_
_
_
_
_
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Contra o inverno conservador, uma primavera feminista

Nossa luta ganha força como ação permanente de defesa de nossas vidas e corpos

Fuzarca Feminista na Marcha das Margaridas.
Fuzarca Feminista na Marcha das Margaridas.Helena Zelic

Hoje, 12 de novembro, é mais um dia em que nós, mulheres de todo o país, vamos às ruas para garantir nossas conquistas já estabelecidas e ir além, para reivindicar mais. Diante das recentes iniciativas parlamentares e ameaças de retrocessos na política nacional, nossa luta cotidiana ganha força como uma ação permanente na defesa de nossas vidas, nossos corpos e uma agenda que se propõe a mudar o mundo através do feminismo.

O Projeto de Lei 5069/2013, de autoria do atual presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, é parte deste processo. A proposta restringe o atendimento a mulheres vítimas de violência sexual e o acesso delas ao aborto legal, exigindo Boletim de Ocorrência, exame de corpo de delito e retirando das instituições médicas a obrigação de realizar procedimentos, ceder medicamentos como a pílula do dia seguinte e o coquetel anti-DSTs e até de prestar informação às mulheres violentadas que desejam abortar dentro dos marcos da lei. Passar a exigir Boletim de Ocorrência e Exame de corpo de delito é retroceder em uma conquista nossa de muita importância: o reconhecimento da voz das mulheres como a única “prova” necessária para dar início ao atendimento médico.

Impedir a aprovação deste projeto é fundamental para assegurar os direitos das mulheres, e legalizar o aborto é urgente para garantir que mais nenhuma mulher seja silenciada, ameaçada, perseguida e morta por decidir sobre seu próprio corpo.

A proposta do deputado Eduardo Cunha se insere em uma agenda conservadora que não é nova, mas que há muito vem se articulando em diferentes espaços de poder, e que não por acaso tem nas mulheres um de seus principais alvos. Se estamos em marcha contra Eduardo Cunha hoje, é porque já há muito tempo marchamos contra outras pautas retrógradas que atingem a nós, mulheres. Na Marcha das Margaridas, maior manifestação de mulheres rurais do Brasil, nós, 70.000 mulheres, fomos pioneiras na campanha #foracunha, e Brasília ouviu nossa canção, que dizia “marcha, mulher, marcha, sua bandeira na mão empunha! Viemos de todo o Brasil pedir a cabeça do Eduardo Cunha”. Podemos citar, como parte dessa onda do conservadorismo dentro do Congresso, várias iniciativas de lei e mudanças constitucionais que alteram de forma significativa o cenário dos direitos atuais.

A resistência das mulheres aos retrocessos

Mais informações
Pautas conservadoras ganham fôlego na Câmara de Eduardo Cunha
Comissão que discute demarcação de terras será presidida por ruralista
Estatuto da Família, que retira direitos da união gay, avança na Câmara
Escudo de Cunha, bancada ‘Bala, Boi e Bíblia’ faz avançar pauta conservadora
As mulheres brasileiras dizem basta
Como cada deputado votou no PL 5069, que complica acesso ao aborto

Entre estas propostas, se destacam o PL 4330/2004, que colabora na precarização do trabalho através da terceirização, impactando de forma direta as mulheres negras, maioria entre as categorias excluídas de direitos trabalhistas; e a redução da maioridade penal que, somada à justiça racista e à polícia militarizada, atinge jovens negros, mas também às mulheres e meninas periféricas, seja por serem consideradas “cúmplices” de crimes, seja pelos cuidados a seus familiares presos.

Outra proposta tramitando no Congresso é o PL 3722/2012, que pretende revogar o Estatuto do Desarmamento e usa a nós, mulheres, como desculpa: como se precisássemos que os homens se armassem para nos defender, ao invés de mais políticas públicas para combate à violência contra as mulheres. Também está em discussão o Estatuto da Família, que compreende como família apenas a união entre homem e mulher e ignora todas as famílias de lésbicas, bissexuais e gays, além das tantas relações familiares possíveis em um mundo onde os homens não são responsabilizados por seus filhos.

Foi formulado o PL 215/2015, que altera os direitos assegurados no Marco Civil da Internet e permite a espionagem virtual sem necessidade de ordem judicial, o que para nós, mulheres em movimento, é ainda mais um risco à nossa segurança; e foi desarquivada por Cunha a PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional – ocupado por ruralistas – a palavra final no já lento processo de demarcação de terras indígenas e quilombolas e torna político o processo que hoje é administrativo.

O mundo sob a ótica feminista

Esses enfrentamentos fazem parte de uma agenda feminista que, através da auto-organização e da aliança com movimentos sociais, luta pela autonomia das mulheres, desmilitarização, autodeterminação dos povos, alternativas produtivas dos territórios e pela garantia do Estado laico. O movimento de mulheres, junto com outros movimentos sociais, nos mobilizamos contra essa onda que parece tomar conta do debate público e nos manifestamos apresentando nossas alternativas.

As mulheres seguirão em marcha, hoje contra as ameaças impostas por Eduardo Cunha, a Bancada “Boi, Bíblia e Bala” e o Congresso mais conservador do período democrático - estaremos no dia 18 de novembro, na Marcha das Mulheres Negras, contra o machismo e o racismo e pelo bem viver, e no 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres, para um ato nacional localizado simultaneamente em diversos estados do país; e seguiremos em marcha permanentemente, rumo ao mundo que queremos: com igualdade, liberdade e autonomia para decidirmos sobre nossos corpos, nossas vidas e nossos territórios. Ocupamos mais uma vez as ruas para exigir a legalização do aborto e o direito de decidir sobre a maternidade. Ao lado de todas as mulheres que se mobilizam agora contra o retrocesso, lutamos pela possibilidade de construirmos, juntas, uma vida que vale a pena ser vivida.

Helena Zelic e Sarah de Roure, são da Marcha Mundial das Mulheres

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_