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Legado de Eduardo Campos se desmantela com a crise

Governador Paulo Câmara enfrenta desgaste com greves, demissões e queda de receita

Paulo Câmara com a imagem de Eduardo Campos ao fundo, no evento que lembrou os 50 anos do nascimento dele.
Paulo Câmara com a imagem de Eduardo Campos ao fundo, no evento que lembrou os 50 anos do nascimento dele. Wagner Ramos (SEI/Fotos Públicas)

Um e-mail enviado por Eduardo Campos convidava na semana passada centenas de pessoas para seu aniversário de 50 anos, no último dia 10, em uma casa de recepções em Recife. No escritório do líder do Governo na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Waldemar Borges (PSB), é Campos quem sorri na foto oficial dedicada ao governador de Pernambuco, e não Paulo Câmara (PSB), há oito meses no principal cargo do Executivo estadual. Borges, aliás, refere-se ao neto de Miguel Arraes sempre no tempo presente. “É um excelente administrador, um craque na política”, elogia.

Câmara, por sua vez, cita continuamente o nome de Eduardo nos discursos e entrevistas que concede —na época da campanha, em um debate televisionado, evocou mais de 20 vezes o seu padrinho político. O fato é que a queda do Cessna 560XL, que abreviou há um ano a vida do então candidato à Presidência do Brasil, também lhe concedeu um capital poderoso e sui-generis: uma presença que consegue ultrapassar a medida do simbólico para se impor até no cotidiano administrativo do Estado. Ou quase.

Campos faleceu momentos antes de a famosa crise-marolinha transformar-se efetivamente num tsunami. Até então, o Governo vendia Pernambuco como o Estado que mais crescia no país. Então secretário da Fazenda, Câmara alegrava-se: Pernambuco entrava em um exclusivo clube formado até então por apenas sete Estados do Brasil. Mas, desde que ocupou a cadeira de governador, não houve para ele a chance para climas efusivos: demissões em massa em Suape (45.000 trabalhadores dispensados), rebelião no Complexo Prisional do Curado (três mortos), superlotação de presídios —são quase 31.000 presos para 11.000 vagas. Como se não bastasse, greve de professores estaduais, dos servidores do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), greve da Companhia Pernambucana de Abastecimento (Compesa), paralisações de policiais civis e um quase colapso do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc).

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No interior do Estado, dezenas de motoristas de carros-pipa, que entregam água em casas com dificuldades de abastecimento, estão há sete meses sem receber salário. Isso sem contar os seríssimos problemas de mobilidade enfrentados na capital e região metropolitana e os suspeitos gastos da astronômica Arena da Copa. Nesta sexta-feira, uma operação da Polícia Federal apurou as irregularidades na construção da Arena Pernambuco e afirmou que houve fraude na licitação da obra que pode ter sido superfaturada em 42,8 milhões de reais. Na época, Câmara era vice presidente do Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas (CGPE), o núcleo do Governo que cuidou dos projetos e licitação do estádio.

Boa parte dessas agruras são fruto de uma crise vivida em âmbito nacional. Como Pernambuco, outros Estados enfrentam dificuldades de arrecadação com a economia fragilizada, e recebem menos repasses do Governo federal. Desta forma, os servidores públicos estaduais têm sido penalizados. O porto de Suape, por sua vez, um ambicioso projeto que consumiu bilhões de reais para se transformar num complexo petroquímico, foi atingido pelas investigações da Lava Jato. Parte dos empregos que evaporaram eram temporários, relacionados à primeira fase da construção. Mas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplenagem (Sintepav) do Estado, a Lava-Jato extinguiu 18.000 empregos na segunda parte das obra da Refinaria Abreu e Lima. A Petrobras diz que só retomará as obras em 2017.

A esse quadro, se soma uma espécie de herança maldita do novo chefe do Executivo. Suceder o governador mais bem avaliado do país antes da sua morte seria difícil até mesmo em épocas de vacas gordas.

Neste cenário, um número cada vez mais crescente de críticos –que falavam muito discretamente quando Campos estava vivo– aponta para uma inabilidade (e falta de visibilidade) de Câmara na condução da política e da economia estadual. São ajudados por uma declaração do próprio atual governador em 2 de outubro de 2014, no último ato da campanha que o consagraria vencedor: “Eu não tinha me preparado para governar Pernambuco sem ter Eduardo ao meu lado”. Antes da queda do avião, Câmara tinha apenas 13% das intenções de voto, enquanto Armando Monteiro (PTB), aparecia com 47%. Os números são do Datafolha (15/8/2014).

