_
_
_
_
_

Como usar a pílula do dia seguinte

PL 5069 provoca dúvidas sobre o uso e a venda deste medicamento no Brasil

Marina Rossi
Mulheres marcham pela pílula e contra Cunha em SP.
Mulheres marcham pela pílula e contra Cunha em SP.F. R. Pozzebom (Ag. Brasil)

Diz o Código Penal brasileiro que a pessoa que "induzir ou instigar a gestante a praticar aborto ou ainda lhe prestar qualquer auxílio para que o faça" poderá ser presa. O Projeto de Lei 5069, que tramita na Câmara dos Deputados, inclui, dentre outras coisas, que também será punido aquele que "vende ou entrega, ainda que de forma gratuita, substância ou objeto destinado a praticar o aborto". E a pena aumenta se quem o fizer for "agente de serviço público de saúde, médico, farmacêutico ou enfermeiro".

O texto não deixa claro quais substâncias ou objetos são esses. Por isso, a discussão desse projeto de lei abriu espaço para uma série de dúvidas. Uma delas é sobre a pílula do dia seguinte. É possível incluir este medicamento na lista das "substâncias abortivas"? Se for, a conclusão será de que o farmacêutico poderá se negar a vender a pílula do dia seguinte sob o risco de ser preso. 

Enquanto a lei não é votada no plenário — por enquanto, ela foi aprovada somente pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania— as normas que regem a venda e distribuição do medicamento são as que seguem:

Pergunta. É preciso receita médica para comprar a pílula do dia seguinte?

Resposta. De acordo com as normas vigentes pela Anvisa, sim. Muitas farmácias vendem o medicamento sem pedir a receita, no entanto. Halana Faria, médica do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e do Serviço de Aborto Legal do Hospital Saboya, explica que essa exigência é inviável. "Como é uma medicação cuja administração deve ser o mais rápida possível não poderiam haver entraves para sua distribuição", diz. "É inviável que seja entregue a mulher somente após consulta médica por exemplo".

A Anvisa diz que uma consulta pública foi feita, em abril deste ano, para discutir o enquadramento de medicamentos isentos de prescrição. Em nota, a agência afirmou que "a expectativa é de que com a publicação da norma, que se encontra em fase de consolidação após a Consulta Pública, haverá grande melhoria no processo de avaliação de um reenquadramento possibilitando maior participação da sociedade, especialmente em questões mais abrangentes, como é o exemplo do uso de contraceptivos de emergência."

P. O farmacêutico pode se negar a vender a pílula do dia seguinte?

Mais informações
A fatura da luta feminista que ainda está em aberto
Bancada feminina da Câmara espera que mobilização freie a votação
Mulheres protestam contra Cunha pela terceira vez em duas semanas
Ofensiva na Câmara para complicar atendimento a vítima de abuso sexual
Menina paraguaia de 11 anos estuprada pelo padrasto dá à luz
As mulheres brasileiras dizem basta
O estupro nosso de cada dia

R. Não.

P. Quanto custa?

R. Os preços variam de região para região, por causa do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e das marcas de cada pílula. Segundo a rede de farmácias Pague Menos, há marcas vendidas desde 13,81 reais, até 24,59 reais. A pílula do dia seguinte pode ser encontrada na versão genérica também, o que pode reduzir os valores.

P. A rede pública distribui nos postos de saúde?

R. Sim. Desde 2012, o SUS distribui o medicamento da marca Lavonorgestel. Segundo o Ministério da Saúde, "o acesso à contracepção de emergência é um direito das mulheres adultas, jovens e adolescentes e deve ser amplo e livre de preconceitos, julgamento e questionamento". A sua distribuição no SUS deve ser feita "preferencialmente por um médico ou por enfermeiros na ausência do médico em qualquer unidade de saúde."

