_
_
_
_
_

Gerardo, o desafortunado herói contra o assédio sexual nas ruas da Costa Rica

Jovem ganhou fama ao registrar cena em que um homem grava vídeo de uma mulher

Ela caminhava depressa pelo calçadão mais movimentado da Costa Rica. Ele ia atrás, de celular em punho, na altura das nádegas dela, gravando um vídeo sob a saia esvoaçante. Ela nem notou, mas atrás da dupla ia um jovem que também filmava a cena, até que alertou a mulher. O dono do primeiro celular saiu correndo, entrou no primeiro táxi que encontrou e não foi mais visto.

Mais informações
O WhatsApp comprometedor de um padre espanhol a uma criança
A campanha contra a violência machista #NiUnaMenos
Por que ‘não’ significa ‘não’, explicado com uma xícara de chá
Nas redes do assédio
O protesto das minissaias

Tudo poderia ter ficado por aí, como em tantas cenas de assédio sexual nas ruas da Costa Rica, com a peculiaridade de que um desconhecido flagrou o perseguidor, ambos com câmeras nas mãos. Mas o país inteiro ficou sabendo desse fato porque o desconhecido em questão, um padeiro de 22 anos, decidiu no domingo publicar o vídeo nas redes sociais, a cena viralizou e chegou aos meios de comunicação nacionais, e então todos conheceram um novo aspecto do assédio sexual. O assunto de todos os dias se tornou o grande assunto de determinado dia, mas o caso ainda cresceria mais.

Na noite da última quarta-feira, dois desconhecidos apunhalaram o jovem denunciante perto da sua casa, no bairro de San Sebastián, zona sul da capital. Poderia ter sido um assalto do tipo relativamente banal em certas áreas de San José, mas não lhe roubaram nada. A conclusão parece simples e, embora as autoridades policiais evitem descrever o ataque como uma represália pela denúncia pública de assédio, tampouco descartam essa hipótese. Os agressores ainda não foram identificados.

Mas nos tribunais populares das redes sociais e nos pronunciamentos de algumas autoridades algo parece claro: que a denúncia pública teria causado a ruína de Gerardo Cruz Barquero, cuja vida continua sob risco após uma cirurgia cardíaca à qual foi submetido no hospital Rafael Ángel Calderón Guardia, no centro da capital.

Houve vigílias por ele, convocações para manifestações e vozes de apoio do Governo, do Judiciário, da Defensoria do Povo e, naturalmente, de organizações em prol dos direitos da mulher. A Secretaria Técnica de Gênero do Poder Judiciário manifestou “total repudio pelos atos de violência contra o jovem Gerardo Cruz Barquero, que dias atrás teve a valentia de denunciar pelas redes sociais um fenômeno que as mulheres sempre precisaram sofrer: o assédio nas ruas”.

A denúncia pública teria causado a ruína de Gerardo Cruz Barquero, cuja vida continua sob risco

O presidente da Costa Rica, Luis Guillermo Solís, fez uma análise ainda mais profunda. “Não é próprio de uma sociedade democrática ter uma convivência em que as mulheres sejam desrespeitadas nas ruas”, afirmou. Gerardo se tornou sem querer uma espécie de herói nacional do combate ao machismo, enquanto muitos rezam para que continue como herói em vez de virar mártir. Antes do ataque, ele chegou a manifestar temor de sair à rua por possíveis represálias, segundo seus familiares.

Gerardo é pai de uma menina de cinco anos e espera um segundo filho com sua mulher. O rosto do jovem pulula nos perfis de redes sociais dos costa-riquenhos, ao passo que o homem filmado gravando o vídeo das coxas de uma transeunte não voltou a ser visto. Ele é funcionário do Ministério de Fazenda, que o suspendeu do seu cargo e pode submetê-lo a um procedimento disciplinar interno.

Até agora, as autoridades não relataram nenhuma denúncia por parte da mulher filmada –uma atitude que é tomada por quase 5.000 vítimas de assédio por ano, segundo estatísticas oficiais. O crime é punido com uma multa que pode atingir metade do salário mensal do agressor. Há também quem critique o próprio Cruz Barquero por divulgar na internet um vídeo do homem sem se importar com seu direito à privacidade.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_