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Eleições nos Estados Unidos 2016
Tribuna
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Os magnatas de Wall Street tomam partido

Um presidente democrata será menos permissivo com os grandes bancos do que um republicano

Paul Krugman
Os candidatos democratas Hillary Clinton e Bernie Sanders na última terça, dia 13 de outubro.
Os candidatos democratas Hillary Clinton e Bernie Sanders na última terça, dia 13 de outubro.Josh Haner (EFE)

Hillary Clinton e Bernie Sanders tiveram uma discussão sobre regulação financeira durante o debate de terça-feira, mas não sobre se convinha ou não ampliar o controle sobre os bancos. A discussão era sobre quem propunha um plano mais rígido. O contraste com republicanos como Jeb Bush ou Marco Rubio, que prometeram revogar até mesmo as pequenas reformas financeiras aprovadas em 2010, não podia ser mais marcante.

Se faz alguma diferença, os argumentos de Clinton foram melhores. Sanders se concentrou na reintrodução da Lei Glass-Steagall, que separava os bancos comerciais do “sistema bancário na sombra”, mais arriscado. E a revogação da Glass-Steagall foi, de fato, um erro. Mas não foi o que provocou a crise financeira, que se deveu mais a “bancos na sombra”, como o Lehman Brothers, que não recebem depósitos, mas podem, apesar disso, causar estragos se quebram. Clinton apresentou um plano para controlar os bancos na sombra; por ora, Sanders não fez isso.

Mas é digna de crédito a promessa de Clinton de aplicar mão dura ao setor financeiro? Ou, quando estiver na Casa Branca, voltará às políticas liberalizantes e brandas da década de 1990 para o setor?

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Bem, se nos guiarmos pela atitude de Wall Street e suas doações políticas, os próprios financistas acreditam que qualquer democrata, incluindo, claro, a própria Clinton, levaria a sério o controle dos excessos de seu setor. E essa é a razão pela qual fazem todo o possível para que um republicano seja eleito.

Para entender a política da reforma e da regulação financeira temos de começar por admitir que houve uma época em que Wall Street e os democratas se entendiam bem. Robert Rubin, do Goldman Sachs, se tornou a autoridade econômica mais influente da equipe de Bill Clinton. Os grandes bancos tinham grande facilidade de acesso ao mundo político, e o setor, em geral, conseguia o que queria, incluindo a revogação da Glass-Steagall.

Essa relação amigável se refletia nas contribuições às campanhas, de tal forma que o setor do mercado de ações repartia suas doações mais ou menos equitativamente entre ambos os partidos e os hedge funds se inclinavam, de fato, pelos democratas.

Mas logo chegou a crise financeira de 2008, e tudo mudou. Muitos liberais têm a sensação de que o Governo Obama foi indulgente demais com o setor financeiro depois da crise. Afinal, os bancos sem controle colocaram a economia de joelhos, ao deixarem milhões de pessoas sem trabalho, sem casa ou ambas as coisas. E mais ainda, os próprios bancos foram resgatados, o que potencialmente representou um custo muito elevado para os contribuintes (embora, no final, o preço não fosse tão alto). No entanto, ninguém foi para a cadeia, e os grandes bancos não se segmentaram.

Os financistas, porém, não se sentiram agradecidos por terem se saído tão bem dessa. Pelo contrário, eles foram e continuam sendo consumidos pela “raiva contra Obama”.

Isso reflete, em parte, ressentimentos. De qualquer ponto de vista normal, o presidente Obama se mostrou notavelmente comedido em suas críticas a Wall Street. Mas a grande riqueza anda acompanhada de uma grande mesquinhez: trata-se de homens acostumados a uma deferência servil, e alguns deles consideram um insulto imperdoável até os comentários mais suaves sobre seu mau comportamento.

Além disso, embora a lei de regulação financeira Dodd-Frank, aprovada em 2010, tenha sido mais branda do que muitos reformistas desejavam, distava muito de ser ineficaz. O Escritório de Proteção Financeira do Consumidor se mostrou muito produtivo e, aparentemente, as subvenções aos “grandes demais para quebrar” na maior parte desapareceram. Ou seja, as grandes instituições financeiras, que provavelmente seriam resgatadas em uma crise futura, já não parecem capazes de arrecadar fundos de forma mais barata que as entidades pequenas, talvez porque as instituições “importantes para o sistema” estejam agora sujeitas a normas adicionais, entre as quais o requisito de aumentar suas reservas de capital.

Embora isso seja uma boa notícia para os contribuintes e a economia, os financistas ficam profundamente ofendidos com qualquer limitação à sua capacidade para apostar o dinheiro das pessoas, e votam à base de talão de cheques. Os magnatas das finanças ocupam um lugar destacado no reduzidíssimo grupo de famílias endinheiradas que domina o financiamento das campanhas durante este ciclo eleitoral (um grupo que respalda, em sua imensa maioria, os republicanos). Antes, os hedge funds dirigiam a maior parte de seus aportes para os democratas, mas desde 2010 passaram quase todos para o Partido Republicano.

Como eu disse, essa assimetria de doações é um indício de que as pessoas de Wall Street levam a sério as promessas democratas de reprimir energicamente os excessos dos banqueiros. E também significa que um democrata vitorioso não deveria muito ao setor financeiro.

Se ganha um democrata, importa muito qual deles será? Certamente, não. O mais provável é que qualquer deles mantenha as reformas financeiras de 2010 e tente endurecê-las na medida do possível. Mas as novas reformas de grande envergadura ficarão bloqueadas, a menos que os democratas retomem o controle de ambas as Casas do Congresso, o que é improvável que ocorre em um futuro próximo.

Em outras palavras, embora haja algumas diferenças quanto à política financeira entre Clinton e Sanders, na prática são insignificantes, comparadas com a distância abismal que os separa dos republicanos.

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia de 2008.

© The New York Times Company, 2015.

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