Apesar das normas, Halana Faria explica que muitas unidades de saúde ainda impõem dificuldades para a distribuição da pílula do dia seguinte. "Há denúncias de que centros de saúde geridos por Organizações Sociais não disponibilizem como deveriam alguns métodos como a pílula do dia seguinte e outros métodos como DIU e laqueadura", diz. Um estudo realizado em dezembro de 2014, intitulado Planejamento Familiar e Reprodutivo na Atenção Básica do Município de São Paulo: direito constitucional respeitado?, observou que entre as unidades sob gestão de entidades ligadas a grupos religiosos há menor proporção de serviços que disponibilizam a contracepção de emergência, de DIU, de encaminhamento e realização de laqueaduras e vasectomias e na atenção de adolescentes. "Isso evidencia os riscos que corremos quando a gestão dos serviços de saúde ficam nas mãos de entidades e organizações que muitas vezes fazem valer suas crenças", diz Halana.

Sobre o uso do medicamento

P. Até quando pode ser tomado?R. “O quanto antes melhor”, diz a ginecologista Halana Faria. Por isso, é recomendado que a primeira dose seja tomada até 72 horas após a relação sexual. “Mas acredita-se que até cinco dias depois da relação o método ainda apresente efeitos protetores, porém com maiores taxas de falha”, diz Halana.

Ela destaca que há duas formas de usar a anticoncepção de emergência:

A primeira é a pílula do dia seguinte. Pode ser tomada em dose única, ou dividida em duas doses, com intervalo de 12 horas. "A pílula do dia seguinte é preferível por ter menos efeitos colaterais e por apresentar maior eficácia", diz Halana.

A segunda maneira é um método chamado Yuzpe, que trata-se basicamente de tomar uma dose maior de uma pílula comum. "As pílulas combinadas têm sempre um estrogênio e um tipo de progesterona. Para uma composição de pílula de 0,03mg de etinil-estradiol e 0,15mg de levonorgestrel (como a composição de anticoncepcionais como o nordette ou microvlar), seria necessário usar quatro comprimidos a cada 12 horas (duas doses) ou oito comprimidos dose única", explica. Halana alerta que esse método só deve ser usado se a pílula do dia seguinte não estiver disponível.

P. Qual é o efeito deste medicamento no corpo?

R. Halana explica que depende da fase do ciclo em que a mulher se encontra. "Na primeira fase do ciclo, vai alterar o desenvolvimento dos folículos, impedindo ou atrasando a ovulação", diz. "Na segunda fase do ciclo menstrual após a ovulação, a pílula do dia seguinte modifica o muco cervical, deixa ele mais espesso dificultando a migração dos espermatozoides até a trompa. Ela não modifica a receptividade do endométrio para a implantação do blastocisto. Por isso é uma medicação que impede a fecundação".

P. É possível reforçar o efeito tomando o dobro da dose recomendada?

R. Não. "Há uma dose para se tomar descrita como eficaz se tomada precocemente. São dois comprimidos de 0,75mg tomados juntos ou separados por 12 horas", diz Halana.

P. Quais efeitos colaterais pode causar?R. Segundo Halana, os mais comuns são náusea, vômito, dor de cabeça, dor nas mamas e irregularidade menstrual. Ela alerta que o método Yuzpe com estrogênio não dever ser usado por soropositivas pois pode interagir com antiretrovirais. "Por isso, também não deve ser usado por mulheres vítimas de estupro, quando além da anticoncepção de emergência, está recomendado também o uso de antiretrovirais para profilaxia de HIV."

P. Este medicamento também previne doenças?

R. Não. "A pílula do dia seguinte previne a gravidez", diz Halana.

P. Quantas vezes a pílula do dia seguinte pode ser tomada?

R. Segundo Halana, este tipo de pílula não pode ser usado como contracepção. "Se uma mulher percebe que está usando várias vezes a pílula do dia seguinte é porque está precisando escolher um método contraceptivo seguro", diz.

P. Uma mulher que já toma anticoncepcional pode tomar a pílula do dia seguinte?

R. "Se a mulher já toma anticoncepcional de forma correta o uso da pílula do dia seguinte não está indicado", diz Halana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_