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Lula defende modelo da esquerda da América Latina e rejeita ajuste

Na Argentina, ex-presidente desdenha da perda do selo de bom pagador do Brasil pela S&P Em mudança da posição, petista faz crítica indireta à política econômica da afilhada Dilma

Carlos E. Cué
Lula com Cristina Kirchner e Daniel Scioli.
Lula com Cristina Kirchner e Daniel Scioli.EFE

Os líderes da esquerda latino-americana vivem um momento de dificuldades, com uma crise econômica que avança sobre vários países, mas exaltam seu modelo de inclusão e gasto público em contraposição ao ajuste instalado na Europa. O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tem atuado em Buenos Aires como líder moral desse grupo e conseguiu aplausos entusiasmados quando criticou o modelo imposto nos países europeus. “A Europa terceirizou a política” para deixá-la nas mãos dos bancos, do sistema financeiro”, afirmou. “O problema é que ajudam a Grécia somente para resolver o problema dos bancos alemães e franceses. Todos aqueles que sempre tinham soluções prontas para nossas crises, em 2008 não souberam resolver a própria crise. Todos os países que fizeram ajustes aumentaram sua dívida pública. Assim foi na Grécia, Portugal, Espanha... e não conseguiram resolver a crise.”

Lula falou da Europa, mas acabou também por fazer uma crítica indireta ao próprio Governo da sua afilhada política Dilma Rousseff, que iniciou uma política de severo ajuste, que teve de ser reafirmada nesta quinta-feira após o país perder o grau de investimento (selo de bom pagador) na classificação da agência Standard & Poors. “Com os primeiros sintomas de uma crise começam a falar de cortes, de reduzir salários. Todas as medidas levadas a cabo nos anos 90 conduziram os países ao empobrecimento. Eu pensava que essas coisas eram feitas no Brasil, Argentina, Bolívia, mas não no Primeiro Mundo”, insistiu durante sua participação em um congresso mundial sobre responsabilidade social, que está sendo realizado em Buenos Aires. É uma mudança de posição do petista que não descarta disputar a presidência novamente em 2018. O ex-presidente, que nos primeiros anos no poder realizou cortes de gastos e empreendeu política econômica ortodoxa, já havia defendido publicamente o ajuste do Planalto. "Fiz um ajuste mais forte do que esse em 2003", disse em março.

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"É importante que a gente tenha em conta que o fato de ter diminuído o grau de investimento não significa nada. Significa que apenas a gente não pode fazer o que eles querem. A gente tem que fazer o que a gente quer", desdenhou Lula sobre a S&P. Em 2008, quando a agência deu o grau de investimento do Brasil, o petista descreveu o momento como uma vitória nacional.

O ex-presidente brasileiro defendeu o modelo latino-americano em contraposição ao europeu. “Conseguimos um pequeno milagre com as políticas de transferência de renda, que para alguns eram assistencialismo ou populismo. Conseguimos que milhões de pessoas pela primeira vez pudessem comprar o alimento necessário para seus filhos. A primeira coisa que fiz foi levar todos os ministros a bairros pobres para que vissem como as pessoas viviam. Sabia que se melhorasse a vida dos mais humildes todos ganhariam, e as empresas também.”

Lula queria sobretudo apontar os responsáveis pela crise. “Gastaram mais de 10 trilhões de dólares (39 trilhões de reais) para tentar resolver o problema do sistema financeiro, e não conseguiram. Desta vez não foram os países latino-americanos, foram os países ricos que nos meteram nesta crise. Começaram a ganhar dinheiro vendendo papéis em vez de vender produtos, pagavam bônus altíssimos aos diretores sem produzir nada. E, claro, a economia quebrou.”

O ex-presidente brasileiro exaltou a todo o momento a gestão dos grandes líderes da esquerda latino-americana e rechaçou com dureza o modelo dos países avançados. “Em abril de 2009, em Londres, em um G-20, tomamos a decisão de restaurar o crescimento, o emprego, reformar o sistema financeiro e rejeitar o protecionismo. Nenhum país cumpriu essas promessas. Os países ricos adotaram o protecionismo para evitar que os países pobres da América Latina e outros pudessem competir. Somente acreditam no livre comércio quando se trata de vender. Quando têm de comprar nossos produtos, já não acreditam tanto.”

Lula, que está em Buenos Aires para dar apoio à campanha de Daniel Scioli, o candidato do peronismo para suceder a Cristina Fernández de Kirchner, também defendeu que a América do Sul seja capaz de tomar como exemplo as coisas boas que a União europeia tem, como a capacidade de resolver os problemas entre os países. O brasileiro pediu que “meus amigos, o presidente Maduro e o presidente Santos, busquem a melhor solução para a Colômbia e a Venezuela. São dois países muito importantes e, em tempo de crise econômica, a paz é fundamental porque é muito mais barata”. Ele também pediu que crises como a da saída da Bolívia para o mar não tenham de ser resolvidas em Haia, mas possam ser solucionadas dentro da Unasul. E se mostrou especialmente indignado com o juiz Griesa, que, com suas decisões sobre as demandas dos fundos abutre, mantém bloqueado parte do acesso da Argentina a financiamentos. “Quando vejo que um juiz americano decide o destino de milhões de argentinos com os fundos abutre, digo: ‘em que mundo vivemos?’ O que a Argentina fez foi um ato de soberania”, concluiu o ex-presidente.

Lula, que exalta o kirchnerismo porque “mudou a história da Argentina”, estará quase toda a semana em Buenos Aires apoiando a candidatura de Scioli, que também receberá dentro de alguns dias o respaldo do boliviano Evo Morales. Na noite de quarta-feira, também recebeu um empurrão do ex-presidente uruguaio José Mujica, que disse preferir que a Argentina seja governada pelo peronismo porque, quando chega um de outro partido, como ocorreu com Raúl Alfonsín ou Fernando de la Rúa, “fica muito mal”. Por isso, Mujica disse apoiar Scioli para evitar um “fogaréu” na Argentina.

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