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“A ridicularização joga para a direita quem critica a corrupção”

Para Rosana Pinheiro-Machado, professora de Oxford, há pautas legítimas a debater

A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado.
A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado.

Rosana Pinheiro-Machado, professora de Antropologia na Universidade de Oxford, divide seu tempo entre as aulas no Reino Unido e temporadas no Brasil, nas quais, além de deveres acadêmicos, ela participa ativamente dos debates dos rumos dos partidos brasileiros à esquerda —ela é ligada ao esquerdista PSOL. Horas depois do protesto de domingo, ela comentou seu incômodo de ver os participantes dos protestos anti-PT e Dilma Rousseff pelo país serem vistos como apenas extremistas ou bizarros por uma parte da militância progressista. Na conversa abaixo ela argumenta por que crê que a esquerda não deve ignorar a indignação contra a corrupção e por que pensa que os atos desta quinta-feira "contra o golpismo", por mais que tentem, não se libertam da órbita do PT.

Pergunta. Por que você acha que é um risco ridicularizar o protesto ou tomar pelo todo? É um risco especificamente para esquerda?

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Resposta. Sim, para esquerda e para a sanidade da sociedade. Para esquerda porque perde uma parcela que ainda é dialogável, mesmo que não seja a maioria das pessoas que integrem esses protestos. Temos de separar que faz apologia do crime, da volta da ditadura dos demais que compartilham algumas pautas, estando ou não no protesto. Ridicularizando faz com que polarize. E a quem interessa a polarização? Aos extremos. Se eu estou com raiva e me junto, debocham de mim. Quanto mais fazem isso, mais eu me afasto. Para a sociedade como um todo o risco é grande. As pessoas estão sendo canalizadas para pautas de extrema direita, pautas violentas. É normal que em tempos de crise, o fascismo ou hipernacionalismo floresçam porque dão respostas simples —a culpa é do pobre ou do migrante— para problemas complexos. As pessoas não sabem como fazer, só sabem que a coisa anda errada e que é preciso mudar, melhorar. Acredito que a ridicularização atira quem quer viver numa sociedade onde os políticos roubem menos e os serviços funcionem mais para a direita. Uma população que está assustada com a violência, em cidades como Porto Alegre e Fortaleza, por exemplo. São pautas legítimas.P. Há críticas sobre a "indignação seletiva" dos manifestantes, inclusive quando o tema é corrupção. Você defende que, ainda assim, a pauta é legítima. Por quê?

A ridicularização atira quem quer viver numa sociedade onde os políticos roubem menos e os serviços funcionem mais para a direita

R. Dizer que a pauta da corrupção é vaga é simplesmente um ato de esnobismo intelectual. No seu cotidiano, quem tem uma vida dura, tem o direito e o dever de se indignar com a farra que ele vê na TV. A sensação do trabalhador comum, mesmo que ele não vá ao protesto, é a de que, enquanto ele batalha, a "classe política" tira sarro da sua cara. Eu não estou dizendo que as coisas sejam simples. Eu apenas pontuo que este sentimento após tantos escândalos de corrupção não são injustificados. O sentimento anti-PT, recordemos, nasce depois de 12 anos de poder, e pouco distanciamento —melhor, alinhamento— aos esquemas de corrupção que prometeu acabar. As pessoas não conseguem entender é que o padeiro e cabeleireiro que eu conheço que foram para o protesto em Porto Alegre não vão levantar a bandeira da reforma política ou do financiamento público de campanha. Ridicularizá-los só serve para afastá-los. 

P. Você também aponta o problema da esquerda de considerar a reclamação da classe média sobre segurança pública. Você acha que esquerda não busca um diálogo com a classe média, incluindo a C?

R. É muito difícil definir classe média. Quando se fala em violência urbana, a esquerda tende a menosprezar as pautas das camadas médias e médias baixas, e com razão. É preciso discutir a violência da polícia na favela. Entendo e compartilho dessa visão. No entanto, a questão da mobilidade urbana, da violência do que só saem de carro de casa, vivem assustados fechando vidros, atinge milhões de brasileiros. É um tema real para o qual não vemos um projeto robusto seja do PT ou de outros setores da esquerda para lidar com a situação.

As pessoas não conseguem entender é que o padeiro e cabelereiro que eu conheço que foram para o protesto em Porto Alegre não vão levantar a bandeira da reforma política ou do financiamento público de campanha. Ridicularizá-los só serve para afastá-los.

P. Nesta quinta, movimentos sociais vão às ruas. Eles dizem que defendem o Governo do golpismo, mas não estão fechados com Dilma. Como vê?

R.  Há um debate ainda em curso sobre os caminhos da esquerda deve tomar, deveria ter tomado, se ela deveria ter abandonado as ruas em junho de 2013 quando as organizações de direita surgiram e viraram protagonistas. Mas, independentemente disso, é muito difícil para a esquerda construir um discurso autônomo do PT. O PT no poder ainda é uma força muito dominante, por mais que digam que também vão cobrar, o partido tem inúmeras maneiras de controlar o debate. Como já disse antes, uma parte da esquerda ainda está presa a uma chantagem emocional que acusa a crítica ao partido como “um prato cheio para a direita”. Este argumento é manipulador, emburrecedor. Me parece que quando o PT chama uma frente popular é uma estratégia para defender o Governo. De um lado, o partido infla sua base de esquerda, mas no topo age com [Joaquim] Levy. Hoje o desafio da esquerda é organizar uma frente popular, mas que seja verdadeiramente autônoma, com ou sem petistas.

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