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Capturado chefe de pistoleiros do ‘caso Iguala’ no México

Investigadores dizem que El Gil estava no centro da matança de 43 estudantes

Jan Martínez Ahrens
El Gil, o pistoleiro preso.
El Gil, o pistoleiro preso. PGR

Gildardo López Astudillo, conhecido como El Gil, se movimenta confortavelmente na escuridão. Por quase um ano, o homem que supostamente liderou a morte dos estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa conseguiu escapar das forças de segurança. Astuto, escorregadio e fatal, El Gil finalmente caiu nas mãos da Polícia Federal. As circunstâncias de sua detenção permanecem sem detalhes, mas poucos duvidam que, com sua captura, o Governo tenha marcado um gol em um momento de extrema fragilidade. Suas declarações podem ajudar a esclarecer um dos episódios mais debatidos na história recente do México.

As investigações oficiais colocam El Gil no centro da trama. Como chefe dos pistoleiros, sabia dos ataques da Polícia Municipal de Iguala contra os estudantes de magistério em 26 de setembro de 2014 e, uma vez presos, foi quem entrou em contato com o líder do cartel, Sidronio Casarrubias Salgado, para pedir instruções. Essa comunicação, de acordo com a versão da polícia, foi a que acendeu a chama da barbárie.

Em diferentes mensagens, El Gil identificou os estudantes como membros dos Los Rojos, o cartel rival. A chegada dos rivais em Iguala, sob essa perspectiva, representaria um ataque em grande escala ao reduto mais importante dos Guerreros Unidos. Uma escalada insólita em um conflito que durava anos e que teve um de seus primeiros confrontos em 14 de dezembro de 2012, quando um homem vestindo uma bata branca entrou em uma unidade de terapia intensiva da Cidade do México, sacou uma pistola com silenciador e matou com um tiro no peito o paciente Crisóforo Rogelio Maldonado, mais conhecido como El Bocinas, e chefe supremo dos Los Rojos.

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Nessa longa e sangrenta guerra entre gangues, Iguala (com 110.000 habitantes) sempre representou uma das praças mais cobiçadas. Guerrero é a maior produtora de ópio das Américas e a cidade ocupa um lugar estratégico. Seu controle dá acesso à região produtora, às rotas e, ainda mais importante, à maquinaria policial e política que permite a impunidade ao tráfico de drogas. Os Guerreros Unidos haviam se dedicado com afinco a esse alvo, a tal ponto que, depois de anos de chumbo e prata, haviam conseguido colocar na prefeitura um casal cúmplice.

Ao receber a mensagem de seu lugar-tenente, sempre segundo a versão da Procuradoria, o líder dos Guerreros Unidos deu ordens para matar os invasores em “defesa do território". El Gil cumpriu a ordem. A Polícia Municipal, um apêndice do tráfico, entregou os 43 estudantes de magistério aos pistoleiros. Foi o fim. A reconstrução oficial indica que o cartel os levou a um lixão de Cocula, onde em uma enlouquecida sequência foram mortos e seus corpos queimados em uma imensa fogueira. Para não deixar vestígios, jogaram os restos mortais no rio San Juan. "Fizemos poeira deles e jogamos água, nunca serão encontrados", escreveu El Gil ao chefe.

Confiante devido a anos de impunidade, quem ordenou o desaparecimento dos estudantes não calculou os efeitos de sua ação devastadora. O México, como poucas vezes na história recente, se encheu de horror e de suas entranhas surgiu uma enorme onda de protesto. A explosão, um ano depois, ainda não terminou.

Mais de cem suspeitos, incluindo o líder dos Guerreros Unidos, foram presos. As capturas sucessivas, no entanto, não eliminaram as dúvidas sobre um caso que sempre se moveu nas sombras. Ninguém explicou totalmente por que os estudantes, muito conhecidos em Iguala, foram confundidos com os Los Rojos. As famílias também não aceitam a versão oficial. E a equipe de prestígio de especialistas da Organização dos Estados Americanos (OEA), que analisa o caso, questionou uma peça-chave do relato policial: a fogueira de Cocula. Apoiados por um perito internacional, o comitê afirma que não há provas científicas de que o fogo teria sido suficiente para incinerar os estudantes.

O argumento é profundo. Se não houve fogueira, tampouco estão corretas as confissões dos pistoleiros. E o caso, contaminado pela raiz, seria invalidado, pelo menos, tal como apresentado pela Procuradoria-Geral.

Diante dessas preocupações, o Governo, em um gesto conciliador, admitiu uma nova perícia do aterro e colocou o pé no acelerador da investigação. Na quarta-feira divulgou a identificação genética dos restos mortais de um segundo estudante e nesta quinta-feira prendeu o chefe dos pistoleiros. São dois balões de oxigênio em um momento de erosão. Mas também um lembrete de que, um ano após o desaparecimento dos estudantes de magistério, o caso Iguala ainda segue sem solução.

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