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O OBSERVADOR GLOBAL
Coluna
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A natureza humana contra a mãe natureza

O vício ao consumo de carbono é tão difícil de ser rompido quanto a dependência do tabaco

Moisés Naím
Urso polar no ártico canadense, em setembro.
Urso polar no ártico canadense, em setembro.Clement Sabourin (AFP)

A mãe natureza está mandando sinais. O ano de 2015 caminha para ser o mais quente da história. Há algumas semanas, o furacão Patrícia, o mais forte já registrado pelos meteorologistas, gerou ventos de 320 quilômetros por hora, um recorde.

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Segundo a ONU, o número de tempestades, inundações e ondas de calor está cinco vezes maior que em 1970. Apesar de este aumento certamente se dar porque agora temos mais informações do que naquela época, todos os estudos evidenciam como os fenômenos climáticos extremos estão mais frequentes: temperaturas extraordinariamente altas ou baixas, chuvas torrenciais, secas, incêndios, etc. O número de pessoas desabrigadas por causa de desastres climáticos não tem precedentes e supera a quantidade de desabrigados por conflitos armados.

Um recente estudo concluiu que até o final do século alguns centros de população do golfo pérsico “experimentarão níveis de calor e umidade intoleráveis para os humanos”. O sudeste asiático também está exposto a esse tipo de ameaça. Nessas análises, “intolerável” não significa muito incômodo; significa que ficar ao ar livre por algumas horas implicará risco mortal.

Depois de décadas de debates, os cientistas concluíram que essas mudanças climáticas se devem ao aumento das emissões de gases produzidos pela atividade humana. Ainda existem céticos que duvidam disso, mas são cada vez menos. E em alguns casos, o ceticismo é nutrido por “estudos científicos” tendenciosos financiados por atores que seriam prejudicados caso o mundo decida mudar a maneira como produz e consome energia. E sabemos que, até agora, o mundo não se mostrou capaz de atuar com eficácia para modificar sua desastrosa trajetória em relação ao aquecimento global.

Mas essa inação diante de uma crise cada vez mais óbvia não se deve, em essência, às manipulações de empresas e países que querem proteger seus interesses às custas do bem de todos.

Deve-se à natureza humana.

É muito difícil alterar hábitos e costumes. Todas as investigações mostram que a grande maioria dos que começam uma dieta para baixar o peso a abandonam antes de alcançar seu objetivo. Quem já tentou deixar de fumar sabe o quanto isso é difícil, devido ao vício que é a nicotina. Também sabemos que não há nada mais eficiente para modificar hábitos, dietas e estilos de vida pouco saudáveis do que um infarto que não nos mata. Em muitos, esse susto produz mudanças positivas que pareciam impossíveis. Será que necessitamos de um grande susto coletivo para mudar a forma com a qual nos relacionamos com nosso planeta?

Os sinais que a natureza está nos enviando não são suficientes? Até agora, não. Mas tudo indica que chegará um infarto climático que obrigará a humanidade a fazer uma dieta para a qual não está preparada.

O vício que o mundo tem hoje em dia pelo consumo de carbono é tão difícil de romper quanto o vício com o tabaco, o açúcar ou o álcool que algumas pessoas têm. A maneira como iluminamos, aquecemos ou esfriamos nossas casas e escritórios, nossos meios de transporte ou os produtos que consumimos — de plásticos a hambúrgueres — implicam um alto consumo de carbono que, uma vez emitido à atmosfera como CO2, contribui para aquecer o planeta e enlouquecer o clima. E isso tem que mudar.

Se é difícil uma pessoa manter uma dieta, é ainda mais que muitos países façam isso coletivamente. É complicado para todos. Por isso, alguns países trapaceiam. Outros pedem que a dieta dos mais gordos seja mais severa que a dos mais magros. E outros exigem que os países que desde a revolução industrial estão contaminando o planeta e sua atmosfera sejam os responsáveis pela dieta, e não aqueles que ainda estão se industrializando.

A primeira conferência mundial sobre o meio ambiente aconteceu no Brasil, em 1992. A próxima terá lugar em Paris, daqui a algumas semanas. Entre elas, houve muitas outras reuniões e muito pouco progresso. A reunião de Paris promete ser a que mais conseguirá avanços e é provável que seja assim mesmo.

No entanto, mesmo que seja bem-sucedida, as metas planejadas para a redução de emissões estão abaixo das necessárias para evitar que a temperatura aumente a níveis perigosos. Dessa forma, a inércia da natureza humana continuará desafiando a mãe natureza. E não importa que saibamos que, no final, a mãe natureza sempre vence.

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