das sanções internacionais contra as pretensões nuclear da república islâmica. Seis meses depois do pacto, seus dois principais protagonistas, o ministro iraniano de Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, voltaram ontem a Viena para presenciar um momento decisivo para as relações bilaterais e de todo o Oriente Médio.

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“Hoje é um bom dia para os iranianos, porque as sanções serão suspensas”, declarou Zarif assim que chegou à capital austríaca. O ministro iraniano não conseguia esconder sua euforia. Estava há dias tentando antecipar o informe da AIEA e a suspensão das sanções, diante do silêncio tanto desse organismo como dos EUA. No entanto, o Dia da Implementação, como foi apelidado este momento em que se planejou a rota de fuga para que o acordo fosse colocado em prática, demorou a se efetivas. Negociações de última hora sobre a troca de presos pareciam estar por trás do atraso. Mas o que estava em jogo justificava a espera.

Algumas sanções cairão, mas outras não

As sanções que agora são retiradas do Irã são as impostas com o respaldo das Nações Unidas para punir o país quanto a suas pretensões nucleares. O país também está submetido a outras sanções dos EUA devido à tomada da embaixada norte-americana em Teerã em 1979, pouco depois da revolução islâmica, que permanecem de pé. As da ONU foram retiradas automaticamente, ainda que permaneçam algumas restrições.

A UE anunciou na sexta-feira, dia 15, que já tomou todas as medidas necessárias para retirar suas sanções no momento em que a AIEA dê luz verde. Estas são, sem dúvida, as que mais prejuízo causaram ao Irã e incluem as que afetam transações financeiras e bancárias, seguros e resseguros, o sistema SWIFT (necessário para as operações entre bancos), o petróleo e o gás. As restrições às companhias norte-americanas continuarão vigentes em sua maioria.

O passo vai permitir não só a reintegração econômica do Irã, algo altamente esperado por seus 80 milhões de habitantes, como sua reabilitação política. Ainda que Teerã e Washington ainda não tenham anunciado a retomada de relações diplomáticas, rompidas pouco depois que a República Islâmica foi proclamada em 1979, sua aproximação em função das negociações nucleares já tornou velho o paradigma de inimizade que vinha definindo o Oriente Médio.

Tanto a troca de presos deste sábado como a rápida solução de captura por forças iranianas de 10 cadetes da marinha norte-americana alguns dias antes indicam o que pode significar a mudança.

O próprio Zarif afirmava isso em um artigo no The New York Times no qual reiterava a disposição do Governo de Hasan Rohani a “dialogar, promover a estabilidade e combater o extremismo desestabilizador” diante da Arábia Saudita, a quem apresentava como um país irresponsável.

No momento, porém, o mais imediato será a possibilidade de voltar a vender petróleo e de recuperar entre 50 e 100 bilhões de dólares (algo entre 200 e 400 bilhões de reais) que, segundo as fontes, o Irã tinha bloqueados em bancos estrangeiros (apesar de ir parcelas mensais desde que se assinou o plano de ação, em novembro de 2013). A expulsão do sistema financeiro internacional foi sem dúvida a mais dura de todas as medidas, porque dificultou e encareceu todas as transações, inclusive as permitidas, como compra de medicamentos.

As sanções representaram dezenas de milhões de dólares para o Irã. O embargo de petróleo reduziu suas vendas a um milhão de barris diários, diante dos 2,5 milhões vendidos em 2012. Agora seus responsáveis esperam conseguir aumentar a produção em meio milhão de barris, com o objetivo de chegar a 4 milhões em um futuro próximo. Mas, para isso, Teerã precisa modernizar sua indústria depois de décadas sem acesso a uma tecnologia que, em sua maior parte, tem patente norte-americana. Para não falar de infraestrutura. Algumas fontes estimaram os investimentos exigidos em 150 bilhões de dólares (cerca de 600 bilhões de reais).

Expectativas menores

A volta aos mercados internacionais do país com a quarta reserva de petróleo e a segunda de gás natural se torna potencialmente muito atraente. No entanto, as circunstâncias não são favoráveis e a contenção demonstrada pelos iranianos parece reconhecer isso. De um lado, o óleo está cotado a menos de 30 dólares, seu preço mais baixo nos últimos 12 anos. De outro, há um excesso de oferta de 1,5 milhões de barris diários. Isso reduz tanto as expectativas de receitas como os juros dos investidores. Mesmo assim, a mídia iraniana fazia eco à presença em Teerã de executivos da Total e da Shell, duas das grandes petroleiras mundiais.

O fim das sanções é sem dúvida um êxito para o Governo de Rohani, que em um mês enfrenta eleições-chave para renovar o Parlamento e a Assembleia de Especialistas (a Câmara que elege o líder supremo). Mas apesar de ter contado com o respaldo do aiatolá Ali Khamenei, a autoridade máxima da República Islâmica, seus aliados enfrentarão nas eleições alguém considerado responsável por concessões demais.

Para chegar até aqui, o Irã teve de reduzir substancialmente o número de suas centrifugadoras (as máquinas que purificam o urânio para se obter tanto combustível nuclear como material para uma bomba), exportar fora de seu território o excesso de urânio enriquecido que está autorizado a manter e desmontar o reator de Arak, que processava plutônio e oferecia uma via alternativa à arma nuclear.

Em um resumo muito gráfico do que certos setores iranianos opinam sobre essas concessões, o jornal Vatan-e Emruz informava neste sábado o fechamento de Arak com a manchete “Enterro nuclear” sobre uma imagem de pá de cimento, material com o qual o reator dessa planta foi preenchido.

Iranianos libertam jornalista do 'The Washington Post'

O Irã libertou neste sábado quatro cidadãos norte-americanos, numa troca com sete iranianos presos nos Estados Unidos. A informação é dos meios de comunicação oficiais iranianos e foi confirmada por autoridades norte-americanas. O intercâmbio se dá no âmbito da implementação do acordo nuclear, firmado em julho, entre seis potências e o Irã, que limita o programa nuclear e tem como contrapartida a suspensão de sanções internacionais. Um dos quatro cidadãos libertados por Teerã tem dupla nacionalidade (iraniana e norte-americana). É o jornalista Jason Rezaian, de 39 anos, correspondente do jornal The Washington Post no país. Ele estava preso havia 18 meses. Os meios de comunicação iranianos também anunciaram a libertação de dois norte-americanos que tinham sido presos durante visitas a familiares no Irã: o pastor cristão Saeed Abedini, de 35 anos, na prisão desde julho de 2012 por organizar cerimônias religiosas em residências, e o ex-militar Amir Hekmati, de 32 anos, havia quatro anos encarcerado sob acusação de espionagem. Em relação à identidade do quarto detido as informações são contraditórias.

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