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Um professor com 26 milhões de alunos

Salman Khan agitou o mundo da educação com aulas em vídeo e exercícios grátis na web Seu método cativou o Google, Bill Gates e Carlos Slim

Maribel Marín Yarza
Jorge Restrepo

Existe um punhado de filantropos fora de série e existe Salman Khan, analista de um hedge fund de origem humilde que, em 2008, recém-casado, prestes a ser pai e adquirir uma casa própria, depositou todo o seu futuro e suas abundantes economias em um sonho: tornar a educação grátis acessível a todos em qualquer lugar do mundo. “Vamos esperar um ano para ver se conseguimos financiamento”, conta em palestras ter dito a sua mulher. “É a maior rentabilidade social que alguém poderia conseguir”. Hoje, esse homem, filho de mãe indiana e pai bengalês, tem 26 milhões de alunos em 190 países. Seu sucesso, a Khan Academy, é uma plataforma online multilíngue sem fins lucrativos que conquistou o próprio Bill Gates e é sustentada por outras generosas fortunas que contribuíram para fazer dele o professor do mundo.

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Nascido em Nova Orleans em 1976 e criado em um lar que se mantinha com o necessário, Khan ganhou fama de revolucionário com um sistema surgido de sua própria experiência e de umas poucas certezas. O engenheiro elétrico, matemático e especialista em TI formado em Harvard e no MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts) acredita que cada estudante é único e possui ritmos de aprendizagem únicos que o sistema prussiano de ensino, essencialmente passivo, não consegue satisfazer. O que ele propõe é uma espécie de escola ao contrário: aprender em casa, com aulas gravadas em vídeo e exercícios pertinentes, e fazer as lições em sala de aula. Dessa forma, o estudante que não entendeu um conceito, e que, na sala de aula, talvez se sinta coibido e desista de pedir ajuda, não tem mais que rebobinar a lição quantas vezes precisar até dominá-la. E o professor, que dispõe de um programa para acompanhar os progressos e tropeços de cada aluno em casa, pode investir seu tempo em resolver lacunas. A escola tradicional “te castiga por experimentar e fracassar” e isso faz os déficits de aprendizagem irem se ocultando, costuma dizer Khan. Sua proposta é justamente o contrário: “Monte na bicicleta e caia. Faça isso pelo tempo que for necessário até dominá-la”. “Se deixá-lo trabalhar em seu ritmo”, diz, “de repente o aluno começa a interessar-se e a progredir”.

Khan aprendeu isso com sua prima Nadia, uma menina inteligente de 12 anos que, em 2004, tinha dificuldades em matemática. Ele vivia em Boston e Nadia, em Nova Orleans, mas o analista decidiu dar aulas por telefone quando descobriu que a jovem tinha perdido toda confiança em si mesma por causa dos tropeços com os números. “Era lógica, criativa e esforçada”, explica em seu livro Um Mundo, Uma Escola (The One World Schoolhouse ). Simplesmente resistia à conversão de unidades e, sem essa base, era incapaz de continuar assimilando conceitos matemáticos.

Ex-analista de um 'hedge fund', seu lema é: "Suba na bicicleta e caia até dominá-la"

Nadia – hoje a um passo de entrar para a faculdade de Medicina – deve ter falado muito bem de seu primo, porque de repente Khan se viu ensinando a uma quinzena de filhos de familiares e amigos. Como o telefone não era prático, tentou sessões em grupo pelo Skype, mas não era tão eficaz. Justamente quando pensou em largar tudo, um amigo sugeriu: “Por que não faz vídeos e posta no YouTube?”.

O sonhador Khan deu-lhe ouvidos. Preparou aulas muito singelas com apenas três grandes protagonistas: o cursor sobre um quadro-negro virtual, as imagens que ilustram os conteúdos, e uma voz muito enfática, a sua. “Aconteceu algo interessante”, relatava Khan, com grandes dose de teatralidade nas palestras Ted de 2011. “Disseram que me preferiam no YouTube do que em pessoa. Faz muito sentido. Podiam parar ou repetir à vontade sem precisar perguntar e envergonhar-se”.

O mesmo ocorreu a milhares de internautas. As aulas de álgebra e pré-álgebra feitas para seus tutelados se converteram em trending topic. Por alguma razão, um professor não licenciado tinha descoberto a forma de cativar a estudantes, adultos sem formação, jovens com problemas... “Meu filho de 12 anos tem autismo e muita dificuldade com matemática. Tentamos de tudo, vimos de tudo, compramos de tudo. Encontramos por acaso seu vídeo sobre decimais e ele entendeu”, escreveu um pai agradecido. “Então passamos para as terríveis frações. Ele entendeu. Não podemos acreditar. Está tão emocionado”.

Khan propõe uma espécie de escola ao contrário: aprender em casa e fazer a lição em sala de aula

No início de 2009, mais de 100.000 pessoas acompanhavam seus vídeos e pediam aulas de outras matérias. Muito satisfeito, começou a flertar com a ideia de deixar a Wohl Capital Management e criar uma escola mundial gratuita. Não que não gostasse de seu trabalho. “Era intelectual e financeiramente gratificante”, conta em seu livro. “Mas estava envolvido em uma vocação que vi como algo muito mais valioso”.

Khan e sua esposa, médica internista, deixaram a compra da casa para mais tarde e investiram tudo no projeto, confiantes de que chamariam a atenção de algum filantropo. Passados nove meses, a academia, com o quartel-geral no quarto de hóspedes de sua casa no Silicon Valley, crescia sem parar em número de alunos, mas não em doações e para consolidá-la era necessário aperfeiçoar o software, contratar engenheiros, especialistas para abranger da Física, até a Biologia ou a História da Arte. Khan, que já tinha se tornado pai, começou a pensar que o melhor que podia fazer era voltar a sua antiga vida.

Mas em 2010 sua sorte mudou. A primeira boa notícia chegou por Ann Doerr, esposa do multimilionário John Doerr, investidor em empresas tecnológicas: uma dupla transferência de 10.000 e 100.000 dólares (350.000 reais). A segunda também veio dela, por SMS: Bill Gates estava contando em uma palestra que tinha descoberto na Internet a khanacademy.org, que estava utilizando para ajudar seu filho Rory, então com 11 anos, a aprender álgebra e matemática.

Aula de álgebra com Shalman Khan. / KHAN ACADEMY

As palavras de Gates se traduziram em dinheiro. Sua fundação transferiu 1,5 milhão de dólares quase a mesmo tempo em que a Google doava 2 milhões. Depois se somariam outros como o mexicano Carlos Slim. Consolidava-se assim uma escola sem a chancela oficial que ensaia com sucesso em escolas físicas – há um milhão de professores inscritos para usar seus recursos educativos – e que revolucionou a educação sem torná-lo rico. Salman Khan, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Times em 2012, não é milionário e provavelmente nunca será. Também não é seu propósito, convencido como está de que a educação pode revelar gênios, talentos, em qualquer lugar do planeta. Confessou ao jornalista argentino Andrés Oppenheimer em uma entrevista incluída no livro ¡Crear o morir! : “Senti que tudo isso era importante demais para ser só uma empresa”.

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