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Entenda o julgamento histórico da irmã do Rei da Espanha

Promotoria tenta absolver Cristina de Bourbon dos crimes fiscais atribuídos ao marido pelo caso Nóos

Fernando J. Pérez
A Infanta e seu marido saindo do tribunal na segunda.
A Infanta e seu marido saindo do tribunal na segunda.Cati Cladera (EFE)

A Espanha viveu na segunda-feira o início de um dos julgamentos mais esperados de sua história recente. Pela primeira vez, um membro da Família Real, a infanta Cristina de Bourbon, filha do rei emérito, Juan Carlos, e irmã do atual Monarca, Felipe VI, sentou-se no banco dos réus.

Dona Cristina, sexta na linha de sucessão ao Trono da Espanha, é processada por ligação com crimes contra a Fazenda Pública atribuídos ao seu esposo, Iñaki Urdangarin, ex-jogador de handebol. O casal, no passado considerado exemplar por sua modernidade e frescor – ela, filha de reis, mas funcionária de uma entidade financeira; ele, esportista de alto nível; com quatro filhos e vivendo em Barcelona – é hoje sinônimo de desonra.

A investigação judicial dos negócios de Urdangarin no Instituto Nóos, uma organização sem fins lucrativos que a Promotoria (Procuradoria) espanhola considera que o genro do Rei utilizou para desviar 4,5 milhões de euros ( cerca de19,70 milhões de reais) vindos de diversas administrações públicas, se iniciou em 2010 e provocou muitos danos à imagem da Coroa, vértice do arcabouço constitucional espanhol.

Esse escândalo, somado a outros erros de Juan Carlos I, como sua caçada em Botsuana nos anos mais difíceis da crise econômica, acelerou a decisão do rei anterior em abdicar da Coroa em favor de Felipe VI em junho de 2014.

O processo judicial do caso Nóos é focado essencialmente em Iñaki Urdangarin e seu antigo sócio Diego Torres. O promotor pede 19 anos e meio de prisão para o cunhado do Rei por montar uma rede de sociedades para obter contratos dos governos autônomos da Comunidade Valenciana e Ilhas Baleares por serviços de organização de eventos relacionados com o esporte que não terminaram ou não foram realizados de nenhuma forma, pelos quais receberam 6,2 milhões de euros (27,15 milhões de reais). Parte desse dinheiro, 4,5 milhões de euros (19,70 milhões de reais), foram supostamente desviados.

Dessa atividade ilegal surgiram crimes contra a Fazenda Pública. Uma das empresas da rede, a Aizóon, administrada por Urdangarin, que divide 50% das ações com Cristina de Bourbon, foi utilizada para desviar fundos do Instituto Nóos e pagar gastos pessoais do casal, entre eles os oriundos do luxuoso palacete que adquiriram no exclusivo bairro barcelonês de Pedralbes.

A Promotoria, entretanto, que age com enorme dureza com Urdangarin, está se esforçando para retirar sua esposa do banco dos réus. Apenas o sindicato Mãos Limpas, presidido pelo ex-político de ultradireita Miguel Bernard, faz a acusação popular contra a infanta Cristina, para a qual pede oito anos de prisão como “coautora” dos crimes fiscais atribuídos a Urdangarin.

Mas a Promotoria considera que Cristina de Bourbon exercia somente um papel “decorativo” nas sociedades de seu marido e utiliza duas vias seguidas para evitar sua condenação. A primeira é retirá-la do julgamento oral mediante a aplicação da chamada doutrina Botín. Em 2007, o Supremo Tribunal espanhol decidiu que para julgar alguém por crimes contra a Fazenda Pública é necessário que a Promotoria e a Advocacia do Estado – em representação da Agência Tributária, a prejudicada direta – exerçam a acusação. Ou seja, que uma acusação popular não se legitima por si só para levar alguém a julgamento por um crime fiscal.

A segunda via, prevista caso as três magistradas que formam o tribunal decidam manter a Infanta no banco dos réus, busca retirar diretamente o caráter delitivo da ação de Cristina de Bourbon. Para isso, o promotor se apoia, entre outros argumentos, em um relatório da Agência Tributária que afirma que os sócios que não exercem funções de gestão nas sociedades que cometem fraude fiscal não são responsáveis pelo desfalque e não podem ser punidos administrativamente pela infração tributária. Por isso, entende o promotor, também não podem ser considerados responsáveis penais.

De qualquer forma, a decisão de manter a infanta Cristina no julgamento do caso Nóos ainda não está resolvida. O tribunal decidirá se a irmã do Rei continuará sendo processada antes de 9 de fevereiro, quando o julgamento oral será retomado.

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