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Que delícia, um bicho na salada

União Europeia permite regulamentar o consumo de insetos como alimento

Xosé Hermida
Mulher come inseto em bar de Valladolid (Espanha).
Mulher come inseto em bar de Valladolid (Espanha).EFE

Na Espanha, consideram os caranguejos-aranha (centollas) —espécie de aranhas marinhas gigantes, cobertas de pelos e com um caldo excrementício—, um manjar dos deuses. Come-se polvo, tentacular, gelatinoso e cheio de ventosas como tapas. Mas a ideia de comer gafanhotos, formigas ou lagartas  parece repugnante, apesar de quase um terço da população mundial consumi-los habitualmente, uma dieta que vem do início da civilização e que criou raízes em grandes regiões da Ásia, África e América Latina. A FAO, agência alimentar da ONU, em 2013, considerou os insetos a despensa do futuro diante do risco de uma fome em massa devido ao aumento exponencial da população do planeta. Agora a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, em sua sigla em inglês) acaba de dar o primeiro passo a fim de regulamentar a comercialização de invertebrados terrestres para consumo humano.

Hambúrgueres, nuggets e patês de insetos já apareceram nos supermercados belgas. Ali e na vizinha Holanda, a produção e venda dessas novas iguarias já está regulamentada, uma medida que a França está estudando e que no Reino Unido já existe na prática. Os belgas até patentearam um novo eletrodoméstico: o criadouro de larvas de mosca. Na Espanha, no entanto, a Agência de Consumo, Segurança Alimentar e Nutrição (Aecosan) resolveu em março passado, por “precaução”, prorrogar outro acordo de dois anos antes e continuar proibindo esse comércio gastronômico. Fontes do Ministério da Saúde, à qual a Aecosan está subordinada, afirmaram que estão esperando a publicação de uma norma sobre novos alimentos que Bruxelas prevê aprovar em um mês.

Eduardo Galante experimentou o sabor de larvas de escaravelho-vermelho, lagartas de borboletas e crisálidas do bicho-da-seda. “E são deliciosas. Se comemos arroz com camarão, por que não com gafanhoto?”, propõe esse catedrático de Zoologia Animal, presidente da Associação Espanhola de Entomologia, que instituiu em sua faculdade em Alicante o hábito, “com grande sucesso”, de uma degustação anual de insetos. Este ano desistiu, depois de saber de uma proibição que rejeita: “É fruto da ignorância. Os insetos são comidos desde a pré-história, e se são criados e embalados com garantias, seu consumo não representa nenhum risco. Mas, para os europeus, soa repulsivo e parece que a Aecosan se deixou levar por isso”.

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Os divulgadores desta dieta apresentam argumentos nutritivos e ambientais. Os insetos têm um alto valor proteico e suas gorduras são mais saudáveis. A criação de invertebrados consome menos matérias-primas e não produz gases de efeito estufa como as fazendas de gado. Argumentos similares foram apresentados pela FAO há dois anos em um relatório —concluído com um congresso em 2014— que alertava para a ameaça de crise alimentar em meados do século, quando o planeta chegará a uma população de 9 bilhões, e destacava os insetos como possível solução. O passo seguinte foi dado pela Comissão Europa ao encomendar à EFSA o relatório de avaliação de riscos, divulgado no dia 8 passado, passo prévio habitual em Bruxelas antes da liberação de um produto. Os especialistas em segurança alimentar detalham uma série de perigos potenciais que podem ser prevenidos com medidas muito semelhantes às aplicadas a outros alimentos: controles higiênicos nos criadouros, condições corretas de embalagem e informação detalhada sobre a rede de comercialização. As reações alérgicas ou de intolerância também não são maiores do que em outros tipos de carnes.

Consumo de insetos pelo mundo (em espanhol). Fonte: FAO. / HEBER LONGAS / EL PAÍS
Consumo de insetos pelo mundo (em espanhol). Fonte: FAO. / HEBER LONGAS / EL PAÍS

O restaurante mexicano Cantina Machito, de Barcelona, serviu por dez anos pratos com insetos: chapulines (gafanhotos), ahuautles (larvas de mosquito, o “caviar mexicano”), jumiles (maria-fedida), hormigas chicatanas e escamoles (larvas de formiga). As marias-fedidas, com sabor de canela, preparadas com guacamole, eram o prato mais caro do cardápio. “Importávamos de uma empresa mexicana. Vinham desidratados, torrados em alguns casos, e embalados a vácuo com todas as garantias”, explica Angelina Urreta, gerente do restaurante. “Os insetos fazem parte da gastronomia mexicana desde os tempos pré-colombianos. E estão na cozinha gourmet porque são muito adequados para a fusão de sabores.” Os pratos com bichos desapareceram do menu em abril de 2014 por ordem das autoridades catalãs, que anos antes já tinham fechado um ponto de venda no mercado de La Boquería.

O sítio que a francesa Laetitia Giroud montou há três anos em Coín (Málaga) não só não teve problemas com a Vigilância Sanitária como até recebeu subvenção pública. Mas não pode vender na Espanha. Ela cria grilos, larvas de mosca e até farinha de insetos para Bélgica, França e Reino Unido destinados à alimentação humana e animal. “Somos três pessoas trabalhando e ainda não somos rentáveis”, admite Giroud. “O problema é o vácuo legal.” Seu caso se complica devido às normas impostas pela UE para restringir o uso de rações de origem animal devido à crise da vaca louca. “As farinhas de inseto servem perfeitamente para alimentar porcos e frangos”, defende a dona da empresa Insagri, uma vegetariana que uma ou duas vezes por semana completa sua dieta com insetos: “Um biscoito, uma empanada... Ou no omelete. E, sem dúvida, na tortilla espanhola”.

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