_
_
_
_
_

Terror explicado às crianças

Colégios franceses ajudam os pais a superar o trauma dos atentados terroristas

Alunos voltam ao colégio nesta segunda-feira em Paris.
Alunos voltam ao colégio nesta segunda-feira em Paris.Bernardo Pérez

Os colégios da França fizeram um minuto de silêncio ao meio-dia para exorcizar o trauma dos atentados de 13 de novembro. O Ministério da Educação informou a decisão numa circular que pedia atenção especial à sensibilidade dos alunos. Não para esconder deles a tragédia, e sim para explicá-la ou amortecê-la em meio ao luto.

É o que fizeram alguns centros de ensino privado, como o Les Francs Bourgeois, cuja direção enviou aos pais no sábado um manual com medidas domésticas para se tomar em relação aos atentados. Como explicar o terrorismo aos nossos filhos? O que significa a França estar em guerra?

Mais informações
França identifica mais dois suicidas da matança jihadista de Paris
Por que o EI odeia a França
Ataque jihadista múltiplo foi preparado na Bélgica e na Síria
França inicia uma intensa ofensiva de bombardeios contra reduto do EI
Terroristas agiram em Paris com três equipes muito coordenadas
Alerta máximo em Paris em busca de terroristas que fugiram
Os atentados irrompem no tenso debate sobre refugiados
Terroristas gritavam: “faremos com vocês o que vocês fazem na Síria”

A ficção dos games e a distância de conflitos remotos se transformaram em perigos concretos, um salto da abstração à realidade que traumatizou Paris ao destruir as garantias cotidianas: o restaurante, o teatro, o campo de futebol.

Pode-se e deve-se chorar, aconselham os psicólogos franceses de forma unânime. Mas a catarse resultante tem melhor explicação no e-mail que os pais receberam do colégio Les Francs Bourgeois: “Chorar pelas pessoas que não conhecemos representa a maior demonstração de humanidade.”

Os terapeutas recomendam poupar as crianças menores dos detalhes escabrosos, mas não esconder as evidências dramáticas. Principalmente quando o medo e o luto são vistos em toda parte na sociedade francesa.

Por isso, a prestigiosa psicanalista Claude Helmos destaca a necessidade de falar. Os pais devem se antecipar às versões da sala ou do recreio. E devem organizar para as crianças um relato sem fissuras que mencione o terrorismo sem que o percebam necessariamente como uma ameaça concreta à sua vida cotidiana.

E no cotidiano, como explica o manual do Les Francs Bourgeois, deve-se “isolar” o núcleo familiar, o perímetro doméstico: a casa, o cachorro, os hábitos, a rotina, fomentando ao mesmo tempo uma decidida proteção afetiva.

É difícil consegui-la porque Paris se militarizou, porque as sirenes alarmam a cidade e porque a segurança foi reforçada também nas escolas, embora o problema mais delicado se refira à crueza das imagens e à vulnerabilidade que significa ter nas mãos um smartphone em ebulição de psicose.

“As crianças de até seis anos não podem se expor à TV. Não têm defesas para superar as imagens de sangue e dor extrema. A televisão, o computador e o celular se transformam nestas semanas em território sob os domínios e critérios do controle parental”, explica a professora Helmos.

Da teoria à prática, os pais “entregavam” seus filhos nesta segunda-feira com uma angústia profunda. Especialmente nos jardins de infância, evitando os jornalistas e preservando as crianças de influências excessivas.

Os pais devem se antecipar às versões da sala ou do recreio, organizando para as crianças um relato sem fissuras

“As crianças perguntam e perguntam sem parar”, dizia Francine, mãe de dois meninos pequenos, perto da Ecole Parmentier, “mas nem sempre temos argumentos para tranquilizá-las. Estão assustadas, rodeadas por uma comoção que nós, pais, tentamos dissimular. Não é simples estar à altura desse desafio.”

No Liceu Voltaire, o movimento desta manhã impressionava. Não só porque tem mil alunos, mas também porque havia ali uma espécie de silêncio funerário. O colégio fica bem perto da Praça da República e dos locais onde morreram alguns estudantes. Garotos como eles. Poderiam ser eles.

Diante disso, o colégio criou um escritório especial de ajuda psicológica. Christel Boury, diretora da imponente e gigantesca instituição, está consciente da hipersensibilidade ligada à volta às aulas: é preciso redigir um relato.

A tarefa não tem sido fácil para o professor de matemática Franck, entre outras coisas porque ele se viu diante de um grupo ensimesmado na sala de aula.

“Não queriam falar. Propus que o fizessem, mas a resistência a falar com os adultos mostra o envoltório que eles mesmos criaram. Defendem seu mundo, sua versão. E suas diferenças. Já não estamos falando dos muçulmanos em relação aos demais, que se sentem observados e se mostram suscetíveis, mas dos marroquinos em relação aos tunisinos e argelinos, para citar um exemplo do grau de comunitarismo arraigado nas escolas públicas francesas”, diz Franck no pátio do colégio.

É ali que o sinal sonoro convoca os professores e alunos ao meio-dia. E onde o minuto de silêncio, observado com respeito e certa comoção, precipita em seu desenlace uma ruidosa debandada, como se as crianças estivessem fugindo do pesadelo.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_