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Venezuela é embate, e comércio, uma aposta na relação entre Dilma e Macri

Ministro da Fazenda de Dilma elogia viés liberal do novo presidente do país vizinho

Levy, nesta segunda, durante o seminário da FGV no Rio.
Levy, nesta segunda, durante o seminário da FGV no Rio.SERGIO MORAES (REUTERS)

A primeira conversa entre a mandatária brasileira, Dilma Rousseff, e o presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, nesta segunda-feira selou os gestos de aproximação lançados pelo Governo petista desde que cresceram no país vizinho as chances de uma derrota do kirchnerismo, aliados do PT desde 2003. O diálogo foi marcado por promessas mútuas de ampliação dos laços comerciais e uma proposta de fortalecimento do Mercosul. Nesta seara, porém, já aparece o primeiro embate delicado, ideológico e político, entre os dois presidentes. Momentos antes, o conservador Macri havia reafirmado em Buenos Aires que pedirá a retirada da Venezuela do bloco econômico, por entender que o país desrespeita a cláusula democrática do grupo. O Brasil, o principal defensor da entrada dos venezuelanos, mantém críticas reservadas a Caracas, mas não está interessado neste rompimento.

Antes mesmo da Cúpula do Mercosul, marcada para 21 de dezembro, a forma de lidar com o Governo Nicolas Maduro deve fazer parte das conversas entre os dois países. O Brasil deverá ser o primeiro destino internacional de Macri, conforme ele repetiu a Rousseff nesta segunda-feira, quando a brasileira lhe telefonou para parabenizá-lo e convidá-lo a vir a Brasília. Ele aceitou o convite e afirmou que tentará encaixar a viagem em sua agenda antes mesmo da posse, em 10 de dezembro. Rousseff comparecerá à cerimônia em Buenos Aires.

A pressão sobre o tema Venezuela deve crescer nos próximos dias, quando o país governado pelo chavismo se prepara para realizar eleições parlamentares. Há críticas de ONGs e ativistas que afirmam que o pleito não se realiza em condições justas para a oposição e sem observação independente. Eles cobram uma condenação mais enérgica do Mercosul e da Unasul. Até agora, Brasil e Argentina funcionavam sempre como fiadores de Caracas. No caso de Brasília, a tônica vinha sendo enviar mensagens críticas a Maduro, a maioria delas privada.

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Além da questão da Venezuela, a construção de uma boa relação entre Macri e Rousseff passa por superar os ruídos da campanha eleitoral, o que começou a ser feito semanas atrás, segundo auxiliares da presidenta. O futuro mandatário conservador argentino teve apoio declarado do principal opositor de Rousseff, o senador Aécio Neves, candidato derrotado do PSDB na eleição presidencial do ano passado. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi pessoalmente a Buenos Aires para pedir votos para o governista Daniel Scioli. Ainda assim, a determinação do Planalto era, nas últimas semanas, não fechar portas.

Agora, os dois lados parecem empenhados em minimizar as diferenças e o principal motivo é pragmático: a interdependência política e, principalmente, econômica, já que a Argentina é a terceira maior sócia comercial do Brasil e destino de 7% das exportações brasileiras. A parceria entre os países esfriou nos últimos tempos e só neste ano, até setembro, o comércio bilateral encolheu 18%. Além das dificuldades econômicas que atravessam os dois países, as barreiras protecionistas impostas pela Argentina e a maior presença da China em certos segmentos no vizinho incomodam Brasília.

Conforme disse ao EL PAÍS Dante Sica, da consultoria ABECEB e ex-ministro da Indústria da Argentina, a própria perda de força do comércio internacional obrigará os dois países a procurar um novo padrão de relacionamento, algo que ele não julga difícil por causa da pouca sintonia que vê entre Rousseff e Cristina Kirchner.

Neste contexto, não é surpresa que os elogios mais entusiastas do Governo brasileiro a Macri nesta segunda-feira tenham vindo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um quadro liberal na gestão petista. Questionado sobre o “sopro liberal” no país vizinho em evento no Rio, Levy respondeu: “As dinâmicas na Argentina podem mudar, obviamente eles também têm um trabalho muito grande, mas até pela potencialidade do país eles certamente vão mudar a mecânica das coisas se forem mais pelo caminho do liberalismo econômico. Bastante coisa que tem que mudar, mas acho que essa é uma dinâmica mais favorável para o Brasil”.

Levy cobra o Congresso

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, alvo de inúmeras pressões para deixar o cargo, mas que conta com o apoio de Dilma Rousseff, participou no Rio de Janeiro nesta segunda do seminário "Reavaliação do risco Brasil", promovido pelo Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas. Durante o evento, o presidente da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), Eduardo Eugênica Gouvêa, respaldou repetidas vezes o trabalho de Levy, à diferença do seu homólogo em São Paulo, Paulo Skaf, que chegou a pedir sua saída. "Posso garantir que, no Rio de Janeiro, o ministro Levy tem o apoio do empresariado. Eles estão solidários com o seu esforço para recolocar em ordem a economia, apesar da conta pesada que mais uma vez terão a pagar. Podemos discordar desta ou daquela medida, como foi o caso do retorno da CPMF. Mas sabemos o quanto o ministro tem se empenhado em meio a um cenário adverso", disse o presidente da Firjan.

O ministro disse que, "do ponto de vista intelectual", o ajuste terminou e voltou a cobrar o Congresso. Não descartou aumento de impostos e mais cortes no Orçamento se o Parlamento demorar ainda mais em aprovar as medidas do pacote fiscal. Com o bloqueio da pauta no Congresso, o Brasil terá mais dificuldades em atingir a meta de um superávit de 0,7% do Produto Interno Bruto em 2016. “O problema é que na questão dos impostos existe a noventena [período de 90 dias para entrarem em vigor]. Como não foi votado em outubro e vai ser votado sabe-se lá quando, há perdas de meses de arrecadação. Isso talvez signifique que vai ter que aumentar o imposto mais do que o desejado? Talvez. Ou vai ter que cortar os gastos mais do que o planejado? Talvez. Porque, na verdade, você vai postergando as coisas e, é óbvio, que 0,7% ao longo do ano inteiro é uma coisa e 0,7% ao longo de oito ou nove meses é muito mais difícil. É puramente aritmético, e as pessoas têm que se dar conta disso", disse Levy.

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