_
_
_
_
_
crise hídrica em São Paulo
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Parabéns, senhor Alckmin!

Prêmio Lúcio Costa, que o governador paulista vai receber por sua gestão sobre a crise hídrica, é bastante questionável

María Martín
Estudantes fazem 'pegadinha' em foto com o governador.
Estudantes fazem 'pegadinha' em foto com o governador.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, receberá da Câmara dos Deputados um reconhecimento pela sua gestão na crise hídrica. O Prêmio Lúcio Costa de Mobilidade, Saneamento e Habitação reconhece as "iniciativas que buscam a melhoria da vida dos cidadãos". Indicado pelo deputado federal João Paulo Papa (PSDB-SP), ex-diretor da Sabesp, o governador recebeu a nota, "modéstia a parte", que ele merece. Há quem achou que era piada, mas é sério mesmo, embora a premiação não tenha considerado alguns fatos:

Falta água, sim. Enquanto o governador declara que “ninguém ficou sem água em São Paulo”, o número de reclamações por torneiras secas aumentou 62,5% entre o primeiro semestre de 2014 e o mesmo período deste ano. São oficialmente 140.752 pessoas sofrendo com cortes no abastecimento, isso sem contar os que não reclamam. Segundo o Datafolha, 71% dos paulistanos já sofreram cortes no fornecimento. Moradores de bairros da periferia acordam de madrugada para encher baldes e lavar roupas.

Mais informações
Os 'ninguém' de Alckmin
Qualidade da água em São Paulo cai durante a crise hídrica
“Nas secas dos EUA, o volume morto não é utilizado como em São Paulo”
Em plena crise, Sabesp ainda premia grandes consumidores
Alertas ignorados, seca e eleições: a receita ideal para o desastre hídrico
Com sequência de atrasos, Sabesp desafia deserto de 2015
Alckmin pede “rito especial” para licenciamento de obras da crise hídrica
Tietê, um rio de sujeira e contradições
A vida com três horas de água
Durante a crise hídrica, casos de diarreia se multiplicam em São Paulo

Os dois principais reservatórios de São Paulo beiram o colapso. O Cantareira, que abastece 5,3 milhões de pessoas, opera com 12,5% da capacidade, contando as duas cotas de volume morto. Já o Alto Tietê, sem cotas de reserva emergenciais e do qual dependem 4,5 milhões de moradores, armazena 15,2% da sua capacidade.

Os casos de diarreia se multiplicaram durante a crise hídrica. O Centro de Vigilância Epidemiológica, órgão da Secretaria Estadual de Saúde, ligado ao Governo Geraldo Alckmin, considerou 2014 um ano hiperepidêmico pela quantidade de casos de diarreia aguda registrados. O estudo ainda não foi concluído, mas o órgão associou o evidente aumento de casos comunicados – quase 35.000 em algumas semanas de fevereiro, março e setembro – aos problemas de abastecimento de água que ainda afetam toda a região metropolitana e várias cidades do interior. A qualidade da água na capital, segundo as análises da Prefeitura, diminui durante a crise hídrica. A média de amostras “insatisfatórias” recolhidas na rede de abastecimento público passou de 3,49% há dois anos, antes de desencadear os problemas de desabastecimento, a 12,32% em maio de 2015.

Os prazos das obras prometidas não foram cumpridos. Os responsáveis pelas obras de transposição do Rio Grande, braço limpo da represa Billings, para o esvaziado Alto Tietê, correm contra o relógio para não descumprir, por terceira vez, o prazo que o governador deu para concluir a principal aposta para evitar um rodízio drástico. Os trabalhos deviam ficar prontos, primeiro em maio, depois em agosto e agora antes de outubro. Faltam seis dias. A segunda obra mais importante para garantir o abastecimento na Grande São Paulo, a transposição de água do rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, estava prometida para maio, mas só chegou em junho. A conclusão dessa obra, no entanto, não fez muita diferencia no cenário atual de crise, pois o rio Guaió corre quase seco.

A crise não foi reconhecida até depois das eleições. A primeira vez que Alckmin assumiu um problema de abastecimento foi no dia 14 de janeiro, mais de dois meses depois de vencer as eleições com mais de 57% dos votos. Aquele dia, quando sobravam os relatos de moradores sem água nas torneiras por causa da redução de pressão noturna e não oficializada, ele disse “o racionamento já existe” e admitiu que estava saindo a metade de água do Cantareira do habitual. As medidas restritivas, como a sobretaxa para os que aumentaram seu consumo a pesar da crise, também foram adiadas até depois da sua vitória e vieram acompanhadas de cortes mais severos no fornecimento durante a maior parte do dia em todos os bairros da capital.

Os maiores consumidores de água continuam pagando menos. A política de premiar mais de 500 grandes consumidores de água, como shoppings, indústrias, prédios comerciais e grandes empresas, foi mantida apesar das críticas pela gravidade da crise. Esses grandes consumidores se beneficiam de contratos com suculentos descontos que crescem conforme aumenta seu consumo. As tarifas são menores que as aplicadas a clientes industriais e comerciais convencionais e que não assinaram esse tipo de contratos.

O plano de emergência não foi divulgado. Geraldo Alckmin definiu o plano de emergência que ele mesmo mandou elaborar como um "papelório inútil". "Pra quê? Só pra gastar dinheiro público porque não vai ser aplicada contingência nenhuma. O Brasil é um grande cartório", afirmou no início de julho. O professor Richard Palmer, que participou das ações emergenciais nas crises hídricas de diferentes cidades dos EUA, afirmou que isso "não seria aceitável nos Estados Unidos.” O plano, pronto desde julho, segundo Alckmin, não foi divulgado ainda e o pouco que sabemos dele é que as autoridades trabalhavam com a hipótese de um rodízio drástico de cinco dias sem água por um com. Extremo que o governador apressou-se a negar. Nesse cenário, a Sabesp reconhecia suas limitações logísticas para garantir o abastecimento de água, para além dos grandes hospitais, presídios ou pronto-socorros, deixando de fora, entre outros, as 4.562 escolas municipais e estatais.

A crise hídrica não foi uma surpresa. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo atribuiu a gravidade da crise hídrica à falta de planejamento da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Os alertas vêm se repetindo há mais de uma década. Se existia alguma dúvida da capacidade limitada dos reservatórios de São Paulo, em 2009 o Governo de José Serra (PSDB) foi informado detalhadamente das fragilidades dos sistemas e de o risco real de uma “guerra de água” entre algumas regiões, “motivada pelo aumento da demanda em um ano atípico de chuvas”. Em um relatório encomendado pela Secretaria de Meio Ambiente, a contribuição de mais de 200 especialistas perfilou um cenário de crise de abastecimento na bacia do Alto Tietê na primeira década do século XXI que em 2015 atingiria a Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), a doadora do Sistema Cantareira.

Os rios de São Paulo continuam sujos. Desde 1992, a Sabesp, com 51% do seu capital nas mãos do Estado, administra o Projeto Tietê, cujo objetivo é ampliar a coleta e o tratamento de esgoto na Grande São Paulo e, assim, despoluir o rio. A conta do projeto não é exata, mas pelo menos 3,6 bilhões de dólares já foram direcionados para as obras. O rio, no entanto, continua premiando os cidadãos com festas espetaculares de espuma podre, milhares de peixes mortos ou desfiles flutuantes de lixo. Tentativas de despoluir o rio Pinheiros também fracassaram.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_