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Editoriais
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Primavera feminista no Brasil

Em outras nações, as mulheres lutam por salários iguais. No Brasil, para não retrocederem em suas conquistas

Manifestantes em defesa dos direitos das mulheres em protesto nesta quinta-feira o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na Avenida Paulista, em São Paulo.
Manifestantes em defesa dos direitos das mulheres em protesto nesta quinta-feira o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na Avenida Paulista, em São Paulo.Roberto Parizotti (Secom CUT)

Em 31 de outubro, cerca de 15.000 mulheres brasileiras saíram às ruas em São Paulo e outros milhares em outras grandes cidades do país. O protesto se reproduziu nesta quinta-feira, voltará amanhã e se repetirá no final do mês. Não é comum que as mulheres brasileiras saiam à rua para dizer “basta” ao machismo. Por isso, é algo que surpreendeu os cidadãos. Até o ponto de haver revistas, como Época, que batizaram a questão como “a primavera das mulheres brasileiras”.

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Há várias razões para essa explosão social não antecipada e imprevisível. Uma delas começou a engendrar-se após a realização, há algumas semanas, da edição brasileira do Masterchef infantil. As redes sociais ficaram depois povoadas de comentários machistas, pedófilos, grosseiros e ferinos destinados a uma competidora de 12 anos. Para chamar a atenção sobre isso, que reproduzia um comportamento muito disseminado no Brasil, um grupo feminista organizou uma campanha intitulada #primeiroassedio, onde se pedia às mulheres brasileiras que contassem seu primeiro caso de assédio sexual. Em quatro dias receberam 82.000 mensagens. A média de idade do primeiro abuso oscilava entre os 9 e os 10 anos. Daí a sair às ruas para gritar e dizer “basta” foi um passo.

O Congresso brasileiro, em sua tendência retrógrada impulsionada por um grupo de parlamentares evangélicos — comandados pelo contestado presidente da Câmara, Eduardo Cunha — também fez com que as mulheres saíssem à rua, não talvez para ganhar direitos, mas para conservar com unhas e dentes os que já possuem e veem que estão cambaleantes. O projeto de lei de Cunha (acusado, entre outras coisas, de manter contas na Suíça alimentadas pelos subornos da Petrobras) e seus seguidores ultraconservadores prevê, entre outras coisas, dificultar o acesso ao aborto para as mulheres estupradas, circunstância em que hoje é legalizado no Brasil. Um médico que trabalha em uma clínica onde se pratica o aborto em São Paulo resume a questão explicitamente: “Não se pode pôr a vida de uma mulher em perigo para satisfazer a crença de um deputado”.

O estupro — como o assédio — de mulheres brasileiras não é brincadeira nenhuma neste país latino-americano. Por ano ocorrem 500.000 violações. O Brasil é o quinto país mais violento do mundo para as mulheres.

Em outras nações as mulheres lutam por salários iguais, por paridade nos conselhos de administração, por leis que permitam conciliar o trabalho com a vida familiar. No Brasil, também. Mas, além disso, brigam hoje, nesta primavera brasileira, para não retrocederem em suas conquistas e, sobretudo, pelo direito de poder ir à rua (num ônibus ou no metrô) sem que ninguém as assedie ou insulte ou lhes falte com o respeito: para que as meninas de hoje não sofram os mesmos maus-tratos que sofreram e sofrem suas avós, suas mães e irmãs mais velhas.

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