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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Sinais de preocupação e esperança

Há sinais de esperança. Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases, ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da coesão nacional

Fernando Henrique Cardoso
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Em 2015 houve muitos sinais de desalento. Assistimos à implosão do Oriente Médio, com a expansão do Estado Islâmico na esteira da guerra civil na Síria e no Iraque. Processo que teve reflexos por toda a região e também na África, onde a Líbia se afunda no desgoverno e as investidas de grupos radicais islâmicos, como o Boko Haran na Nigéria, fazem do terrorismo uma ameaça cada vez mais disseminada. Na Europa, assustada com as ondas migratórias, oriundas sobretudo dos países árabes, crescem os partidos xenófobos de ultradireita. Nos Estados Unidos, a voz trombeteira de Donald Trump põe em risco os ideais dos pais fundadores do país, criado para ser a terra da liberdade religiosa e da aceitação da diversidade.

Não obstante, nem tudo foi desânimo. Para começar, a Conferência do Clima, em Paris, dá sinais auspiciosos de que os governos e as empresas despertaram e viram que o aquecimento global não é uma balela, mas um fato. Pode-se criticar o acordo num ou noutro ponto, mas ele dá passos concretos para a construção de uma economia de baixo carbono. A Cesar o que é de Cesar: o governo brasileiro, com a ministra Isabella Teixeira à frente, acordou e começa a acertar os passos em matéria climática. Não é pouca coisa.

Tampouco dá para desconhecer que o acordo com o Irã, por mais que alguns duvidem de seu cumprimento, representou um avanço importante para conter a nuclearização. O Ocidente, que há tempos dialoga com a China, deverá prosseguir no caminho das negociações diplomáticas com os países muçulmanos. Terá de reconhecer não só os interesses do Irã no Oriente Médio, mas a presença da Rússia na região, levando-a ao diálogo diplomático e até mesmo ao esforço militar comum.

Houve mais, porém. Os ventos anti-populistas começam a se fazer sentir na América Latina. A derrota dos candidatos peronistas na Argentina e, sobretudo, a espetacular maioria obtida pela oposição democrática na Venezuela enchem de ânimo os que não confundem populismo com progressismo. Uruguai e Chile são governados por partidos “de esquerda”, que não são populistas, e a nenhum democrata ocorre torcer por sua derrota só por essa inclinação política. Outra coisa é o autoritarismo pseudonacionalista, que distribui uma renda que não se sustenta no tempo e atropela regras democráticas, quando não viola direitos humanos para se perpetuar no poder. Este o significado verdadeiro do “bolivarianismo”, que, como uma lâmina, estava e ainda está cravada no arcabouço institucional da América Central ao Cone Sul, passando pelo Caribe. Este populismo começa a se desfazer. São sinais promissores.

A confusão entre populismo e políticas “de esquerda”, baseia-se em um equívoco: o de que são “progressistas” medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida, mesmo sem condição de se manter no tempo. Em contrapartida, seriam de “direita” providências que impedem gastar mais do que se pode, à custa de endividamentos e da insolvência. Muito ao contrário. O respeito ao equilíbrio orçamentário, o controle da inflação e a não manipulação do câmbio (sem austeridades eternas, nem monetarismos fora de moda) são condições indispensáveis para o crescimento econômico e para a inclusão social. Não são suficientes, mas são indispensáveis para que as políticas sociais e os estímulos corretos à economia vicejem e se mantenham. Ao ignorá-las, muitos projetos ditos “em benefício do povo” terminam em ruínas.

Meus votos para 2016 são para que esta brisa benfazeja chegue ao Brasil. E assim como desejo que a onda repressiva e anti-migratória que alcança a Europa e o populismo de direita que assola os Estados Unidos encontrem limites na muralha dos direitos humanos e na crença nos valores democráticos, espero que os primos cruzados daquelas tendências, os populismos disfarçados de progressistas, regridam em nossa região, a começar pelo Brasil.

É difícil dizer que o populismo é o nosso traje institucional. Há líderes que de vez em quando se mascaram com tal vestuário. Porém, ora têm vinculações à esquerda, ora à direita, ora ao centro ou onde mais haja pontos num hipotético espaço ideológico. A figura que na politica brasileira recente mais se aproximou do modelo carismático, Lula, não chegou a institucionalizar um modelo populista. Prevaleceu no Brasil um misto entre “progressismo”, atraso, corrupção, nacionalismo, redistributivismo etc., mantendo laços empresariais, nem sempre sadios. Nada comparável à ideologia populista do peronismo ou do bolivarianismo, com fortes traços antiamericanos ou anticapitalistas. Vingou entre nós um híbrido de oportunismo tradicional, clientelismo, corrupção e incompetência, sem fórmulas ideológicas consistentes.

Também isso está a se desfazer. Os desastres econômicos levaram estas políticas petistas à impossibilidade prática. Elas não se limitaram, o que seria defensável, a beneficiar os mais pobres, mas distribuíram vantagens pecuniárias, via orçamento ou à margem dele, a quem menos precisava. Resultado: as finanças públicas estão em estado falimentar.

Sem o charme do populismo mais vigoroso e com o Tesouro vazio, como manter a “hegemonia” do PT? Impossível. Assistimos nos últimos meses do ano que terminou ao esfacelamento da “base aliada” e à queda vertiginosa do apoio popular ao governo. O desencontro entre ministério da Fazenda, governo e Congresso acelera o desmoronamento político. Isso para não falar do principal: roubaram tanto para sustentar os partidos no poder que suscitaram uma reação salutar e inédita. Algumas instituições do Estado se revigoraram. Vemos a Justiça, as Procuradorias e mesmo a Polícia Federal tentando extirpar os que fizeram “malefícios”. Como as regras da democracia prevalecem, não impera o medo e a mídia atua com propriedade, cumprindo o papel de bem informar sobre o que ocorre nos gabinetes.

Há sinais de esperança. Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases, ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da coesão nacional, respeitando a diversidade de opiniões, tornando-nos capazes de marchar na direção de uma vida mais decente para todos, com a retomada do crescimento, a volta do emprego e a reconstrução da política republicana. São meus votos.

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