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E, apesar da provas, tudo ainda gira em torno do tóxico Eduardo Cunha

Presidente da Câmara, cada vez mais acossado no cargo, tenta negociar impeachment

Antonio Jiménez Barca

Em 10 de abril de 2000, a apresentadora de um telejornal de uma emissora carioca, Claudia Cruz, deu, com uma cara de poker, a notícia da destituição por suposta fraude do diretor da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro. O tipo em questão era um então desconhecido Eduardo Cunha. E a apresentadora com cara de poker era sua própria mulher informando, para sua desgraça, o destino do marido. Já se passaram 16 anos e o ultraconservador Cunha, nascido no Rio de Janeiro em 1959, já bastante conhecido, protagoniza todos os telejornais. Sua mulher, que nas contas na Suíça que engordam o escândalo se identifica simplesmente como “dona-de-casa”, também.

Eduardo Cunha, o polêmico e poliédrico presidente do Câmara, homem-chave na crise política que está fazendo sangrar o país – já que, por prerrogativas de seu cargo, ainda é o encarregado de lançar (ou não) o processo de destituição parlamentar (impeachment) contra sua inimiga declarada, a presidenta Dilma Rousseff –, fica mais acossado à medida que passam os dias: nesta semana, a Procuradoria-Geral da República tornou públicas várias contas abertas por ele na Suíça em nome da mulher e da filha, pelas quais foram movimentados mais de 24 milhões de dólares. Esse dinheiro, segundo a Procuradoria, provém de subornos de empresas que conseguiram contratos polpudos com a Petrobras. Ele, uma figura controversa desde sempre, cada vez mais acossado e cambaleante, mas ainda com o poder intacto, nega tudo e diz se sentir vítima de uma perseguição política.

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Cunha, membro destacado da igreja evangélica, dono de centenas de domínios de internet nos quais aparece a palavra “Jesus” sem que se saiba muito bem o porquê, promotor há anos de um projeto de lei para criar o “Dia do Orgulho Heterossexual”, é, além disso, um parlamentar habilidoso, calculista e astucioso, obcecado pelo trabalho e conhecedor como ninguém dos regulamentos do Congresso.

Durante esta semana, ameaçou constantemente desencadear um imprevisível processo de impeachment, algo que só o presidente da Câmara pode fazer. Mas sem se decidir. Ele sabe que assim que fizer isso perderá automaticamente seu poder de negociar por sua sobrevivência. E precisa negociar: além do que resultar da revelação das contas na Suíça, um grupo de deputados já o denunciou à Comissão de Ética por considerá-lo corrupto e pede sua destituição. Para ganhar os votos necessários nessa comissão que pode afastá-lo do cargo, Cunha, em uma espécie de leilão silencioso, promete com uma mão ao Governo de Dilma Rousseff esquecer o processo de impeachment e com outra, à oposição, colocá-lo em andamento. Ninguém sabe que caminho ele vai seguir. Mas precisa seguir um. Um especialista em política radicado em Brasília assegura: “Se ele ficar quieto, afunda”.

Enquanto isso, sucedem-se as crescentes revelações e os detalhes quase obscenos sobre suas contas na Suíça (viagens em avião particular pagas pelos intermediários da Petrobras, um Porsche Cayenne de 400.000 reais utilizado por sua mulher incluído em uma conta denominada Jesus.com) e cresce a pressão sobre ele, deixando-o em xeque – ou fazendo-o cair no ridículo –, já que em março, em uma Comissão Parlamentar de Investigação, havia garantido solenemente que não tinha nenhum dinheiro no exterior. Hoje os jornais mostram a cópia do passaporte com que abriu as famosas contas, os endereços e telefones no Rio de Janeiro e em Brasília que forneceu para abri-las e a razão pela qual pedia que a correspondência de suas operações secretas fosse enviada a Nova York: “O sistema postal brasileiro não é muito confiável”, afirmou, segundo a Procuradoria.

Eduardo Cunha e sua mulher Cláudia Cruz.
Eduardo Cunha e sua mulher Cláudia Cruz.

Ele continua negando tudo, acusando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de persegui-lo politicamente e de estar por trás de tudo. Em um comunicado oficial, acrescenta, maliciosamente: “É muito estranha essa aceleração de procedimentos (…) às vésperas das decisões sobre o impeachment”.

Antes de ser deputado, foi funcionário de escritório, corretor de seguros, economista, agente de bolsa e empresário de rádio, entre outras coisas. Começou sua carreira política ao lado de Paulo César Farias, tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello, que renunciou à presidência acossado por suspeitas de corrupção antes que fosse iniciado contra ele um processo de impeachment em 1992. Um ano antes, Cunha tinha sido nomeado presidente da Empresa de Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro (Telerj). Ali, entre outras coisas, ampliou o uso do celular no país, colocou a voz de sua amada Cláudia Cruz nas secretárias eletrônicas e nas mensagens de voz e foi, finalmente, acusado de irregularidades por contratos obscuros e superfaturamentos.

Pertence ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), uma formação cuja ideologia se adapta dependendo de onde sopre o vento do poder. Mas também é líder do grupo de deputados evangélicos, que engloba 52 dos 513 membros da Câmara dos Deputados. Parecem poucos, mas, dada a fragmentação do Congresso brasileiro, não são tão poucos assim. Também faz parte da chamada “bancada da bala”, que defende a liberalização da posse de armas. Durante sua vida parlamentar, apresentou projetos de lei que beiram o insulto, como um em defesa dos direitos dos heterossexuais. Antiabortista furioso, é partidário de castigar com dez anos de prisão os médicos que atenderem mulheres desejosas de interromper sua gravidez.

Com as últimas revelações sobre suas contas na Suíça, muitos o dão por acabado. Mas não todos, começando por ele mesmo. Um analista político que o conhece de Brasília afirma que ele está acostumado a andar a toda velocidade em ambientes hostis e com muita pressão. Já foi comparado muitas vezes com o inteligente, cínico, bissexual, intrigante, maquiavélico e obcecado pelo poder Frank Underwood, protagonista da série norte-americana House of Cards, um congressista de Washington capaz de arremessar uma jornalista nos trilhos do metrô para silenciar uma informação. “Não sou como ele”, respondeu de forma reveladoramente curta meses atrás. “Não sou assassino nem homossexual.”

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