_
_
_
_
_

Rússia negocia transição na Síria com Estados Unidos e aliados

Trata-se da primeira vez que os dois blocos falam sobre o assunto

Juan Carlos Sanz
John Kerry, e o chanceler, Sergei Lavrov.
John Kerry, e o chanceler, Sergei Lavrov.CARLO ALLEGRI (AFP)

Os chefes da diplomacia da Rússia, Estados Unidos, Turquia e Arábia Saudita reuniram-se em Viena nesta sexta-feira para discutir a situação na Síria, em um encontro sem precedentes desde o início da guerra no país árabe, há mais de quatro anos. A capital austríaca é palco de uma maratona de negociações sobre o Oriente Médio, tendo em vista também a reunião do Quarteto (EUA, Rússia, União Europeia e Nações Unidas) devido à escalada da violência entre israelenses e palestinos. Depois da reunião surpresa na terça-feira com Bashar al-Assad, o presidente russo, Vladimir Putin, antecipou na quinta-feira que Moscou pretende consultar os principais países envolvidos no conflito para buscar uma solução política, por meio de uma transição, com uma supervisão internacional que inclua o presidente sírio.

Mais informações
Rússia estreita laços com Síria para afirmar-se como potência mundial
Após ajuda russa, regime sírio recupera cidades estratégicas
Exército sírio avança com apoio russo, em marco da Guerra Fria
EUA suspendem programa de formação de rebeldes sírios

A guerra na Síria transformou-se em um conflito de repercussões internacionais, causando 250.000 mortes e mais de quatro milhões de refugiados. No terreno, a presença de forças russas, combatentes xiitas do Hezbollah, iranianas e libanesas, em apoio ao regime de Damasco, contra as milícias multinacionais jihadistas como a Frente al-Nusra (uma filial da Al Qaeda) e o Estado Islâmico (EI). No espaço aéreo, onde uma coalizão de países islâmicos e ocidentais liderados por Washington vem bombardeando o EI há mais de um ano, a aviação de combate russo lançou, desde 30 de setembro, mais de 800 operações contra posições rebeldes, em sua maioria não pertencentes ao Estado islâmico.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e o ministro de Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, reuniram-se separadamente antes de se sentarem à mesa de negociações com seus homólogos da Turquia, Feridun Sinirlioglu, e da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir, os dois países sunitas em confronto aberto com o regime pró-xiita de al-Assad e que apoiam algumas forças rebeldes sírias. Ao sair da reunião, Lavrov disse que sua intenção é que o Irã e o Egito participem de futuros diálogos sobre a Síria. "Pedimos que os contatos futuros aconteçam de forma mais representativa", disse, segundo informações da Reuters.

Lavrov também quis esclarecer que não há nenhum acordo sobre o destino do presidente sírio al-Assad. "Circularam rumores de que estamos aqui acertando um acordo para que, depois de algum tempo, o presidente al-Assad saia. Isso não é assim", informou a agência Efe, citando a mídia russa. "Nossa postura é que o destino da Síria, o destino do presidente e de outras autoridades deve ser decidido pelos próprios sírios", afirmou. No entanto, o ministro de Relações Exteriores saudita disse que o destino de Bashar al-Assad é que marcou a falta de acordo na reunião, segundo a Reuters. Kerry disse que os representantes podem se reunir novamente na próxima sexta, 30 de outubro.

Após uma conferência realizada na quinta-feira em Sochi, às margens do Mar Negro, Putin afirmou que "com a luta contra o terrorismo (...) podemos criar as condições para iniciar (...) um processo político", segundo informações da França Presse. O chefe do Kremlin, que rejeitou dividir a Síria para acabar com a guerra, também revelou que, em sua reunião com o presidente sírio, este se mostrou disposto a participar de uma frente comum com algumas forças rebeldes na luta contra o Estado Islâmico. A Rússia, por sua vez, apoiaria essas milícias em uma ofensiva contra o EI.

Tanto os Estados Unidos quanto a Turquia deixaram de exigir a saída de al-Assad como condição prévia para a abertura de um processo de negociação. Admitiram, na linha pragmática já adotada por países ocidentais como Reino Unido e Espanha, que o presidente sírio poderia continuar no cargo por um tempo no início da transição. A Arábia Saudita permanece inflexível quando se trata de pedir a renúncia de al-Assad.

Os Estados Unidos —que já aceitaram se coordenar com a Rússia, como fez Israel, para evitar incidentes no espaço aéreo sírio— lembraram na quinta-feira em Berlim, nas palavras de Kerry, que, no caminho da solução política, “o principal obstáculo é uma pessoa chamada al-Assad".

"A Rússia tem agora mais possibilidades do que qualquer outro país para iniciar um processo político na Síria", disse Ivan Konovalov, diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Moscou, em entrevista à Reuters. Essa iniciativa de mediação diplomática parece ter como pano de fundo uma virada política do Kremlin que conduza ao fim das sanções internacionais contra a Rússia, devido à sua intervenção na Ucrânia. Putin quer assumir o controle de uma coalizão internacional para derrotar o Estado Islâmico e assim redimir-se de sua condição de pária internacional, especialmente após a queda dos preços do petróleo, que sustenta a economia russa.

 

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_