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Dilma paga pedaladas até de 2015 para enfraquecer argumento do impeachment

Governo pagou 72,4 bilhões por manobras fiscais, principal argumento da oposição para pedir sua saída. Presidente da Câmara já anunciou, porém, que vai insistir no processo de impedimento

Presidenta Dilma Rousseff pedalando em Brasília
Presidenta Dilma Rousseff pedalando em BrasíliaEraldo Peres (AP)

A presidenta Dilma Rousseff decidiu terminar o ano com um ponto final no assunto das pedaladas fiscais, maquiagem contábil nas contas públicas que serviram de mote para uma série de pedidos de impeachment no Congresso, inclusive o principal deles deflagrado em novembro. Os ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e do Planejamento, Valdir Simão, passaram o começo da semana reunidos com a presidenta para definir como as pedaladas seriam pagas. No fim, conforme anunciado nesta quarta, o Governo acabou pagando mais do que o combinado com o Tribunal de Contas da União (TCU), o órgão que condenou a estratégia. Enquanto o TCU cobrava 55,6 bilhões de reais, referente ao estoque da dívida até dezembro de 2014, Dilma pagou 72,4 bilhões, saldo acumulado até dezembro de 2015. 

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Embora apenas 55,6 bilhões de reais sejam considerados "pedaladas" oficialmente, o Governo decidiu se antecipar e abafar questionamentos futuros do TCU porque o órgão já estava investigando se o esquema das pedaladas também se repetiu este ano —ou seja, já no atual mandato da presidenta— e esse era um dos argumentos da oposição para dizer que ela teria cometido crime de responsabilidade.

"Daqui para frente, todos os pagamentos seguirão o sistema de 2015: serão feitos tempestivamente", esclareceu Otávio Ladeira, secretário-interino do Tesouro. Ladeira não quis emitir opinião a respeito das consequências políticas do pagamento das pedaladas. Questionado se o pagamento das dívidas enfraquecia o argumento do impeachment da Dilma, o secretário limitou-se a dizer que "não cabe ao Tesouro se posicionar sobre qualquer análise em torno do tema".

Se depender do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não haverá trégua para Dilma. Segundo ele, o pagamento das pedaladas não invalida o pedido de impeachment que está em tramitação na Casa. Em café da manhã com jornalistas na última terça-feira (29), Cunha se antecipou ao movimento e afirmou que o processo de impeachment não se baseia nas contas de 2014, mas em manobras que teriam sido praticadas em 2015, como a emissão de decretos presidenciais para abertura de créditos extras sem o aval do Congresso. A denúncia faz parte de uma investigação que corre no Ministério Público de Contas e ainda não há um parecer oficial a respeito, nem previsão de quando ele será divulgado. Além disso, Cunha também se prepara para recorrer da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o impeachment à estaca zero na Câmara, um imbróglio que só começará a ser resolvido em fevereiro.

Mas de onde o Governo vai tirar dinheiro?

Para quitar os 72,4 bilhões de reais das pedaladas e ganhar, pelo menos, uma trégua nessa discussão, o Governo retirou ao longo de 2015 recursos da "Conta Única do Tesouro", uma espécie de "poupança" alimentada por excesso de arrecadação de anos anteriores, criada em 1986, que serve como colchão de liquidez na administração da dívida pública.

Ainda que o Governo minimize um imbróglio contábil e político com o pagamento das pedaladas, a operação terá impactos sobre o nível de endividamento do Governo, que já está elevado - o que ajuda a explicar o porquê desse dinheiro nunca ter sido utilizado para evitar que as pedaladas acontecessem. Atualmente, a dívida bruta do país equivale a 65,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e, com as pedaladas, se aproximará muito do nível considerado alarmante pelo mercado, de 70%. A dívida pública sobe porque essa injeção de recursos da "Conta Única" na economia tende a elevar mais a inflação. Para conter esse efeito colateral, o Governo acaba vendendo títulos para enxugar o dinheiro extra em circulação. Desta forma, aumenta seu nível de endividamento.

Mesmo pagando as pedaladas da primeira gestão, Dilma ainda mantém uma incômoda pedra no sapato para 2016. Logo no primeiro trimestre, deve sair o resultado das investigações do Ministério Público de Contas em torno das suspeitas de pedaladas em 2015. A confissão de culpa já foi feita pelo Governo no âmbito das pedaladas —afinal, ele chegou a pagar dívidas do primeiro semestre deste ano com os bancos. Mas ainda falta esclarecer a emissão de decretos presidenciais, no valor de 2,5 bilhões de reais, para gerar recursos extras, sem aprovação no Congresso. Esse é o argumento no qual Cunha deve investir desta vez, já que o mote das pedaladas foi bastante enfraquecido nesta quarta.

Afinal, o que são as pedaladas?

2º Ato

Os 72,4 bilhões de reais que o Governo deve em pedaladas representam o valor de taxas devidas a bancos públicos, conforme estoque apurado pelo Tesouro até 31 de dezembro de 2015. A dívida é referente a taxas por prestação de serviços prestados pela Caixa, pelo Banco do Brasil e o BNDES, como o pagamento de benefícios sociais e a concessão de créditos ao setor produtivo subsidiados pelos cofres públicos.

Segundo o TCU, Governo feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal quando resolveu atrasar sistematicamente o pagamento dessas dívidas, com o intuito de forjar recursos maiores do que ele realmente tinha em caixa e, assim, continuar bancando diversos programas. A infração ocorreu porque esses atrasos podem ser considerados uma contratação de crédito com os bancos públicos, o que é proibido pela LRF.

Após investigações, o TCU chegou a uma lista de 17 culpados diretos pelas pedaladas - nenhum deles é a Dilma. O Tribunal deverá ouvir os responsáveis e deliberar sobre as punições. Entre os mais conhecidos estão o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e Nelson Barbosa, que em 2013 foi ministro interino da Fazenda.

Outro ponto levantado pelo TCU e que tem gerado controversas no âmbito da gestão orçamentária são os créditos suplementares. Esses créditos são um instrumento de que o Governo dispõe na falta de recursos. A ideia é remanejar verba de um programa ou ministério para quitar o pagamento de outros projetos, mais prioritários. O TCU alega que essas operações, feitas pelo governo no final de 2014 e de 2015, são ilegais, pois a LRF determina que, na ausência de recursos disponíveis, é necessário contingenciar verba primeiro. O governo só contingenciou depois de ter enviado ao Congresso projetos para aumentar o déficit no orçamento. Além disso, o TCU afirma que o Governo deveria ter pedido autorização do Congresso para emitir esses créditos, que foram abertos por meio de decretos presidenciais.

As maquiagens contábeis de 2015 já são alvo de investigações no Ministério Público de Contas, mas não há previsão de quando o parecer do órgão será emitido.

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