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Por que meus amigos acabam chorando quando bebem

O etanol é uma molécula que faz malabarismos no cérebro

Sergio C. Fanjul

Tomamos um vinhozinho, uma cervejinha e passamos (por que não?) aos destilados: chega aquele momento de excitação e euforia, a conversa flui solta, quebram-se as inibições, a timidez, tudo é maravilhoso, uma festa; enquanto engolimos goles e mais goles, brindamos a noite e a amizade e, de repente, como um dique que se rompe liberando toda a água... começamos a chorar. A chorar como se não houvesse futuro. O álcool etílico, etanol, é uma molécula curiosa. Dependendo da quantidade que ingerimos, ele pode nos levar de uma leve e alegre euforia a um estrago de ordem sentimental. “Em geral, o álcool é uma substância que inibe o sistema nervoso, sedativa e calmante: que diminui a atividade cerebral, segundo o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA, embora, em doses reduzidas, possa agir como excitante”, explica o pesquisador David Rodríguez, professor da Universidade da Salamanca e autor do livro Alcohol y cerebro [Álcool e Cérebro].

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Tudo tem a ver com o funcionamento químico da massa cinzenta. Os bilhões de neurônios que se comunicam dentro do nosso cérebro o fazem através de neurotransmissores, alguns compostos químicos que transmitem informação de um neurônio a outro em sequência e sobre os quais certamente você já ouviu falar quanto à sua relação com a alegria, a tristeza, o amor e o esporte: a serotonina, a dopamina, as endorfinas, a acetilcolina etc. O álcool, como as outras drogas, interfere nessa comunicação. As emoções se misturam umas às outras.

O sistema límbico, segundo a MedLine Plus, é o encarregado de controlar as questões da memória e as emoções no encéfalo (parte superior e com maior massa no sistema nervoso central). E, logicamente, pode chegar a ser afetado quando se bebe demais. Neurotransmissores entorpecidos, encéfalo alterado... É por isso que, em várias manhãs, acordamos sem lembrar do que aconteceu na noite anterior. E é também por isso que na noite anterior experimentamos uma espécie de carrossel maluco de emoções: mudanças de humor e emoções extremas. Daí a se acabar como um fracassado e com os olhos marejados, é apenas um passo. O álcool em excesso nos torna histriônicos. Se já tendemos à melancolia sem beber, a coisa só piora se acrescentamos uns copos.

Um ‘guerreiro’ contra os efeitos do álcool no cérebro

A bebedeira, também conhecida como binge drinking, é um termo que muitas vezes associamos à farra ou algum tipo de ingestão descontrolada. Um grupo de cientistas da Universidade Complutense de Madri pesquisou os efeitos desse tipo de consumo agudo no cérebro e, além disso, descobriram uma molécula que poderia reparar os estragos. Essa panaceia se chama oleoiletanolamida (OEA) e é um dos compostos encontrados no chocolate, responsável pela saciedade. Ele possui propriedades neuroprotetoras.

A equipe da pesquisadora Laura Orío submeteu ratos a altas doses de álcool em pouco tempo (o equivalente a cinco taças em três horas, o que se pode beber em uma noite inteira de festa, ou seja, uma espécie de farra para os roedores). “Diante desse grande aumento da concentração de álcool no sangue, ocorre um dano cerebral”, afirma a pesquisadora Laura Orío. “Surge uma resposta inflamatória, o sistema imune é acionado de maneira excessiva”.

A OEA atua como um poderoso anti-inflamatório no nível cerebral, inibindo a inflamação e os sinais do estrago. “Isso poderia diminuir os efeitos negativos posteriores ao consumo de álcool (a ressaca, falando claramente) e ajudar na questão da síndrome de abstinência no caso dos alcoólatras”, conclui Orío.

Assim, o consumo de bebida pode proporcionar, inicialmente, momentos de euforia e de choro antes mesmo que se produzem efeitos não tão agradáveis, como a perda do controle motor, a falta de coordenação dos movimentos, a alteração da visão, o mal-estar generalizado etc. “Esses efeitos inibidores podem levar a pessoa a cair em coma, ou até mesmo a morrer”, alerta Rodríguez. “É pouco frequente, porém, que se chegue a esse ponto, pelo fato de que uma pessoa muito bêbada já não consegue nem sequer levar um copo à boca. Um exemplo do efeito inibidor do álcool é que quando bebe muito a pessoa acaba na cama ou dormindo no sofá com a televisão ligada”.

Em longo prazo, o álcool molda o cérebro à sua medida. “Este se adapta, e é aí que se produz a dependência”, explica o especialista. “Chega-se a um momento em que o alcoólatra já não bebe para obter prazer e relaxamento, mas sim porque essa é a única forma de ele estar na normalidade, de reequilibrar a sua química cerebral. De fazer com que pare o tremor de suas mãos pelas manhãs. E é preciso levar em conta que, se beber álcool é uma escolha, ser alcoólatra já é uma doença”.

É preciso tomar cuidado com o etanol, porque, na Espanha ou no Brasil, por exemplo, o consumo de álcool é bastante admitido socialmente, integrado à vida cotidiana, a tal ponto que não se concebem eventos comemorativos familiares ou festas populares sem a sua presença. Mas a tendência que se observa é positiva: a taxa de alcoolismo entre os espanhóis caiu pela metade nos últimos 30 anos e o consumo anual por pessoa está em torno de 9,8 litros de álcool puro, dentro da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que divulga esses dados. O equivalente a duas latas de cerveja por dia (deve se considerar que esses dados se referem a uma média, ou seja, incluem os abstêmios. Portanto, os que bebem, bebem mais do que isso).

Mas o grande problema, segundo Rodríguez, é que o primeiro contato com o álcool se realiza aos 16 anos, quando o desenvolvimento do cérebro ainda não está completo, e 70% dos que consomem conseguem obter a bebida com facilidade em pubs, discotecas e supermercados. “O tema do álcool é algo que temos de nos colocar como indivíduos e como sociedade”, conclui o cientista. Com ou sem lágrimas no meio do caminho.

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