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Lucro do bem

Empreendedores abrem negócios de impacto social sem abrir mão do retorno financeiro

Bernardo Bonjean, sócio da Avante, empresa de microcrédito para empreendedores das favelas.
Bernardo Bonjean, sócio da Avante, empresa de microcrédito para empreendedores das favelas.Danilo Verpa (Folhapress/Divulgação)

Em momentos de crise, a tese de que o Estado deve se envolver mais na economia para minimizar distorções promovidas pelo mercado ganha força e novos adeptos. Entretanto, um grupo de empreendedores quer provar que forças de mercado, desde que bem orientadas, podem contribuir para resolver problemas como a desigualdade social. Este é o conceito do “capitalismo consciente”, movimento idealizado por executivos de peso nos Estados Unidos, como o fundador da Whole Foods, John Mackey, e que tem se alastrado pelo mundo na última década.

Fazem parte do movimento empresas que nasceram para resolver um problema social, mas que não abrem mão da remuneração do capital, principalmente porque é o lucro que garante a continuidade das operações. No Brasil, elas representam um segmento ainda tímido, mas com grande potencial de crescimento, o chamado setor 2,5.

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"São empresas que atuam entre o segundo e o terceiro setor. Ao mesmo tempo que surgiram com o propósito de resolver algum problema social ou ambiental, buscam obter lucro para serem sustentáveis no longo prazo, sem depender de doações de terceiros", afirma Bernardo Bonjean, presidente e sócio-fundador da Avante, empresa que oferece microcrédito para empreendedores de comunidades carentes, em parceria com instituições financeiras.

O executivo, que acumula quinze anos de atuação no mercado financeiro, fundou a Avante há três anos, movido por um desejo de “fazer a diferença”. Em 2012 pediu demissão e começou a estruturar seu empreendimento. "O mercado financeiro tende a gerar mais valor para os acionistas do que para a sociedade. Sentia a necessidade de realizar um trabalho do qual eu me orgulhasse, que pudesse humanizar o atendimento a um cliente que mais precisa de crédito, mas que ao mesmo tempo recebe pouca atenção das financeiras", explica. Bonjean resolveu focar o seu negócio no empreendedor de favelas. Segundo estimativas do Instituto Data Favela, moram nessas comunidades 12 milhões de pessoas, que movimentam uma renda anual de 63,2 bilhões de reais.

"O maior sonho da classe G (gente)", ironiza Bonjean, "é abrir um negócio próprio. Entretanto, além do capital, os empreendedores de comunidades mais carentes demandam também informação sobre como fazer a gestão desse recurso. Não podemos esquecer que a maior parte das novas empresas no Brasil não sobrevivem mais de quatro anos", destaca.

A Avante, que possui uma agência de atendimento em Paraisópolis, em São Paulo, começou a apostar este ano na formação de agentes de crédito, que deverão captar clientes em diferentes comunidades, batendo de porta em porta. Atualmente, a empresa conta com 50 agentes no mercado, atuantes em São Paulo e em Pernambuco, número de profissionais que deve subir para 500 até 2018. As regiões atendidas também deverão ser ampliadas. A empresa pretende começar a operar no Ceará, Maranhão e Piauí.

O valor médio do financiamento concedido pela Avante é de 3,5 mil. Ao todo, 52% das propostas recebidas são aprovadas. "Fazemos uma avaliação da capacidade de pagamento dos clientes, levando em consideração também as impressões dos agentes. O fato de irmos até o cliente, que geralmente recebeu não de diversas empresas que ele procurou, resulta numa relação mais próxima e recíproca de confiança, uma fidelização que é muito importante para o negócio", afirma Bonjean. O microcrédito, conforme explica o executivo, é o primeiro contato do cliente com a empresa. Mas a Avante também oferece crédito para que o cliente realize algum sonho de consumo, como imóvel, veículo próprio e até reforma. "Oferecemos soluções para o empreendimento e para a família. o primeiro passo, porém, e garantir uma fonte de renda, viabilizando a microempresa do cliente", diz.

Assim como qualquer produto tradicional de financiamento, há cobrança de juros. "Precisamos ter lucro para continuar emprestando para os clientes e também fazemos a distribuição de parte desse lucro para os acionistas. Todo mundo precisa viver, realizar sonhos. Uma empresa social não deve abdicar de atender todos os seus stakeholders. O cliente é o principal deles, mas os acionistas também estão na conta", afirma. Na Avante, contudo, o maior salário não ultrapassa nove vezes o menor salário. "No mercado, é comum que essa diferença supere cem vezes".

"O que os bancos fazem apenas com os seus maiores clientes, como as grandes empresas, fazemos com o microempreendedor. Somos também a única financeira que oferece crédito para empreendedores negativados", conta. "Acreditamos que, sem uma segunda chance, dificilmente as pessoas conseguirão se reerguer e serem bem sucedidas. Muitas vezes elas ficam negativadas por problemas como desemprego, doença ou invalidez na família", complementa. Mesmo assim, a taxa de inadimplência é bem inferior à média do mercado, atingindo 0,9% de uma carteira de R$ 2,5 milhões. Segundo dados de agosto do Banco Central, a taxa de inadimplência das operações de crédito do sistema financeiro, referente a atrasos superiores a noventa dias, é de 3% da carteira dos bancos.

