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Fórmula 1: A lenda dos irmãos Rodríguez

As mortes de Ricardo e Pedro em corridas, e depois de Moisés Solana, em um período de apenas nove anos, enterraram de forma abrupta a melhor geração de pilotos mexicanos

Juan Diego Quesada
Pedro Rodríguez, no GP do México de 1967.
Pedro Rodríguez, no GP do México de 1967.SCUDERIA HERMANOS RODRÍGUEZ

A cada 26 de maio, dia de seu aniversário, Adolfo López Mateos recebia de presente uma Ferrari último modelo. O presidente mexicano, que se penteava de acordo com a moda dos grandes atores da época e ostentava um relógio de ouro, percorria as estradas da Cidade do México quase deitado no bólido italiano, como se estivesse derrubado em um caixão. O empresário que lhe presenteava religiosamente o carro, Pedro Rodríguez, outro fanático das corridas, o convenceu a construir durante seu mandato um dos maiores autódromos do mundo, uma obra atemporal que faria com que seu nome jamais fosse apagado da história e se associasse para sempre a essa versão moderna do coliseu romano, onde os homens competem e morrem a toda velocidade.

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O circuito foi construído no final dos anos cinquenta. Don Pedro Rodríguez percorreu as obras com o presidente e lhe recomendou que a pista tivesse uma parte oval, como a de Monza. O recinto que três anos depois acolheria pela primeira vez uma corrida foi batizado com um nome asséptico: Magdalena Mixhuca. Assim era chamada a cidade esportiva na qual foi construído. Catorze anos mais tarde, porém, passaria a chamar-se Hermanos Rodríguez (Irmãos Rodríguez, na tradução para o português), em homenagem aos dois filhos de don Pedro. Ambos haveriam de morrer de forma trágica nas pistas de corridas.

Com a morte de Ricardo Rodríguez (1942-1962) em uma das curvas que seu pai se empenhou tanto em traçar, o desaparecimento anos depois de Moisés Solana (1935-1969) em uma competição irrelevante e, por último, o acidente fatal na Alemanha com Pedro Rodríguez (1940-1971), o irmão mais velho de Ricardo, o México enterrou de forma abrupta a melhor geração de pilotos que tivera até então. Os três morreram em um lapso de nove anos.

Os irmãos Rodríguez haveriam de morrer de forma trágica nas pistas de corridas

Na década de sessenta, o México se entusiasmou com o automobilismo. Sem enrubescer, a imprensa mexicana começou dar inventar apelidos para os torcedores mais fanáticos. Entre os mexicanos se popularizou a expressão “esse está se achando um Taruffi”, como o popular piloto italiano, para indicar os motoristas que não respeitavam a velocidade na cidade, segundo recorda o historiador Alejandro Rosas no livro Héroes al Volante. As autoridades temiam que, por puro entusiasmo, os mexicanos se lançassem às pistas a tourear os carros de corrida, mas Rosas considera que o espírito cívico imperou em uma sociedade que começava a se abrir para o mundo. A modernidade havia chegado em forma de bólido.

O autódromo foi inaugurado em 1959 com a corrida 500 Quilômetros do México. López Mateos acompanhou a competição com uma viseira de papelão que o protegia do sol. A corrida durou quatro horas, eternas para muitos dos que haviam chegado acelerados no começo. Os que aguentaram até o final viram Pedro Rodríguez ganhar, seguido de Moisés e, em terceiro, Ricardo. Uma classificação inversa à data em que se produziram as mortes.

Pedro Rodríguez (número 28), Ricardo (57) e Goerge Constantine (49), em uma edição do Governor’s Trophy.
Pedro Rodríguez (número 28), Ricardo (57) e Goerge Constantine (49), em uma edição do Governor’s Trophy.SCUDERIA HERMANOS RODRÍGUEZ

“Ricardo era um rapaz impulsivo. Muito arrojado, não tinha medo de nada”, conta Carlos Jalife, autor da biografia mais extensa e detalhada escrita sobre os irmãos. Seu livro é um tijolão semelhante a Guerra e Paz e inclui mais de 4.000 fotografias. Se a carreira de Ricardo não tivesse sido truncada aos 20 anos, Jalife acredita que teria ganhado algum título mundial da Fórmula 1 e o México poderia se gabar de ter tido um dos melhores corredores em uma modalidade com lendas como Jim Clark. Isso não chegou a acontecer.

Ricardo conduzia uma Lotus nos dias de teste do primeiro campeonato disputado em sua terra. Era 1962. A Ferrari, sua equipe, não quis viajar já que a corrida não pontuava no Mundial. Antes de acabar o dia, o rapaz quis dar uma última volta para comprovar se os mecânicos tinham corrigido alguns defeitos do carro. Jalife diz que beijou a mão de don Pedro antes de ele arrancar.

