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Viver dos refugiados

Passagem dos migrantes por Bodrum, na Turquia, impulsiona negócios lícitos e ilegais

Andrés Mourenza
Bodrum (Turquia) -
Migrantes resgatados após o naufrágio do barco em que viajavam
Migrantes resgatados após o naufrágio do barco em que viajavamREUTERS

A fisionomia de Bodrum está mudando. Por trás do porto, onde atracam iates e veleiros; por trás dos cafés chill out e dos restaurantes de frutos do mar da orla, correm em direção ao centro ruas e vielas nas quais, à medida que se avança, a clientela muda de turistas nórdicos que passam férias sob o sol desta esquina do Mediterrâneo, para refugiados e imigrantes vindos de países como Síria, Iraque, Afeganistão, Bangladesh e Paquistão.

“Uma nova economia está surgindo em torno dos refugiados. Segundo as estatísticas, cada turista deixa uma média de 750 dólares (2.800 reais) por estadia na Turquia. Um refugiado gasta pelo menos 1.000 euros (mais de 4.000 reais), o mínimo que os traficantes costumam cobrar para levá-lo à Grécia. Além do que gasta diariamente com comida, hotel, telefone...”. Ahmet Acar, um empresário do Bodrum, explica –não sem uma ponta de vergonha– como seus vizinhos estão se aproveitando da crise migratória para ganhar dinheiro: “A Turquia é uma das primeiras etapas de sua viagem, por isso muitos refugiados ainda têm dinheiro”.

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No fim da tarde, as ruas em torno da mesquita de Kumbahçe transformam-se em ponto de reunião dos refugiados para trocar informações ou negociar preços com os traficantes. Acar mostra uma pensão fervilhando de migrantes: “Um ano atrás estava a ponto de fechar”. Também aponta para um restaurante, recém-reformado, em que toda a clientela é de sírios e paquistaneses. E uma cooperativa de táxis: “Levam os refugiados até as praias cobrando tarifas exageradas. No ano passado tinham três veículos, agora têm oito”. Existem ainda as mercearias, que começaram a vender, além de grão-de-bico e fumo, coletes salva-vidas. São negócios legais que tiram proveito da conjuntura.

Mas há negócios ilícitos. Alguns dos refugiados que saem de Síria contratam o pacote completo até Berlim ou Estocolmo, a um preço que supera os 15.000 euros por pessoa. A maioria, no entanto, faz a viagem por etapas, seguindo indicações de outros que já fizeram e, ocasionalmente, informam os telefones dos traficantes. “Os chefes são turcos, mas os coiotes são sírios. Circulam pelos lugares onde há muitos refugiados e oferecem seus serviços. Sabem de onde você vem por causa da sua bagagem”, explica Ahmad Mustafa, um sírio que tentou duas vezes atravessar para a ilha grega de Kos ali perto, sem êxito.

Traficantes

As redes de traficantes neste ponto da rota são pouco numerosas (30 pessoas) e são formadas tanto por gente local como por pessoas das nacionalidades afetadas, muitas vezes antigos imigrantes ou refugiados, segundo um relatório da polícia de Esmirna. É um negócio rentável: uma das redes recentemente desarticuladas pelos policiais daquela cidade –formada por sírios e turcos– tinha acumulado 400 milhões de liras (500 milhões de reais) que eram lavados em uma empresa turística.

Além disso, essas redes beneficiam indiretamente outras indústrias legais, como o conserto e venda de embarcações usadas para tentar alcançar terras europeias: de iates a barcos pesqueiros ou simples botes infláveis para crianças.

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