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Menos Chanel e sucata mal paga: como a crise afeta cada classe no Brasil

Escolhas envolvem dobrar jornada de trabalho, fazer "bicos", viajar menos ou investir mais

A socialite Regina Manssur, o zelador Genésio de Sousa e o catador Sérgio Amâncio
A socialite Regina Manssur, o zelador Genésio de Sousa e o catador Sérgio AmâncioAcervo pessoal e Fernando Cavalcanti

Números estão estampados por todas as partes quando o assunto é a crise econômica. Em apenas doze meses, a taxa de desemprego passou de 5% para 7,6%. A inflação chegou a 9,49%. A produção industrial recuou 5,7%. O rendimento médio real do trabalhador estagnou. As estatísticas, tão utilizadas para compreender o que está acontecendo com o país em seu total, ofuscam a vida real de cada um de seus 200 milhões de habitantes, retratados sempre no plural.

A crise não afeta a todos da mesma forma, principalmente em um país com tantas desigualdades e estratificações sociais quanto o Brasil. Uma pessoa que sobrevive com 2,7 reais por dia – considerada a linha da pobreza no País, pela definição do Governo – não vivencia a inflação da mesma forma que uma outra que dispõe de 1.000 reais para gastar diariamente, renda esta dos brasileiros que integram a classe A.

A maneira como a recessão econômica as impacta também. O dólar, por exemplo, tem feito a empresária e socialite Regina Manssur repensar as viagens que realiza frequentemente pelo exterior. “Com 1.000 dólares, eu podia pegar um avião para o Uruguai, curtir em um cassino, comer bem e ficar em um hotel luxuoso”, afirma. Atualmente, com o dólar na casa dos 4 reais, a viagem a Punta del Este, que faz religiosamente uma vez por mês, foi cancelada. A midiática Val Marchiori também corta custos. “Sou apaixonada por bolsas da marca Chanel. Antes da crise, durante as viagens, costumava comprar dez bolsas. Agora são três”, afirmou em nota. “Se eu voltava com três malas cheias de ‘modelitos’ novos, agora volto com uma apenas”, complementa.

O mesmo dólar que faz com que a socialite viaje menos respingou sobre a inflação e o custo de operação de diversas empresas do país, que cortaram investimentos e mais de 500.000 empregos formais no acumulado de janeiro a julho, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Genésio Gonçalves de Souza é mais um dos funcionários demitidos desta lista. Zelador há 19 anos em um edifício no centro de Guarulhos, perdeu, junto com o emprego, o apartamento onde morava com a família, construído na garagem de seu local de trabalho pela administração do condomínio. “A crise me pegou, mas eu vou me virar como sempre fiz. Estou fazendo uns ‘bicos’ e distribuindo currículos enquanto isso”, afirma. Em três meses, ele conta que foi a quatro administradoras de condomínios e a doze edifícios conversar com os síndicos. “Em uma das empresas, tinha uns cinco zeladores na fila, antes de mim, também desempregados. Ainda não fui chamado para nenhuma entrevista”, desabafa.

O catador de recicláveis Sérgio Amâncio da Silva continua exercendo sua atividade, de maneira informal. Mas a crise o impactou de outra forma. O preço que o ferro-velho paga pela sucata caiu pela metade nos últimos três meses. O papelão, cujo quilo lhe rendia 20 centavos, passou a valer 13 centavos, forçando o catador a dobrar sua jornada de trabalho para manter nível semelhante de renda. Com o dinheiro dos materiais recicláveis, sustenta uma família de cinco pessoas na capital paulista. A forte queda no preço da sucata dificultará ainda mais o pagamento em dia das contas mensais e das dívidas que contraiu ao longo dos anos. “Devo 2,5 mil no cartão. Só de comida gastamos 600 por mês. Está tudo mais caro, arroz, feijão, pão, energia, água. Vai ser impossível pagar tudo sem arrumar outro emprego”, diz.

Enquanto a crise está pesando no bolso de muitos brasileiros, outros descobriram maneiras ganhar dinheiro com a maré de pessimismo do mercado. Os juros altos, o real desvalorizado, as ações negociadas a preço de banana na bolsa de valores. O quadro de caos pintado com a recessão é um cenário fantástico para quem conhece profundamente o mantra “comprar na baixa e vender na alta”. “Quem consegue perceber uma distorção entre a expectativa do mercado e a realidade dos ativos consegue traçar boas estratégias”, afirma Tiago Piedade, investidor de 33 anos que fez o seu primeiro milhão em 2008, em meio à turbulência da crise financeira mundial. A estratégia que está lhe rendendo hoje um bom dinheiro, graças à recessão brasileira, é a renda fixa, mais lucrativa a cada deterioração na imagem do governo aos olhos dos investidores.

Bom para poucos, ruim para muitos, o desaquecimento da economia tem impactos diversos sobre as diferentes classes sociais, Conheça como oito brasileiros, dos mais ricos aos mais pobres, estão se virando para sobreviver à crise que assola todo o país.

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