“Vou testá-lo por uma volta, e venho, não demoro”, despediu-se Ricardo Rodríguez

“Vou testá-lo por uma volta, e venho, não demoro”, despediu-se Ricardo.

A Lotus fez a curva mais perigosa do circuito, La Peraltada, a 180 quilômetros por hora. O carro “empinou como um cavalo de rodeio”, lembra o escritor. O piloto, que não tinha atado o cinto de segurança por medo de morrer queimado em caso de acidente, foi lançado para fora e se chocou contra uma barreira. Ricardo estava “partido em dois, sustentado pela pele da cintura”.

O piloto argentino Juan Manuel Fangio visitou seu túmulo uma semana depois. Sara, a esposa de Ricardo, recebeu do seguro uma indenização de 4.000 dólares (15,5 mil reais). Enzo Ferrari acrescentou ao montante outros 5.000 dólares. López Mateos entregou à mulher a concessão de um posto de gasolina por toda a vida.

Pedro (à esq.) e Ricardo Rodríguez.
Pedro (à esq.) e Ricardo Rodríguez.SCUDERIA HERMANOS RODRÍGUEZ

A história funesta do automobilismo mexicano havia apenas começado a ser escrita. Sua maior promessa desaparecia das pistas. Pedro, mais equilibrado que Ricardo, e dois anos mais velho, ficou um tempo sem competir depois da tragédia. Quando regressou, algo havia mudado nele: não conhecia o medo. Era o equivalente do boxeador Julio César Chávez, capaz de aguentar a investida de um trem expresso. Entre 1963 e 1971, conseguiu duas vitórias e sete pódios em 54 corridas de Fórmula 1.

Em 1970, um ano antes de sua morte, o humor dos mexicanos era muito diferente do de 10 anos antes. Depois da matança de estudantes em Tlatelolco, o Governo tinha encerrado os militares nos quartéis, e eram eles que se haviam ocupado até esse momento da segurança no Grande Prêmio. Uma multidão apareceu de modo imprevisto no autódromo. Calcula-se que havia 200.000 pessoas, o dobro da capacidade. As pessoas cruzavam as pistas como se fossem comprar pão.

Na volta 33 das 65 previstas, o escocês Jackie Stewart atropelou um cachorro a 200 quilômetros por hora. “Atingi um cachorro”, gritou ao sair do carro. “Foi uma das piores corridas jamais realizadas na história da Fórmula 1”, afirma Rosas depois de resumir o ocorrido.

“Corro hoje em Nuremberg; telefono depois da corrida”, foi o último telegrama de Pedro Rodríguez

Acostumado àquelas corridas caóticas, embora de alta competitividade, Moisés Solana não deveria ter tido nenhum problema em uma hill climb (subida em uma colina) a algumas horas do DF. A essas alturas, 1969, já tinha corrido para a Ferrari e a Lotus. Durante a competição, Solana bateu em uma guia de proteção e saiu voando. O carro caiu em cima dele e se incendiou. Solana era um grande jogador de pelota basca. Seu pai declarou ao jornalista Antonio Aspiros que o autódromo deveria levar o nome de seu filho.

A última coisa que Pedro fez em vida foi enviar um telegrama ao pai: “Corro hoje em Nuremberg; telefono depois da corrida”. Essa comunicação interrompida ficará para sempre no ar. Pedro corria as 200 milhas de Norisring quando se espatifou contra a balaustrada de uma passagem de nível e caiu do outro lado. O piloto Graham Hill disse ao inteirar-se do acidente que ele morreu “no cume do mundo”. O mítico jornalista Jacobo Zabludovsky informou a morte a todos os mexicanos através do televisor.

Três vidas no asfalto

  • Pedro Rodríguez da Vega (1940-1971) disputou 54 corridas entre 1963 até sua morte. Somou duas vitórias e sete pódios, e correu pela Lotus, Ferrari, Cooper e BRM.
  • Ricardo Rodríguez da Vega (1942-1962) teve uma carreira muito mais efêmera: somente cinco corridas com a Ferrari até perder a vida.
  • Moisés Solana Arciniega (1935-1969) também esteve nas equipes da Lotus, Ferrari, Cooper, BRM e McLaren, embora só tenha participado de oito corridas.

Os empregados da Lufhtansa que baixaram o caixão do avião quatro dias mais tarde, ao chegar o México, se encontraram com dona Conchita, a mãe. Jalife recorda que ela colocou um ramo de rosas em cima do féretro. Alguém acrescentou um capacete. O cadáver foi sepultado no Panteão Espanhol, ao lado de seu irmão Ricardo. Perto descansam os restos de Solana. Nesse cemitério de estilo gótico, com criptas mais suntuosas que algumas casas dos vivos, está enterrada a geração perdida do automobilismo mexicano.

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