O critério da segunda chance também é válido para a seleção dos agentes. Bonjean destaca que recentemente contratou um profissional com "passagem criminal". "Por ser uma experiência que tem dado certo, pretendo expandir. Se a pessoa tem interesse e força de vontade para mudar, ela deve ser contratada. É uma forma também de evitar que ela volte para a criminalidade", diz. Geralmente, a Avante contrata profissionais das próprias comunidades onde atua. “Temos recebido muitos currículos de jovens do país todo, interessados em trabalhar com a gente. Percebemos que cada vez mais as pessoas buscam um trabalho com propósito, em que possam contribuir para a sociedade e também ganhar dinheiro suficiente para viver”, complementa.

Vox Capital

Para continuar seu projeto de expansão, a Avante deverá receber uma nova rodada de investimentos este ano. Com isso, passará a ter um valor de mercado estimado em 42 milhões de reais, informa. Bonjean, sem revelar quem são os investidores e o valor a receber. A primeira rodada contou com “investimento anjo” e, a segunda, com um aporte de 4 milhões da Vox Capital, empresa que, por meio de um fundo de investimentos em participações (FIP), injeta capital em empreendimentos de impacto social.

A expectativa de Bonjean é que a carteira de crédito da companhia salte dos atuais 2,5 milhões de reais para 1 bilhão de reais até 2018, quando 500 agentes financeiros estiverem captando clientes em mais regiões do país.

Antonio Ermirio de Moraes Neto, da Vox.
Antonio Ermirio de Moraes Neto, da Vox.Divulgação

"O capitalismo não precisa ser predatório. O mercado também deve ter um papel importante na promoção do desenvolvimento econômico e social e, consequentemente, na redução das desigualdades", defende Antônio Ermírio Neto, sócio-fundador da Vox Capital, empresa que, por meio de um fundo de investimento em participações (FIP), injeta capital em negócios de impacto social, como a Avante.

Como o seu nome sugere, o executivo é de fato neto de Antonio Ermírio de Moraes, que foi presidente e membro do conselho de administração do Grupo Votorantim, gigante que seu pai (e bisavô do fundador da Vox), José Ermírio de Moraes, ergueu do zero. Membro da quarta geração de empreendedores da família, Neto começou a demonstrar talento para empreendimentos sociais na gestão do Geração de Impacto, fundo familiar do Votorantim. Formado em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), também trabalhou na Endeavor, organização de apoio a empreendedores.

“Precisamos quebrar o paradigma de que para se obter lucro devemos abdicar de projetos sociais”, destaca Neto. Com essa premissa, Neto, e dois sócios, fundaram a Vox Capital. A empresa comprou participação de seis empreendimentos de impacto, como forma de ajudá-los a se desenvolver. Em 2012, foi lançado o FIP, que absorveu esses seis negócios e recebeu mais quatro, totalizando dez empresas investidas. A seleção de todas essas empresas partiu da análise minuciosa de mais de 1,5 mil negócios sociais. “Todas as outras 1490 companhias tinham potencial de crescimento, mas ainda não estavam prontas para receber aporte”, explica.

O capitalismo não precisa ser predatório. O mercado também deve ter um papel importante na promoção do desenvolvimento econômico e social e, consequentemente, na redução das desigualdades

Antônio Ermírio Neto, sócio-fundador da Vox Capital

Visto a crescente demanda por capital de empreendedores sociais no país, a Vox resolveu criar um programa de aceleração de startups de impacto, o Vox Labs. Fizeram parte da primeira edição do projeto dez empresas. “Em vez de participação acionária, entramos com uma dívida conversível em ação. Depois de doze meses, decidimos fazer a conversão para uma das empresas, que hoje faz parte do nosso FIP”. Três companhias ainda estão na aceleradora, enquanto que cinco já quitaram suas dívidas com a Vox. “Somente uma não conseguiu recuperar esse investimento inicial, prejuízo que absorvemos. Faz parte do negócio, afinal”, complementa.

Na aceleradora, cada empresa recebe um crédito entre 50 mil e 300 mil reais da Vox. Já a média de investimento por empresa no FIP é de 5 milhões de reais. Para 2016, a Vox prepara o lançamento de mais um FIP de empreendedorismo social. A escolha dos projetos que recebem recursos da Vox passa por critérios como potencial de impacto social, qualidade do time empreendedor, proposta de valor e inovação do negócio.

Os investidores do FIP são predominantemente institucionais, com destaque para o Fundo Multilateral de Investimentos, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um fundo do Banco de Investimentos da América Latina (CAF) e outro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Também investem no FIP pessoas físicas de alto poder aquisitivo.

Embora o objetivo do FIP seja o de fomentar negócios de impacto social no Brasil, o fundo tem dois parâmetros de rentabilidade (benchmarks) que devem ser seguidos, um financeiro e um social. O financeiro é composto pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acrescido de 6%. O outro é pautado por um rating da GIIRS, órgão internacional que mede o grau de impacto social de um negócio. “Todos os anos é feita a auditoria. A empresa recebe uma pontuação de até cinco estrelas. O benchmark para as empresas do nosso fundo é três estrelas”, explica. Caso a empresas investidas não atinjam o benchmark social, a Vox abre mão de metade da taxa de performance do fundo, de 20%.

O prazo de maturação do fundo é de dez anos. Neto não revela como vem sendo a performance do FIP até então, mas os números que apresenta são animadores: ele garante que o crescimento médio no valor das empresas investidas é de 28% ao ano.

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