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O som cubano chega a Washington

Membros do Buena Vista Social Club marcam o ritmo convidados por Barack Obama

Silvia Ayuso
Buena Vista Social Club na Casa Branca.
Buena Vista Social Club na Casa Branca.JONATHAN ERNST (REUTERS)

“Cuba, como é linda minha Cuba...”, continuava cantarolando a octogenária Omara Portuondo, com um largo sorriso e batendo suaves palmas, enquanto caminhava lentamente pela avenida da Casa Branca quando já começava a anoitecer nesta quinta-feira de outono em Washington. Parece que foi difícil para ela se despedir do lugar onde, junto com seus companheiros do Buena Vista Social Club, acabava de fazer um pouco mais de história ao se tornar a primeira artista com base em Cuba a tocar na residência do presidente dos Estados Unidos em pelo menos meio século.

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Enquanto Portuondo se retirava, Barbarito Torres e Jesus Aguaje Ramos, outros dois dos cinco membros originais da lendária banda cubana que também tocaram na quinta-feira na casa de Barack Obama, o presidente que começou a reaproximação com Cuba, se perguntavam entre risadas se tinham autorização para tirar uma foto posando na frente da Casa Branca, ou se o pessoal do presidente iria repreendê-los pela travessura. Pareciam ter esquecido que apenas uma hora antes o próprio Obama, acompanhado por seu vice-presidente, Joe Biden, tinha cumprimentado a banda pessoalmente e até posou para uma foto com os músicos que, com sua atuação no East Room da residência presidencial dos EUA, contribuíram um pouco mais para a aproximação entre Washington e Havana iniciada há quase um ano.

“Parece que ainda não tarjeteei [assimilei]”, ria Barbarito Torres após a inédita apresentação. Embora tenha afirmado que tocou da mesma maneira como sempre faz “em um palco de festival”, reconheceu que ser parte do primeiro grupo de músicos cubanos que toca neste lugar é algo que “nunca” chegou a imaginar. E levando em conta que, como o resto dos membros originais do Buena Vista Social Club, Barbarito Torres (Matanzas, 1956) tem idade suficiente para lembrar ao menos algo da época em que Cuba e Estados Unidos ainda mantinham uma relação que, com a chegada de Fidel Castro ao poder, foi cortada por mais de 50 anos.

“Parece que ainda não tarjeteei [assimilei]”, ria Barbarito Torres após a inédita apresentação

Não houve nem sombra de ressentimento, tensões e hostilidades na quinta-feira na Casa Branca que foi conquistada à base de ritmo, sorrisos e boas vibrações pelos veteranos músicos cubanos.

Assim que subiram ao improvisado palco no East Room, a sala leste da Casa Branca, Portuondo Torres, Aguaje Ramos, junto com Eliades Ochoa e Manuel Guajiro Mirabal, os outros membros originais da banda, começaram a encantar as centenas de convidados para o encontro com o qual a Casa Branca comemorou o fim do Mês da Herança Hispânica em todo o país. Acompanhados de Rolando Luna no piano, Pedro Pablo Gutiérrez no baixo, Andrés Coayo na percussão e Guajirito Mirabal como segundo trompete, os músicos veteranos fizeram uma breve repassada por alguns de seus maiores sucessos.

Soaram entre as paredes da Casa Branca Chan Chan, Veinte Años, El Cuarto de Tula e Quizás, Quizás em uma versão spanglish. Poucos se atreveram a dançar, embora alguns, como a diretora de política interna da Casa Branca e assessora de Obama, Cecilia Muñoz, cantarolaram todas as músicas.

Soaram entre as paredes da Casa Branca Chan Chan, Veinte Años, El Cuarto de Tula e Quizás, Quizás em uma versão spanglish

No final, os 20 minutos do show foram pouco e vários espectadores – entre eles o novo embaixador de Cuba em Washington, José Ramón Cabañas, outro sinal da progressiva aproximação – pediam aos gritos, e em espanhol, “otra” canção. Não podia ser. A agenda estava fixada com antecedência e em poucos minutos deveria subir ao palco Obama, que foi o grande ausente do show, apesar de ter compensado com a saudação pessoal aos músicos.

Embora tenha passado apenas uma década, parecia distante também nesta noite incomum de música, a época em que essa mesma Casa Branca tinha vetado a entrada de músicos cubanos como o já falecido integrante do Buena Vista, Ibrahim Ferrer. E quem diria que Barbarito Torres acabaria tocando, anos mais tarde e com um presidente diferente no poder, no mesmo lugar de onde também partiu a ordem de negar o visto para pudesse participar da noite dos prêmios Grammy para os quais estava indicado.

O processo de normalização de relações iniciado em 17 de dezembro por Obama e o presidente cubano, Raúl Castro, permitiu essa incrível mudança de política e atitudes. Embora para artistas como Torres não custou muito se adaptar a esta nova era porque, lembrou, a música sempre serviu como uma ligação entre os dois países separados politicamente.

Os músicos “de toda a vida, sempre tivemos uma aproximação, as idas e vindas que tiveram a música cubana com a norte-americana, especialmente com o jazz... as culturas sempre se relacionaram”, disse o músico veterano, que afirmou estar disposto a tocar de novo para Obama se virar realidade o desejo do presidente de visitar Cuba antes de deixar o cargo. Quizás, Quizás, como acabava de cantar Omara Portuondo.

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