Estou mantendo a forma de trabalhar que ele quis, que o Estado quis, mantendo a base aliada” Paulo Câmara

Neófito em disputas eleitorais, o governador de 43 anos sabe que a herança da gestão anterior impõe desafios seríssimos mesmo para políticos com vasta experiência. E nesse caso, o “Eu não estava preparado” acendeu o sinal amarelo geral que agora, em meio aos cartazes de protesto, é usado pela oposição. Câmara se defende dos ataques. “Existe um conjunto de ações que levaram Eduardo até o meu nome. Ele dizia que podia ter dúvidas em relação a mim como candidato, mas nunca como governador. Estou mantendo a forma de trabalhar que ele quis, que o Estado quis, mantendo a base aliada”, disse Câmara ao EL PAÍS. “Tenho andado pelo Estado, já visitei mais de 70 municípios. A oposição está fazendo seu papel, mas anda contribuindo pouco para o debate”, completa.

De fato, o governo atual tenta manter o leme seguindo o modelo adotado por Campos –um exemplo é a continuidade das famosas reuniões de monitoramento, quando o ex-governador agregava todos os secretários para prestarem conta de suas pastas. Nelas, não raramente ele adotava um tom duríssimo, draconiano, com seus subordinados. “Paulo não é menos gestor que Eduardo. Ele é um administrador de mão cheia. Eduardo não escolheria alguém fraco para esse desafio”, diz o deputado Waldemar Borges, falando literalmente sob a imagem sorridente de Eduardo Campos, de quem foi amigo durante décadas. “O governo está a mesma coisa de antes.”

Está, mas não está. Com o vagalhão político atual e o discurso generalizado de fim do mundo muitas vezes fomentado pelo próprio governo estadual local, que rompeu com o PT quando Eduardo saiu candidato à presidência, o ceticismo da população aumentou. Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), o cientista político Tulio Velho Barreto diz que Paulo Câmara vem de fato procurando diálogo com o governo federal, ministros e empresários, mas sua atuação é tímida. “Falta-lhe traquejo político para lidar com os enormes desafios colocados na área política e econômica, bem como na gestão; sobretudo junto aos servidores estaduais”, opina.

Eduardo Campos e Paulo Câmara na campanha de 2014.
Eduardo Campos e Paulo Câmara na campanha de 2014.Arquivo/PSB

Mas na fala geral de Borges, a culpa, no final das contas, é de Brasília. A tática adotada pelo líder do governo na Assembleia Legislativa é repetir continuamente que os sufocos enfrentados no Estado são antes de mais nada provocados por irresponsabilidades cometidas pelo governo federal. “Eles deveriam reconhecer que, se dificuldades adicionais ocorrem, vêm por causa disso.” “Eles”, no caso, é referencia à bancada de oposição hoje composta por 13 pessoas.

Durante os quase oito anos com Campos à frente do governo do Estado as vozes dissonantes eram quase silenciosas, mas hoje é possível ouvir um barulho mais potente. Líder da oposição, o deputado Sílvio Costa Filho (PTB) diz que o momento delicado da economia brasileira não explica, por exemplo, o grande endividamento do Estado. “Pernambuco de fato teve crescimento nos últimos anos. Mas parte dele foi gerado por empréstimos para pagar custeios da própria máquina pública”, diz. As obras que foram erguidas em Pernambuco também aumentaram a fatura de contas a pagar. Segundo Costa Filho, o Estado contraiu uma dívida de 6 bilhões de reais nos últimos seis anos. Também fizemos de fato investimentos em hospitais, mas não se pensou na manutenção deles. Falta médico, falta medicamento. A queda de investimentos na saúde é de R$ 158 milhões em relação ao ano passado. Desse dinheiro só R$ 38 milhões vinham da União”.

É sob esse fogo cruzado que Câmara chega ao primeiro aniversário da morte de seu padrinho político. Câmara conta com o apoio da família Campos - realiza vários atos governamentais acompanhado por João Campos, filho mais velho de Eduardo. O apelo emocional, porém, vem tocando menos o coração dos pernambucanos neste momento. É no bolso que eles têm sentido mais a falta do seu ex-governador.

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