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Coluna
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Uma semana de protestos

Começa um processo de diálogo no Brasil, cuja situação em nada lembra a da Venezuela

Enquanto se vivem protestos virulentos em todo o Brasil, a esquina onde eu vivo, ponto de encontro de um bairro de classe média no Rio de Janeiro, é um microcosmo da crise política e econômica que comove o País. Apesar de estarem passando por apertos econômicos, a maioria de meus vizinhos não está desesperada. Uns estão revoltados com o Governo e acreditam que a culpa da corrupção e do aumento do custo de vida é da presidente Dilma Rousseff e seu Partido dos Trabalhadores (PT).

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Poucos creem, no entanto, que o impeachment da presidenta solucione o desgoverno e proporcione tranquilidade. Por outro lado, há os que cultivam a visão ideológica das esquerdas e afirmam que a crise é uma invenção da “mídia” a serviço dos grandes bancos, dos financistas internacionais e de uma “burguesia reacionária” que não aceita a ascensão das “classes populares”. Não querem de modo algum saber de “austeridade”, que ponha em ordem os gastos do Estado, e desconfiam dos remédios que proponham a “ortodoxia econômica” para estancar a crise.

O principal resultado é que os “utópicos” de terceira idade, muitos dos quais, aposentados e de convicções esquerdistas, já não cumprimentam os admiradores de uma intervenção militar para abreviar o segundo período presidencial de Dilma Rousseff, reeleita em 2014. Cada um na sua convicção política sem procurar entender o grave problema econômico que se está vivendo. É uma perigosa falta de diálogo cidadão em minha comunidade, onde muitos têm educação superior, carreiras profissionais estabelecidas e onde todos fazem grandes esforços para educar seus filhos.

A impressão que me fica é de que as camadas sociais que deveriam pautar as reformas necessárias não confiam nas lideranças políticas de nenhuma tendência, porém, vivem na expectativa da última notícia que venha das altas esferas políticas de Brasília. Há incertezas, porém não há um clima revolucionário. Nada que é sólido está se desmanchando no ar, como diria Marx em sua metáfora da revolução moderna. O comércio da esquina recebe regularmente caminhões com entregas de cerveja, pão, café, carne e todos os demais artigos de consumo que abastecem meu bairro.

Não há saques no comércio, como ocorre na Venezuela, onde falta tudo. Num domingo ensolarado as jovens mães com seus filhinhos encontram-se na esquina para um festival de picolés. As ruas estão cheias de pequenos veículos com suas pequenas escadas instalando TVs via satélite. Também há alguns caminhões de mudanças levando famílias que se trasladam para imóveis mais econômicos porque os aluguéis aumentaram bastante. Porém, não significa nenhum colapso do bairro, que recebe cada vez mais turistas. É simplesmente o livre mercado funcionando para o bem-estar diário das pessoas.

Não creio que as demonstrações das ruas, de protestos e contra-protestos, modifiquem o curso dos acontecimentos políticos. São válvulas de escape de frustrações que se vinham acumulando e se tornaram agudas com as revelações da colossal corrupção na Petrobras através das investigações judiciais da Operação Lava Jato. Observando a progressão do que é violência política, as palavras do poeta Garcia Lorca vêm ao caso: primeiro a algazarra, depois o protesto e finalmente o tiroteio.

No entanto, o Brasil não é temperamentalmente hispânico. Como se diz aqui, os conflitos políticos frequentemente acabam em pizza, não em tiroteio. O que quer dizer pizza? É compartilhar uma porção saborosa pela qual se chega ao diálogo e a concessões mútuas em benefício de um pacificação. De outra maneira, só existe a revolução violenta. Parece claro que é o que querem os radicais, porém isso não tem ressonância na alma brasileira.

Todos os comentaristas de política nacional coincidem que um processo de diálogo iniciou-se em Brasília, entre os poderes Federais e os Estados. A presidenta Rousseff conseguiu o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros, que propõe uma agenda para negociações políticas sobre como implementar as reformas econômicas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Calheiros, um veterano conhecedor de como cozinhar pizzas, declarou que rechaça o impeachment e parece que conseguiu proteção da Suprema Corte Federal contra uma possível acusação de que recebeu apoio eleitoral ilegal por meio de desvios de dinheiro da Petrobras. Igualmente, o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, o Estado mais poderoso do Brasil, não se posiciona sobre o impeachment e a redução do mandato da presidenta Rousseff.

Alckmin aspira ser candidato a presidente pelo partido de oposição PSDB em 2018. Ele é um político prudente que não tem a tentação de incendiar a política brasileira. Com esta postura constitucionalista, Alckmin se distancia claramente do senador Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais, que foi derrotado por Rousseff na eleição presidencial de 2014. Neves encabeça um setor do PSDB que quer impugnar a eleição de Rousseff e reduzir seu segundo mandato. Para tal, depende de decisões que teriam que ser adotadas pelo Congresso Nacional, pelo Tribunal de Contas da União e pela Suprema Corte.

Este é um caminho que pode levar anos de desgastes políticos e postergar a recuperação econômica que o Governo federal vem perseguindo sob o comando do ministro da Fazenda Levy e o Banco Central. Neves perdeu a eleição de 2014 porque foi derrotado pelo PT no Estado que ele governou duas vezes, de 2003 a 2010, elegendo seu sucessor. Seu desejo de provocar uma nova eleição, antecipada, cheira mais a uma revanche pessoal que a um projeto de recuperação do poder nacional do PSDB. Não inspira confiança, que é o de que o Brasil mais necessita.

Coincidentemente, a visita de Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, ao Brasil esta semana, é uma amostra de que o mundo econômico do Ocidente está esperando que o impasse político brasileiro não aprofunde a queda econômica. Merkel tem muita experiência em tratar com países devedores que dependem de financiamento externo para crescer, como a Grécia. Conforme se viu, depois das bravatas do governo grego esquerdista denunciando seus credores, o primeiro-ministro Alexis Tsipras aceitou os termos duros de um novo refinanciamento de sua dívida “impagável” em troca da aplicação dos remédios postergados desde 2010. Merkel vem acompanhada por executivos das maiores empresas privadas da Alemanha que já têm o Brasil como seu maior mercado fora da Europa. Seguramente irão apoiar um programa de recuperação, se o governo de Rousseff for capaz de apresentar uma política econômica convincente.

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