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Toque de recolher e medo da polícia dominam Osasco depois da chacina

Comércio na região onde chacinas mataram 18 pessoas tem fechado mais cedo

Gil Alessi
Zilda em frente ao bar onde seu filho foi morto.
Zilda em frente ao bar onde seu filho foi morto.G. A.

A empregada doméstica Zilda Maria de Paula, 62, está irritada. “Não foi cachorro que morreu aqui não!”, diz, enquanto rega vasos de flores já meio secas colocados no chão em frente à porta de aço do bar do Juvenal. Eles estavam empilhados em um canto da calçada, e ela cuidadosamente os espalha na soleira da porta. Seu único filho, Fernando Luís, 34, foi uma das oito pessoas executadas no local na noite de quinta-feira passada no Jardim Munhoz Júnior, em Osasco. A chacina que se seguiu deixou um saldo de 18 mortos e sete feridos. “Vou falar pra você: a morte eu até aceito. Agora a covardia eu não consigo”, diz, referindo-se à maneira como os assassinos agiram. “Todo mundo morto com tiro à queima roupa na cabeça... Enterro com caixão fechado é muito triste”, desabafa.

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Até o momento, a maior suspeita da investigação é de que os crimes – ocorridos em Osasco e Barueri - tenham sido cometidos por policiais militares para se vingar da morte de um PM na semana passada. A corregedoria da corporação participa da apuração, e anunciou que 32 policiais serão ouvidos sobre o caso. Nos primeiros seis meses do ano, foram 10 chacinas no Estado de São Paulo, com 38 mortos, de acordo com levantamento da ONG Instituto Sou da Paz. Uma das medidas anunciadas pelo secretário de Segurança Pública do Estado, Alexandre de Moraes, na sexta-feira, foi reforçar o policiamento na região. Mas a população não crê que isso vá trazer segurança, tendo em vista o histórico de envolvimento da tropa em crimes do tipo - em um caso recente oito pessoas foram mortas na quadra de uma torcida organizada, e dois PMs foram presos pelo crime.

O clima nas ruas do bairro é de medo, com um toque de recolher informal vigorando. “A rua ficava cheia até tarde. Agora 18h já está todo mundo em casa. Às 22h todo mundo deitado embaixo da cama com medo”, afirma V. S., de 20 anos. De acordo com ele - que pediu para não ter o nome divulgado -, desde o dia dos crimes não há mais tranquilidade: “é do trabalho para casa, de casa para o trabalho e só”. Funcionários de um posto de venda de botijões de gás da distribuidora Liquigás, que fica em frente o bar do Juvenal, disseram que antes fechavam às 22h, mas que “agora 19h fechamos o portão”. O ‘fluxo’ – baile funk realizado na rua – que ocorria quinzenalmente, foi suspenso até novembro: um dos organizadores, conhecido como Betinho, foi morto na chacina.

Mas nem todos têm a opção de ficar dentro de casa depois que o sol se põe. Leandro de Oliveira trabalha como repositor em uma cadeia de supermercados, e bate o cartão às 22h. “O pior é que o ônibus fretado que eu pego passa em frente a um escadão. Mas não tenho opção, tenho filho para sustentar”, diz. No dia depois da chacina, enquanto aguardava o coletivo, um carro da Rota – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa de elite da PM – se aproximou. “Eles jogaram o facho de luz em mim. Gelei. Eu costumo ficar de braço cruzado, na hora descruzei devagarinho, para que eles vissem meu crachá”, afirma. “Pensei: se foi a polícia que matou, agora serei mais um”.

Isso [chacina na periferia] só vai acabar quando acabar a polícia

Oliveira conhecia todos os mortos daquela noite. Apesar de já ter visto cadáveres antes – “aqui sempre foi comum, morria um ali, outro lá em cima...” – chegar à cena do crime “e ver todo mundo que você conhece em uma poça de sangue foi duro”. “Ainda bem que meu filho de 3 anos ainda não entende essas coisas. Como explicar para uma criança?”.

“Isso [chacinas na periferia] só vai acabar quando acabar a polícia”, diz o jovem J. A, 25, morador do bairro. Ele dá uma risada cínica quando indagado se o aumento no efetivo policial na região irá trazer tranquilidade. “A polícia é que traz insegurança para cá”. Por receio de retaliação, ele também pediu que seu nome não fosse divulgado. Ele lembra que no dia do crime "tinha um monte de policial indo para lá e para cá no início da noite". Poucas horas antes da chacina, "sumiram todos. Ficou uma calmaria. Tipo antes da tempestade. E deu no que deu".

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